São indiscutíveis os avanços que a tecnologia mostrou nas últimas décadas, e o impacto transformacional no dia-a-dia das gerações de hoje.
Porém, se no início da década passada, Marc Andreessen, Tech Mogul e líder da a16z (Andreessen Horowitz), um dos fundos de capital de risco mais reconhecidos de Silicon Valley, previa (corretamente) que os avanços na área do software dominariam a década (‘Software is eating the World’), agora, a mesma a16z prevê que serão os avanços na interface entre a tecnologia e a saúde a marcar esta próxima década. Ou como afirmam: ‘Biology is Eating the World’.
Se a última pandemia nos mostrou algo, é a rapidez e a escala com que a tecnologia pode ajudar a resolver problemas de saúde globais, mesmo numa área tão regulamentada como esta – com as vacinas de mRNA e a telemedicina a ‘salvar o dia’ de milhões de pessoas. E com a recente chegada da mais que prevista “era da Inteligência Artificial”, são ainda mais vastas as oportunidades para a tecnologia transformar o futuro da saúde.
Uma delas é claramente na democratização da medicina personalizada. Há muito que ficou claro que em muitas das doenças ainda sem abordagem terapêutica eficaz o mesmo medicamento não funciona para todos (‘one does not fit all’). Além disto, a falta de ferramentas que permitam lidar com a heterogeneidade dos pacientes também cria barreiras enormes aos estudos clínicos. Em 2024, o desenvolvimento de mecanismos que permitam capturar e lidar com quantidades massivas de dados biológicos irá ajudar farmacêuticas e biotechs a cortar tempo (e custo) no processo de desenvolvimento de novos tratamentos, acelerando a chegada de medicamentos eficazes às mãos dos pacientes e, finalmente, permitindo uma nova era de assistência médica centrada no paciente.
Há muito que ficou claro que em muitas das doenças ainda sem abordagem terapêutica eficaz o mesmo medicamento não funciona para todos (‘one does not fit all’). Além disto, a falta de ferramentas que permitam lidar com a heterogeneidade dos pacientes também cria barreiras enormes aos estudos clínicos.
Outra oportunidade que certamente dará frutos é o uso de Inteligência Artificial generativa na saúde. Desde chatbots inteligentes que ajudam pacientes a auto-gerir as suas condições, até novas ferramentas para descoberta de terapêuticas, a IA generativa irá aumentar exponencialmente a capacidade de simular e gerar dados, acelerando os ciclos de pesquisa e ampliando os limites do que é possível. Com o ritmo de adoção vertiginoso de modelos de ‘Large Language Models’ (LLM) como o ChatGPT da OpenAI, que passaram a fazer parte do nosso dia-a-dia (com curvas de utilização nunca vistas), é impossível não ficar na expectativa do que estes algoritmos de inteligência artificial restrita podem fazer pela saúde (mesmo no caso expectável em que a Inteligência Artificial Geral demore bastante mais a ser uma realidade).
É, porém, óbvio que nem todos são ‘tail winds’. Por um lado, os novos frameworks regulatórios (na Europa e no mundo) serão particularmente desafiantes para o uso destes modelos em aplicações de risco mais elevado, ao mesmo tempo que datasets de treino finitos (e cada vez mais limitados) geram riscos claros de viés.
Por outro, apesar de todo o entusiasmo à volta da IA, é fácil esquecer que estamos em contra-ciclo na generalidade dos mercados de capitais – que habitualmente suportam as fases iniciais deste tipo de inovações – os vulgo fundos de capital de risco. Especialmente na saúde, é muito comum, quer por motivos tecnológicos, quer regulatórios, que fundos de capital de risco sejam fundamentais para suportar estas inovações até à chegada de lucros (especialmente em ‘deep tech’). E apesar de anos muito positivos em 2020 e 2021, a subida das taxas de juro e os diferentes conflitos armados têm ferido significativamente a confiança dos investidores e criado desafios sérios ao escalar de milhares de empresas.
Para 2024, é de esperar um renovar (e potencialmente expandir) desta tendência negativa, com o financiamento na fase inicial (seed) a manter-se sem grande tendência de crescimento, e mesmo com a continuação de uma queda nas fases de investimento mais tardias (pós-Série A). No fundo, 2024 chega numa era de inovação na saúde digital sem precedentes – com oportunidades claras de finalmente ganhar batalhas na longevidade e no escalar dos cuidados de saúde para milhões de pacientes em todo o mundo (independentemente da geografia e do escalão social), mas também com desafios claros.
Porém, se se conseguir navegar com sucesso estas águas incertas, poderá ser sem dúvida o ano da verdadeira afirmação da saúde como a próxima grande fronteira de impacto da tecnologia, ou como dizem, o ano em que a saúde e a tecnologia verdadeiramente ‘comeram’ o mundo.