Histórias de Marketing: Tesla
Como crescer um negócio investindo zero euros em publicidade? Parece uma tarefa quase impossível para quem quer chamar a atenção de consumidores que, atualmente, são bombardeados com conteúdos de centenas de marcas dia após dia. No entanto, a Tesla conseguiu fazê-lo e progressivamente aproximar-se dos seus mais diretos rivais (Volkswagen, Ford, Toyota, BMW) que gastam perto de 25 mil milhões de dólares em comunicação por ano.
2020 foi, em todos os critérios possíveis, um bom ano para a Tesla. Tornou-se na empresa automóvel mais valiosa do mercado, atingiu recordes de vendas e de carros entregues a clientes por receber um modelo daquela que é a marca automóvel mais “googlada”. Uma das discussões que costuma surgir relativamente à empresa de Elon Musk é se se trata mesmo de uma empresa automóvel ou se devia ser olhada como uma empresa tecnológica ao nível de uma Apple ou de um Facebook. A verdade é que por desenvolver um carro elétrico que inclui não só um forte investimento a baterias de última geração, mas também uma divisão inteira a trabalhar num software de “Auto-Pilot” através de inteligência artificial, acaba por ser um pouco das duas. E é precisamente esta versatilidade que levou a empresa a receber a atenção de tantos olhos que procurou capitalizar da melhor maneira… não gastando dinheiro. Pelo menos, não da maneira mais óbvia.
O que fez a Tesla para valer +600 mil milhões de dólares?
1. Uma visão
A missão da Tesla sempre foi muito clara: liderar a transição global para carros elétricos, desenvolvendo o carro mais inovador do século XXI. Deste modo, poderia mudar o mundo oferecendo uma opção mais sustentável e amiga do ambiente.
E nunca teve problemas em partilhar com uma crescente legião de fãs como é que o ia fazer. Começar com um carro desportivo elétrico para gerar buzz, mas acessível para poucos. Com esse dinheiro começar a desenvolver um modelo mais acessível para todos. E assim sucessivamente. O primeiro desportivo Tesla Roadster custava entre 100 e 150 mil dólares. O Model 3 já custava cerca de 35 mil dólares, ao nível dos carros que funcionam à base de combustíveis fósseis.
A constante evolução de uns modelos para outros levou a que cada vez mais pessoas se entusiasmassem com a Tesla.
2. Aberto ao público
Tal como uma cozinha aberta onde os clientes podem ver exatamente como é que os pratos que vão fazer ingerir são preparados, Elon Musk tentou sempre promover transparência em cada passo do desenvolvimento dos seus carros. Toda a atenção recebida pela Tesla valeria de pouco, se não fosse capaz de criar um sentimento de confiança junto dos potenciais consumidores que estavam a acompanhar o seu trabalho de perto.
Por isso, a empresa deu sempre igual importância à comunicação dos avanços que tinha conseguido e dos fracassos que tinha para ultrapassar. Essa “honestidade”, por norma difundida no blog do site da Tesla, fez com que os fãs da marca sentissem que estavam a participar na sua jornada: nos dias maus davam apoio à empresa para resolver um obstáculo, nos dias bons celebravam uma inovação rumo a um futuro mais sustentável.
Ainda neste âmbito, Musk chegou mesmo a tornar algumas patentes da Tesla públicas para que a inovação na indústria dos carros elétricos se desse mais rápido. Isto criou a sensação, junto do público, de que havia mesmo uma preocupação geral em mudar o paradigma e não apenas uma empresa só interessada em lucrar com os carros que produzia.
3. Utilizar conteúdo de fãs
Como é que a Tesla pode ter conteúdo viral nas redes sociais? Com utilizadores que produzam, publiquem e partilhem conteúdo por ela. O YouTube, o Facebook, o Instagram e o Twitter estão recheados de vídeos de reações aos carros, de comparação em termos de velocidade com modelos de outras marcas, de teste a diferentes funcionalidades disponíveis num Tesla. Quanto melhor a experiência num Tesla, maior a probabilidade dos clientes criarem conteúdo com o carro e de o partilharem. Cada um destes ajuda a que a empresa possa chegar a uma audiência cada vez maior e que possa ter uma presença online mais significativa.
Outra hipótese é criar competições onde a Tesla premeia o melhor conteúdo com o seu carro. Há uns anos a empresa lançou o “Project Love Day”, em que pedia a fãs que produzissem um anúncio, no máximo de 90 segundos, e que publicassem no seu YouTube. Os vencedores fariam parte da campanha oficial da Tesla. Entre milhares de candidaturas, só os 10 finalistas conseguiram mais de 3 milhões de views.
