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Cristina Fonseca: “Não tenho medo nenhum de começar do zero”

por Rute Sousa Vasco (Texto) | 1 de Novembro, 2022

Cristina Fonseca

Co-fundadora da Talkdesk, hoje um dos unicórnios portugueses, co-fundadora da Cleverly, entretanto adquirida pela Zendesk e atualmente investidora na Indico Partners. Cristina Fonseca fez tudo isto em pouco mais de 10 anos, provavelmente porque “não tem medo nenhum de começar do zero”.

Nasceu numa aldeia pequena e estudou em escolas com poucas crianças na sala de aula. Em contrapartida, faz parte de uma família numerosa e conta com um número pouco vulgar de primos direitos, 35 no total. À posteriori é relativamente fácil ver com o estas duas circunstâncias fizeram de Cristina Fonseca a empreendedora e investidora que hoje é: a pacatez da aldeia deu-lhe a dádiva do aborrecimento que leva à curiosidade, a bonança de uma família grande e unida, deu-lhe um porto seguro para arriscar sem medo de ser julgada. Tudo isso parece lógico agora que passaram mais de 10 anos desde que começou a sua startup, a Talkdesk, que é hoje um dos unicórnios portugueses. Mas, como lemos nos livros, a verdadeira aprendizagem está no caminho e não no destino.

Estive mesmo a morrer e tenho a sensação que (viver) foi uma escolha minha. Quando saí, qualquer empresa que me ligasse para ir para lá trabalhar, eu achava que não era suficientemente boa

E, para Cristina Fonseca, o primeiro momento adulto de aprendizagem aconteceu de forma dura e inesperada. Aos 21 anos, sem que qualquer problema de saúde prévio o anunciasse, foi parar a uma cama de hospital com uma pneumonia. “Os médicos disseram aos meus pais que a probabilidade de sobreviver era de 50%”, relata. Os dias que passou internada mudaram a forma como olharia para a vida e para o seu futuro profissional. “Estive mesmo a morrer e tenho a sensação que (viver) foi uma escolha minha. Quando saí, qualquer empresa que me ligasse para ir para lá trabalhar, eu achava que não era suficientemente boa”.

Não se tratava de arrogância, mas de uma consciência do valor da vida. A miúda que tinha vindo de uma aldeia perto de Fátima sabia desde que se inscreveu no curso de Engenharia de Redes do Instituto Superior Técnico que tinha capacidades para fazer academicamente o que entendesse. Era isso que dizia o diploma com média de 18 que trazia do liceu e que não teve qualquer problema em usar para entrar num curso que tinha “apenas” média de 12.

“Eu tenho uma família muito grande”, volta a recordar, “ e obviamente nesta família ninguém é especial. Aprendemos muito a autonomia, mas aconteça o que acontecer temos um porto seguro. É também a razão pela qual vou para um curso desconhecido sem problemas. A minha mãe só me disse ‘ se não gostares, mudas”. E aquele curso prometia-lhe saber mais sobre essa revolução chamada internet que estava a mudar a face do mundo.

Mas gostou e até as aulas mais aborrecidas acabaram por se tornar numa oportunidade para moldar a Cristina Fonseca que se tornaria empreendedora. Já escrevemos que, em retrospectiva, tudo parece lógico – e na história da co-fundadora da Talkdesk isso é especialmente verdade. Foi nas aulas mais aborrecidas que se distraiu, em parceria com Tiago Paiva, colega de curso e futuro co-fundador da Talkdesk, a desenhar produtos e ideias para negócios. Ideias que foram testando e vendo falhar, até que uma deu certo.

Mas vale a pena pensar em mais um detalhe. Durante esses tempos de negócios imaginados,

Cristina e Tiago criaram uma base de dados na cloud para poderem saber com que pessoas é que já tinham contactado a propor ideias e qual o feedback que tinham recebido. E um dia fez-se o famoso clique. “A ideia da Talkdesk veio quando pensámos porque é que esta informação não existia agregada quando alguém nos contacta”, explica. “É a diferença de dizer olá, mãe quando me ligam, e perguntar com quem estou a falar”.

A tecnologia que permitia criar este tipo de ferramenta na cloud estava a avançar e os dois futuros sócios acreditavam que podiam resolver em dias a criação de call centers, um problema que tipicamente demorava seis meses a resolver. Só não queriam chamar ao seu negócio “criação de call centers”, mas seria preciso pouco tempo para que investidores e mentores lhes explicassem que era exatamente esse o nome do que faziam.

Pouco tempo porque desde o momento em que concorreram a uma competição de ideias de negócio onde o principal prémio era ganhar um computador portátil – que ganharam – tudo acelerou. Por causa dessa competição organizada por uma empresa tecnológica, acabaram convidados a participar numa final internacional e em menos de 48 horas organizaram crowdfunding familiar para poderem estar presentes em São Francisco, um momento que ditaria a sorte futura da Talkdesk.

“Não tínhamos logotipo, não tínhamos site, fizemos isso tudo em dois dias de forma a podermos ser percecionados como uma startup credível”, relata Cristina Fonseca, ela própria autora do primeiro logotipo da Talkdesk. Saem vencedores dessa competição e nesse momento tornam-se alvo de interesse de investidores e de aceleradoras num país onde tudo acontece a um ritmo muito mais acelerado. O que significa acelerado? Significa que em poucos meses passaram de um projeto de dois engenheiros universitários no Instituto Superior Técnico para uma startup presente numa das principais aceleradoras dos Estados Unidos, a Fortune 500, de onde saíriam com um primeiro investimento de 350 mil euros.

