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Daniela Braga: “Naqueles momentos em que achamos que não vamos aguentar, é preciso lembrar que é só um pé atrás do outro”

por The Next Big Idea | 6 de Dezembro, 2022

Lê Eça de Queiroz desde os 10 anos e licenciou-se em Línguas e Literatura. Hoje lidera a Defined.ai, uma startup especializada na recolha, processamento e estruturação de dados de treino para inteligência artificial.

“Tens emprego por um ano, mostra o que podes fazer por nós, senão that’s it“. É assim que Daniela Braga recorda o momento em que soube que tinha ganho uma bolsa de investigação para desenvolver o primeiro sistema de fala em português e que simbolicamente assinala também o momento em que atravessou a ponte das “humanidades” para as “engenharias”. Foi há 22 anos, no ano 2000, muito antes de integrar a Microsoft, de trabalhar na China e depois nos Estados Unidos, e claro, muito antes de fundar a Defined.ai, o que só aconteceu em 2015.

“O meu percurso é a prova que é possível, com muita tenacidade, reinventarmo-nos constantemente. Hoje vemos engenheiros a fazer a ponte para linguística e linguistas a fazer a ponte para a engenharia, mas na altura isto era completamente proibido e mal visto”.

Fast forwarding, como ela própria diz. Seis anos depois, estava a terminar o doutoramento intitulado “Algorithms for Natural Language Processing in European Portuguese TTS Systems: a Linguistic Approach”, e um dos professores, Miguel Sales Dias, responsável pelo Language Center da Microsoft, propõe-lhe que concorra à multinacional. “Vais deixar de te preocupar em andar a correr atrás de financiamento, como acontece na investigação”, disse-lhe na altura. Hoje sabe que não é bem assim – “nas grandes empresas, estamos sempre a ter de vender os nossos projetos” – mas o facto é que a entrada na Microsoft lhe mudou a vida.

Uma série de eventos contribuíram para essa mudança. Um deles foi o timing. Em 2010, na sequência de uma conferência sobre processamento de voz realizada em Lisboa, a InterSpeech, a Microsoft viu na cidade portuguesa as condições para que se pudesse tornar uma capital internacional neste setor então emergente. O outro foi a evolução do mercado, com os outros gigantes do setor, nomeadamente a Google e a Amazon, a procurarem também destacar-se nesta área. E, não menos importante, a experiência profissional acumulada por Daniela ao serviço da Microsoft, tendo trabalhado no desenvolvimento das primeiras 26 línguas que a tecnológica lançou no âmbito dos sistemas de comando e controlo de síntese e reconhecimento e trabalhado nos dois grandes mercados mundiais, China e Estados Unidos.

Ao fim de sete anos, a fundadora da Defined.ai sentiu que estava na altura de partir para uma nova etapa. “Quando fui para a Microsoft, em Seattle, apanhei os anos [Steve] Balmer, que foram bastante tumultuosos. Estava constantemente a ser contactada pela competição e houve uma empresa local que me ofereceu uma posição de diretora de data science, numa organização com 300 pessoas onde tive liberdade para experimentar”, conta.

Não foi só essa liberdade que a Voiceblocks lhe deu. Foi também a oportunidade de aprender sobre gestão no contexto de uma empresa mais pequena que não se pode dar ao luxo de falhar prazos ou métricas. “Coisas que eu aprendi: quão privilegiados nós éramos na Microsoft que podíamos não entregar um produto ou perder uma deadline e estarmos todos no lugar e ninguém ser despedido. Aprendi o que é a sobrevivência e gerir uma empresa mais pequena”.

Ao mesmo tempo, e com o mercado de processamento de voz a crescer a elevado ritmo, da assistência a clientes a produtos como as Siri e Alexa. “Todo o mundo estava atrás de dados de alta qualidade mas a maneira tradicional de o fazer era à força bruta, sem uma plataforma e sobretudo sem crowdsourcing”. Para Daniela ficava cada vez mais claro “que tinha de fazer alguma coisa”.

A Defined.ai (primeiro denominada Defined Crowd) foi essa coisa. Uma das primeiras decisões de quem faz empresas passa por escolher entre avançar com o projeto sem sócios ou procurar outros fundadores com quem partilhar a gestão. Numa primeira etapa, a Defined.ai arrancou com duas fundadoras, mas em menos de um ano, Daniela Braga acabaria por optar ficar sozinha à frente da empresa – num processo que descreve como tendo sido de “solidão e medo”.

“A minha co-founder inicial era uma pessoa que achei que teria a complementaridade de negócio que eu não tinha. Ela realmente trazia um MBA, trazia a experiência de business, era VP de business development numa empresa chinesa que tinha sido minha fornecedora, mas a verdade é que falhou o ponto básico que é a capacidade de levantar capital e de desenhar um business plan“. Ao fim de nove meses, a sociedade terminou e Daniela assumiu a liderança do projeto sozinha.

“Foi uma coisa horrível de medo e de muitas sleepless nights [noites em branco] em Seattle”, relata, “e havia o risco que não investissem em mim com uma instabilidade tão grande numa empresa de menos de 10 pessoas na altura”.