4. Ter recordes ajuda
As pessoas querem ter o melhor do melhor e ter alguns recordes ajuda a chamar a atenção. Um Tesla tem em simultâneo (de acordo com a empresa):
- o carro mais rapidamente a ser produzido no mundo
- o carro mais seguro do mundo
- o carro elétrico com maior autonomia
- o SUV mais rápido do mercado.
Na altura de comprar o carro, além do preço obviamente, são estas as “headlines” que o consumidor vai ter em mente e que o poderá levar a escolher um Tesla em vez de um modelo de outra marca.
5. Compra rápida
Geralmente, adquirir um carro envolve a deslocação a um stand de automóveis e período de reflexão sobre se é mesmo aquele o modelo desejado, antes de se assinar a papelada. Na Tesla, é tudo feito online e de forma rápida, quase como se tivéssemos a comprar uma peça de roupa ou a encomendar comida de um restaurante. No próprio site, o processo demora apenas uns minutos e o cliente tem de escolher apenas o modelo, as funcionalidades que deseja ter no carro e o método de pagamento. Depois, é só esperar que o carro seja entregue. Ao facilitar toda a jornada de compra do cliente, a Tesla tem uma componente a seu favor para chamar a atenção aos seus carros, sem ter de gastar um cêntimo.
6. A escassez
A Tesla está na posição privilegiada de ter constantemente clientes em lista de espera para poder receber os seus carros. De ano para ano, a empresa de Elon Musk tem aumentado a sua capacidade de produção para poder satisfazer a procura cada vez pelos seus carros. Contudo, alguma escassez até é benéfica para a Tesla de modo a poder criar um sentimento de exclusividade. O tempo de espera ajuda a que a marca possa criar expectativa e urgência em potenciais clientes quererem ter o seu produto e a não se preocuparem em pagar um premium “para ajudar o ambiente”. Só o Model 3 teve 500 mil pré-reservas, antes de sequer estar pronto.
7. Um bom serviço ao cliente
O que é que isto tem a ver com marketing? Uma experiência de compra online aliada a um produto cuja procura é maior que a oferta tem obrigatoriamente de ter um serviço ao cliente de excelência para garantir que o mesmo não tem as expectativas defraudadas. Mesmo nos casos em que um cliente da Tesla tenha esperado mais tempo para receber o seu carro, se sentir que é bem tratado durante todo o processo, maior será a probabilidade de recomendar um Tesla a um ou mais amigos.
8. Eventos
Numa jogada roubada às grandes empresas tecnológicas, a Tesla costuma organizar eventos para fazer apresentações de um avanço significativo no seu carro. Pode ser um mecanismo inovador de as portas se abrirem, uma melhoria na velocidade do carro dos 0 aos 100km/h ou uma nova carrinha, a Cybertruck, que parece vinda do futuro. A Tesla faz a demonstração e os media fazem reviews, partilham fotografias e opiniões e especulam sobre o futuro da empresa. Tudo isto ajuda a promover a Tesla ou a que esta se torne num tópico de discussão de relevo em diferentes meios de comunicação e redes sociais.
9. Ideias surreais
Que tal pôr um Tesla no espaço? Foi isso que Elon Musk decidiu fazer com a ajuda da sua outra empresa, a SpaceX, num dos lançamentos dos seus foguetes. O carro que atravessou a estratosfera nem era um dos novos modelos (o Roadster), mas toda a situação ajuda a que a Tesla fosse falada na televisão, nos jornais e online. Ser tema de conversa aumenta a probabilidade de potenciais consumidores quererem saber mais sobre a marca e acabarem no seu site a escolher um dos seus modelos.
10. O Twitter de Elon Musk
Será, sem exageros, o canal mais importante de toda a comunicação da empresa. Musk conta com mais de 50 milhões de seguidores na sua conta sempre atentos ao próximo do bilionário sul-africano, seja ele um meme sobre dogecoin, seja ele um anúncio de que a Tesla iria passar a aceitar pagamentos em Bitcoin.
Um tweet é o suficiente para lançar um teaser sobre uma nova funcionalidade. Sobre um novo plano para o futuro. Sobre uma decisão com impacto imediato. E cada publicação, invariavelmente, não só faz da Tesla “trending topic” no Twitter como afeta significativamente o valor da empresa nos mercados financeiros.
A Tesla também tem a sua própria conta de Twitter, mas as suas publicações de maior sucesso acabam por ser aquelas partilhadas pelo seu líder. A rede social tornou-se tão importante para a empresa que, no ano passado, deixou de ter um departamento de PR, substituído por uma equipa focada exclusivamente em tweets, retweets e likes. Por outras palavras, uma equipa focada em conteúdo próprio que, através do seu CEO, dificilmente não se torna viral e não atrai mais clientes.
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