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Já esteve em três reuniões ao mesmo tempo? A IA vai torná-lo possível

por Gabriel Lagoa | 3 de Julho, 2024

Estivemos à conversa com Pedro Rocha, especialista em Inteligência Artificial, que defende que os avatares de IA devem ser um complemento, e não um substituto do trabalhador.

Chamam-se avatares de Inteligência Artificial (IA) e estão prestes a mudar a forma como conduzimos as reuniões virtuais. Estas representações digitais são treinadas para falar e comportar-se como nós, ao utilizarem gravações de voz e notas de reuniões para imitar com precisão os funcionários. Com informação suficiente, podem replicar o discurso da pessoa, participar em conversas e responder a perguntas, tal como o trabalhador que representam. Na prática, têm a missão de nos substituírem nas chamadas “tarefas chatas” para que nos possamos concentrar em atividades mais importantes. 

Outro exemplo: imagine que vai de férias, mas há uma reunião importante à qual não pode faltar. Em vez de ir para uma divisão à parte, ligar o computador e aguentar largos minutos num encontro em que só pensa em estar na praia, pode simplesmente enviar um avatar de IA para participar por si. Atenta, a ferramenta tomaria notas e até poderia responder a perguntas por si, com base num histórico de reuniões anteriores e conhecimentos pré-programados. No final, receberia um resumo completo da reunião, com as ideias-chave e as decisões que tem de tomar. Esta tecnologia também pode ser útil em situações de sobreposição de horários, permitindo que “esteja” em várias reuniões ao mesmo tempo.  

É a casos como estes que empresas como o Zoom, que liderou as videochamadas durante a pandemia, se agarram para tentar vender a promessa de que o avatar falará nas reuniões do Zoom por si, responderá a e-mails e atenderá chamadas. 

Complementar? Sim. Substituir? Mais ou menos

Ao The Next Big Idea, Pedro Rocha, especialista em Inteligência Artificial da 351 Associação Portuguesa de Startups, mostra-se cauteloso quanto ao uso de avatares de Inteligência Artificial em reuniões online. O responsável começa por dizer que a ferramenta consegue gerar conteúdo rapidamente, mas nem sempre de qualidade, razão pela qual nota que há empresas que até estão a dar um passo atrás na confiança que depositam na IA. 

Questionado sobre se os avatares de Inteligência Artificial são uma boa aposta para o futuro das empresas, Pedro Rocha considera que esta tecnologia ainda não tem a capacidade de fazer inferências complexas ou conexões improváveis que nós, humanos, naturalmente conseguimos; daí achar que ainda não chegou a hora de confiar nesta ferramenta para conduzir uma reunião de trabalho em que temos uma palavra a dizer. Contudo, “naquelas reuniões em que há 15 pessoas e só três estão a falar”, os avatares de IA podem, “com certeza”, ser uma opção em cima da mesa. Nestes casos, Pedro justifica que a tecnologia não terá um papel ativo no encontro e limitar-se-á a tirar notas e a marcar presença.

Assim, para Pedro Rocha, a Inteligência Artificial aplicada às reuniões de trabalho deve ajudar o trabalhador e não substituí-lo em todos os encontros. Dá ainda o exemplo da Read.ai, uma ferramenta que foi criada para otimizar a produtividade das reuniões através da transcrição, análise e acompanhamento dos assuntos do encontro. Ao contrário dos avatares de IA, ferramentas como a Read.ai não foram concebidas para nos substituir, mas para melhorar a produtividade das reuniões. O trabalhador pode deixar o multitasking de lado e focar-se em quem está a falar, à medida que a informação é transcrita através da Inteligência Artificial. “Se eu deixaria essa ferramenta conduzir uma reunião sozinha? Participar numa reunião sozinha? Não. Eu pesquiso e trabalho com IA o dia inteiro, mas eu acho que existem momentos em que cada ferramenta tem seu valor”, afirma Pedro Rocha. 

Há abertura em Portugal para experimentar os avatares de IA?

Quanto à adoção desta tecnologia pelas startups portuguesas, Pedro Rocha não fecha a porta à experiência e destaca que as empresas estão sempre à procura de inovações que otimizem as operações e reduzam os custos. “Nós não conseguimos estar sempre 100% atentos em todas as reuniões. Então, com certeza, ferramentas assim são valiosas para serem exploradas. Se nós conseguirmos, numa semana, salvar quatro ou cinco horas de reuniões improdutivas, são quatro ou cinco horas em que nós podemos produzir mais ou trabalhar menos”, acrescenta. 

E as desvantagens? 

A tomada de decisão é para Pedro Rocha a grande desvantagem dos avatares de IA, atualmente. “Eu não colocaria, por exemplo, um avatar de IA numa negociação, ou numa reunião em que o futuro da empresa está em jogo, já que a sua capacidade de conectar as ideias é o grande diferencial”, avisa, “nessas situações, eu recomendaria o bom e velho ser humano”. 

O responsável da 351 Associação Portuguesa de Startups mostra-se ainda preocupado com uma eventual dependência excessiva na tecnologia, que pode levar a uma diminuição da capacidade crítica e criativa dos profissionais. “É muito importante que nós não aceitemos algo que, por ser feito através IA, está automaticamente certo. Não está”. 

As reuniões são assim tão necessárias? 

Pedro Rocha acredita que as reuniões, especialmente as virtuais, podem ter um impacto significativo na saúde mental dos trabalhadores. Destaca o fenómeno da “fadiga de videochamadas” que se tornou mais evidente durante a pandemia. “Se nós não tivermos um intervalo entre as ligações para sair da cadeira e parar de olhar para o ecrã, essas reuniões virtuais geram muito prejuízo para a saúde mental”. O especialista refere o caso das reuniões presenciais, em que há pausas entre encontros, o que permite ao cérebro preparar-se para a próxima ronda. Ao substituir a presença do trabalhador em reuniões menos importantes, os avatares de IA podem proporcionar os momentos de pausa necessários, considera.

Mas há uma questão que se impõe: se enviarmos um avatar de IA para participar por nós numa reunião, “se nós não precisamos de estar, se as reuniões são tão simples ao ponto de, basicamente, fazer anotações e não tomar nenhuma decisão concreta, isso não poderia ser um e-mail? Um ponto muito valioso é o de questionar o porquê de as reuniões existirem no formato atual”, questiona Pedro Rocha.

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