Investidores locais – o Swan Group, de Seattle –, Sony e a Portugal Ventures foram os primeiros apoios com que a fundadora, agora a solo, da Defined.ai contou para lançar a empresa. Mas, apesar do apoio, a jornada estava longe de ser tranquila, com muita pressão sobre os resultados e uma permanente necessidade de afirmação, relata.

10 dicas para startup founders cuidarem da sua saúde mental

  1. Durma o suficiente, sempre.
  2. Faça exercício físico para melhorar o seu estado de espírito e acuidade mental.
  3. Mantenha amigos e espaços na sua vida que não tenham nada a ver com o seu negócio.
  4. Coma bem, e não se esqueça de comer (um carro não funciona sem combustível, e o seu cérebro não vai conseguir programar sem comida).
  5. Faça da sua saúde mental uma prioridade, não adie problemas que se podem tornar maiores e ser disruptivos para o seu plano (e para sua vida!)
  • Problemas como depressão e a ansiedade têm impacto nas suas capacidades cognitivas, e quanto mais adia procurar ajuda, mais se podem agravar.
  • Fatores externos como classe, género, ou raça podem fazer com que founders que pertencem a minorias enfrentem ainda mais obstáculos, principalmente em encontrar financiamento, e que portanto tenham que ter especial cuidado para evitar burnout.
  1. Encontre um terapeuta que o ajude a gerir o seu nível de stress.
  2. Dê a si mesmo uma “saída”
  • Pode parecer contra-produtivo depois de termos falado sobre tenacidade acima, mas estabelecer objetivos exatos para cada etapa, e estar pronto para abandonar um projeto se este não estiver a dar certo, ajuda-o a lidar com o stress e a evitar a falácia dos custos irrecuperáveis.
  1. Aprenda a delegar e a utilizar a equipa à sua volta, mesmo a sua equipa em casa.
  2. Mantenha-se flexível nos seus planos
  3. Saiba qual é o nível de stress com o qual está disposto a lidar por dinheiro, e respeite o seu limite
  • Quando procura financiamento, saiba o que está disposto a dar, e o que não pode comprometer. Não tenha medo de dizer “não”, especialmente se dizer “sim” pode afetar a sua sanidade mental.

“Cada ronda que eu fiz era mais pequena que qualquer par meu, homem: Mas eu ia avançando com as armas que tinha. Já para não falar que, apesar de me integrar muito bem na cultura americana, demorei cinco anos a sentir que era aceite”.

A sua experiência como empresária e como cientista diz-lhe que a paridade entre homens e mulheres está longe de ser alcançada.

“Tive inclusive piadas sexualizadas contra mim ao longo da vida, não só como empresária mas antes disso. Do tipo ‘estás onde estás, obviamente é porque chamas a atenção’. Não pode ser porque vais fazendo o caminho e não desistes, e vais continuando a aprender, sem medo. Mas, por outro lado, em Portugal havia outro tipo de preconceito, ‘como é que te atreves sendo mãe a estar tão ausente e a montar uma empresa destas?’. Isto é inadmissível no papel feminino estereotipado que a nossa sociedade construiu ao longo de 800 anos”.

Sete anos depois de ter lançado a startup, diz que está uma mulher diferente. “Sou data driven no trabalho, mas aprendi a ouvir a minha voz interior. Agora digo que não a muitas coisas”, afirma.

“Percebi quando levantei o primeiro milhão, que não havia volta. O caminho é só para a frente e toda a carga de responsabilidade, a minha filha tinha seis anos na altura e nunca tive uma rede de segurança, desde os 17 anos”.

Os dados mostram que há menos mulheres à frente de startups e que há menos investimento em startups fundadas por mulheres. As explicações que concebe vão desde os estereótipos que regulam as expectativas face a homens e mulheres no espaço de trabalho à própria ideia de competição, que não é natural ao sexo feminino, defende.

“As mulheres não são treinadas para competir. Competimos umas com as outras, por atenção, por estereótipos de beleza. Não competimos por ser as melhores numa determinada área. E pior, a sociedade continua a idealizar um estereótipo das profissões associadas à beleza feminina e não à inteligência feminina. A inteligência feminina nunca foi uma característica cantada, até na poesia. A beleza sim, a inteligência não. Não estamos preparadas para lidar com a permanente validação e auto-estima”.

Nada disto é inultrapassável, defende. Mesmo que o caminho seja menos plano e mais com subidas e descidas – como na montanha.

“Eu parti sempre de desvantagem. O facto de ser mulher, de ser cientista, de ser imigrante. Mas a verdade é que nunca me condicionou, por sempre paguei o preço da liberdade. A minha analogia com a minha startup é como subir uma montanha, algo que gosto de fazer, e muitas vezes não apreciar o caminho. É o mesmo numa startup, andamos sempre neste ritmo e naqueles momentos em que achas que não vais aguentar, que não vais nem para cima nem para baixo na montanha, há um momento em que é [preciso lembrar que] é só um pé atrás do outro”.

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Como se preparar para ser fundador de uma startup e como evitar o burnout é o tema da masterclass com Daniela Braga que ficará disponível em breve nas plataformas digitais. Fique a par do lançamento através da newsletter Next que pode subscrever aqui.