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O que é preciso para trazer as pessoas de volta ao escritório?

por The Next Big Idea | 14 de Junho, 2022

Escritórios

É uma pergunta a que muitas empresas estão a tentar responder, mas o sucesso é relativo.

Elon Musk pode ser o mais vocal dos patrões, mas não é o único a debater-se com o tema do regresso das pessoas aos escritórios. E, sim, isto é um problema de escritórios e de pessoas de escritório, já que nas lojas, armazéns, fábricas ou serviços públicos como transportes, escolas e hospitais, as pessoas nunca ficaram a trabalhar a partir de casa.

Na maior parte dos países, a pandemia de covid-19 está, atualmente, sob controlo com a vacinação e os cuidados que foram sendo interiorizados ao longo de dois anos e, mesmo com números elevados de pessoas infetadas por dia, como é o caso de Portugal, a vida regressou ou vai regressando ao normal. As pessoas juntam-se em grupos para jantar, vão a concertos e festas e voltaram a viajar.

Sobra o regresso ao escritório, tema que não tem recebido o mesmo nível de adesão neste regresso à normalidade e que, face às restantes áreas da vida, mostra que é menos sobre o receio do contacto e mais sobre a resistência a mudar um padrão de vida que foi adotado durante os últimos dois anos.

O “futuro do trabalho” na Apple

Um dos exemplos disso é uma das empresas mais admiradas do mundo – e também das mais valiosas – a Apple. Em junho de 2021, a empresa anunciou o seu plano de regresso ao escritório que previa três dias por semana nas instalações da empresa, segundas, terças e quintas-feiras. O plano esperou um ano até ser implememtado, o que aconteceu a 23 de maio de 2022. As reações não se fizeram esperar e no início de maio foi enviada uma carta à equipa de gestão que contou com 3184 assinaturas (segundo dados de 2021, a Apple emprega um total de 154 mil pessoas).

A carta apresenta seis razões pelas quais o plano de regresso ao escritório com três dias de presença obrigatória é contrária ao que os subscritores definem como o futuro do trabalho. A primeira refere-se à “serendipity” (uma expressão que alude à felicidade da descoberta que nos acontece por acaso). A possibilidade de nos cruzarmos com um colega e a partilha de ideias que daí resulta foi um dos argumentos usados pela Apple mas, nesta carta, os subscritores defendem que o trabalho remoto até tornou mais fácil “encontrar” colegas de outros escritórios e de outras regiões que estão à distância de uma videochamada. Defendem também que o slack deveria ser a sala de estar preferencial para todos se encontrarem e só não é porque a empresa separa os canais de slack por áreas de trabalho, o que faz com que “um engenheiro não se cruze com alguém que trabalha no serviço ao cliente”.

Esta visão da colaboração é invocada no segundo ponto da carta, precisamente sobre colaboração presencial e, no terceiro, o tema é flexibilidade, que os subscritores advogam que se traduza na possibilidade de cada um poder decidir, em conjunto com o seu chefe, como quer trabalhar e a partir de onde.

A carta invoca ainda a favor da não obrigatoriedade de presença no escritório mais dois temas: o tempo gasto em transportes para delocação ao escritório, estimado em 20% do dia de trabalho, e a diversidade que, defendem, é mais facilmente alcançável num modelo flexível. Segundo os subscritores, a presença no escritório torna a Apple “mais jovem, mais branca, mais dominada por homens, mais neuro-normativa, mais de pessoas sem necessidades especiais”.

O último ponto da carta é apontado como o mais importante. “Dizemos aos nossos clientes que os nossos produtos são incríveis para trabalhar remotamente e nós próprios não os podemos usar para trabalhar remotamente?”. A facada aqui é direto ao negócio ou ao marketing do negócio e talvez por isso é apresentada como “a razão mais importante”.

A carta termina, não inesperadamente, com uma citação de Steve Jobs sobre a contratação de pessoas inteligentes e a necessidade de as deixar decidir por si próprias.

Qual é o problema com o escritório?

A resistência enfrentada pela Apple é partilhada por muitas empresas, nos Estados Unidos e em outros países do globo – incluindo Portugal.