“Eu tinha 23 anos nessa altura. Teve tanto de adrenalina como de stressante”.

A etapa seguinte passou pela separação de tarefas entre os dois sócios: Tiago Paiva ficou nos Estados Unidos a dinamizar a vertente comercial e Cristina Fonseca regressou a Portugal para recrutar e fazer uma equipa. Esta é a versão mais objetiva, mas o diabo está nos detalhes e lançar uma startup com sucesso tem tudo a ver com detalhes.

O líder que decide comprar uma coisa a uma startup, está, ele próprio, a arriscar muito. Pode ser coroado como um falhado ou como um inovador e temos juntos de conseguir ver o futuro

Como, por exemplo, o detalhe de responder aos clientes de forma a dar-lhes segurança, mesmo não tendo a equipa e os recursos de uma grande empresa. “A nossa regra era a resposta em 5 minutos, por que é assim que se faz um negócio e se gera confiança”. Foi assim, por exemplo, que conquistaram a confiança de nomes como a Dropbox que contratou a Talkdesk numa fase em que poucas provas tinham dado no mercado. “Para eles o risco era entre demorarem vários meses a montar call centers, quando estavam num processo de expansão que exigia rapidez, ou arriscarem numa startup que propunha uma solução que não saberiam se ia funcionar”, conta Cristina. Para a Talkdesk, a exigência era clara: não falhar e dar sempre resposta de forma a ganhar credibilidade e confiança.

“O líder que decide comprar uma coisa a uma startup, está, ele próprio, a arriscar muito. Pode ser coroado como um falhado ou como um inovador e temos juntos de conseguir ver o futuro. Os clientes gostam de fazer parte desta jornada se isto for bem feito”, afirma.

Durante os cinco anos seguintes, a Talkdesk ganhou clientes e angariou sucessivas rondas de investimento que totalizaram 24 milhões de dólares. Durante esses cinco anos, Cristina costumava dizer que “comia pressão e problemas novos ao pequeno almoço”. E, cinco anos depois do início, em 2016, anunciou numa publicação na rede Medium que se iria afastar das operações diárias, dois anos antes de a Talkdesk se tornar o terceiro unicórnio português.

“Lembro-me perfeitamente da primeira vez que eu e o Tiago viajámos para os Estados Unidos para participar numa competição de startups que colocaria a Talkdesk no mapa. Foi uma jornada muito intensa: a programar no avião, a preparar o pitch, a acordar às 5 da manhã, cansada, mas cheia de adrenalina. Depois de um ano de preparação intensa, quase sem nos apercebermos, estávamos em Silicon Valley, entre os empreendedores mais ambiciosos do mundo. De regresso a casa, em Portugal, tornou-se difícil explicar aos nossos amigos, famílias e a todas as pessoas à nossa volta o que estávamos a procurar fazer. Nessa altura, tornámo-nos oficialmente empreendedores”.

Passaram-se mais seis anos desde o anúncio dessa decisão e, pelo meio, Cristina fundou uma nova startup – a Cleverly – que acabou por vender a uma tecnológica de origem dinamarquesa, a Zendesk. Não era esse o propósito inicial, mas, mais uma vez, o caminho acabou por ditar o destino, sem passar pela casa de partida que são as rondas de investimento e as valorizações. “Tivemos a sorte de conseguir uma bolsa europeia. Foi uma forma de fugir aos investidores, porque é muito fácil um investidor chegar aqui e dizer à Cristina vai lá fazer outro unicórnio. Sou uma pessoa confiante mas … “, comenta entre risos.

Hoje é também investidora na Indico Partners, um percurso natural para quem se habituou a observar e a aconselhar outras startups. Não há fórmulas únicas de sucessos, mas há premissas em que acredita profundamente e uma delas é a necessidade de ter, o quanto antes, um produto, por imperfeito que seja, para mostrar ao mercado.

O trabalho mais difícil do fundador é resolver os erros o mais rapidamente possível. O erro não se vai corrigir sozinho, é a prioridade número um

“A nossa forma de estar no mundo das startups é colocar os produtos à frente dos clientes”, defende, “sabendo que nenhum produto vai ser perfeito, porque os produtos tecnológicos estão em constante mudança”. Mas tornar um produto – e por inerência uma startup – melhor, só é possível, na sua opinião, a partir do momento em que é usado e em que há feedback dos clientes.

A partir daí, é saber analisar e dar resposta. “O trabalho mais difícil do fundador é resolver os erros o mais rapidamente possível. O erro não se vai corrigir sozinho, é a prioridade número um”.

Quanto tempo é que vai decorrer até à próxima startup que vai fundar? É uma pergunta para a qual tem, neste momento, uma resposta imediata. “Agora tenho uma criança que é uma startup muito mais exigente”.

Mas, no ADN, reconhece está lá aquilo que acredita que faz de algumas pessoas empreendedores.“Eu não tenho medo nenhum de começar do zero, se calhar essa é a definição de um empreendedor”. Passaram-se onze anos desde que a Talkdesk saiu dos computadores da Cristina e do Tiago e há uma certeza que mantém desde que partilhou o anúncio da saída da sua primeira startup: “olhando para trás, não penso que alguma vez tenha querido viver de acordo com os padrões sociais de uma boa carreira e percurso de vida. A minha vida tem sido uma mistura de ser ‘uma rapariga bem comportada’ e abraçar desafios inesperados de tempos a tempos”. Fica a promessa.