E, para dar resposta à necessidade de voltar a reunir equipas presencialmente, as empresas têm experimentado várias abordagens. Há quem tenha tornado o escritório mais bonito, há quem proponha serviços adicionais no espaço de trabalho, como é o caso da Walmart que anunciou que ia passar a ter uma creche e um ginásio.

Do lado dos colaboradores, a resistência tem sobretudo a ver com dois principais fatores: o não quererem perder a flexibilidade alcançada na sua vida pessoal – e, para muitas pessoas, só se libertarem das deslocações em transportes é um ganho de tempo e de qualidade de vida, e também a convicção que em várias tarefas se é mais produtivo ou eficiente em casa, o que os estudos confirmam.

Se para várias empresas, nomeadamente as mais old school, o regresso ao escritório foi visto na lógica do “presencialismo” (querer ter as pessoas num espaço físico apenas porque isso garante controlo sobre o tempo de trabalho), para muitas outras a questão é efetivamente mais profunda e prende-se com proximidade que decorre das relações humanas, não apenas das relações de trabalho.

O próprio presidente americano exortou ao regresso aos escritórios numa carta enviada primeiro aos trabalhadores dos organismos federais e depois no discurso, realizado em março, do Estado da Nação.

Quem lidera tem mais vontade de voltar

Os estudos mostram também que o regresso ao escritório é encarado de forma diferente dependendo da função na empresa, ou seja, quem desempenha funções de liderança mostra mais vontade, além de necessidade, de regressar ao trabalho presencial. O Future Forum, um estudo promovido pela plataforma digital de trabalho colaborativo Slack (que é uma das empresas que mais ganhou com o modelo de trabalho remoto) questionou 10 mil pessoas no verão de 2021 e, nas respostas, 75% dos líderes inquiridos responderam que preferiam trabalhar a partir do escritório. No mesmo inquérito, 44% das pessoas em lugares de liderança afirmaram que queriam regressar para o escritório todos os dias e apenas 17% dos empregados em função de não liderança disseram o mesmo.

Há duas razões que são apontadas para esta divergência de pontos de vista.

Uma tem a ver com a maior preocupação que quem lidera tem com os resultados no seu conjunto e não apenas com a performance individual. O trabalho remoto não trouxe, na maior parte dos casos, temas de produtividade, mas trouxe temas de compromisso com os projetos e de sentido de pertença – sem isso, a rotatividade laboral aumenta, os processos ficam mais instáveis e a empresa, no todo, ressente-se. Por outro lado, as relações em equipa são importantes na definição do propósito. Como humanos, importamo-nos uns com os outros, temos a propensão para ajudar e colaborar, mas à distância de ecrãs e sem momentos triviais como a pausa para o café ou o almoço de aniversário de alguém, fica mais difícil e, em alguns contextos, simplesmente desaparece.

Art Markman, professor de psicologia e marketing na Universidade do Texas, escreveu um ensaio para a Harvard Business Review intitulado “Porque podes mesmo querer voltar para o escritório” em que identifica três principais razões: a cultura de cada empresa (que é, por exemplo, difícil de ser partilhada para quem começa a trabalhar remotamente), a colaboração e o propósito (ou o contágio de objetivos, como se refere).

Por outro lado, a relação com o espaço físico do escritório não é igual para chefes e equipas. Poder ter um espaço privado de trabalho, fechar a porta para não ser interrompido ou uma sala de reuniões é diferente de partilhar uma mesa no meio de um open space sem privacidade alguma oito horas por dia. E isso é possível ter em casa, sendo que a tecnologia faz o resto.

Paralelamente, durante estes dois anos, muitas pessoas habituaram-se a trabalhar em cafés com um ambiente descontraído ou em jardins ou outros espaços sociais. E esse é um dos desafios das empresas ao repensar o espaço de trabalho: garantir que se tornam locais onde efetivamente as pessoas se sintam bem, onde haja uma ideia de comunidade e onde aconteçam coisas além do trabalho. Juntar equipas já não é só sobre trabalho, mentoria, reuniões – é daqui para a frente sobre reinventar a rotina e criar novas oportunidades de relacionamento.