Masterclass com Diogo Mónica: O que é uma startup
por The Next Big Idea | 7 de Fevereiro, 2023
Diogo Mónica é fundador da Anchorage, o banco de criptoativos que vale agora mais de três mil milhões de dólares. Sempre quis fundar a sua própria empresa — ser “o herói da sua própria história” — e soube esperar pelo momento certo. Hoje, investe a título pessoal em mais de 100 empreendedores. E é nessa condição que nos explica que “não há más ideias, apenas maus timings”, e nos guia, ao longo desta masterclass, sobre o que é isso de ser (e fazer vingar) uma startup.
Este artigo contém:
“O grande herói da minha história vai ser o herói da empresa que criei”
Diogo Mónica sempre soube que um dia ia fundar a sua própria empresa. Não só por ter como evidente que “nunca ninguém ficou rico a ganhar um salário todos os meses” mas também por causa daquilo em que acredita: “aquilo que a sociedade mais valoriza é a criação de algo que esta ainda não tem. É uma questão de impacto”, resume.
Nasceu nos Estados Unidos, mas é “mais português do que americano”. Nascer do lado de lá do Atlântico foi uma casualidade, mas acabou por, de alguma forma, nortear a sua afinidade com a cultura norte-americana. Aos 12 anos aprendeu a programar com o pai, que desempenhou um papel importante quer em todo o seu percurso académico. Em 2010, quando estava a terminar o doutoramento, teve a oportunidade de ir trabalhar para uma das Big Tech, mas, contrariando o que seria mais convencional, escolheu ficar na Square, fundada por Jack Dorsey e, à data, uma empresa bem mais pequena. “O meu grande objetivo era criar uma empresa e ir trabalhar para uma das empresas [grandes] não ia colocar mais próximo desse objetivo. Se fosse para uma Google ou para um Facebook seria uma gota a trabalhar num oceano de pessoas dentro na minha área”, explica. Na Square sabia que “ia trabalhar em tudo”.
Nas suas palavras, a opção foi por “maximizar o desconforto e maximizar a aprendizagem”.
Hoje olha para riqueza que a ideia que esteve na base da Anchorage já gerou como uma espécie de “super-poder” que lhe permite, por sua vez, apostar em novos empreendedores. Acredita que a riqueza “não é um jogo de soma nula” e, a título pessoal, já fez mais de 100 investimentos de capital de risco.
Anchorage – O poder do mercado
Em 2017, Diogo Mónica foi contactado por um fundo de investimento que perdeu a chave para uma carteira de Bitcoin de 1,5 milhões de dólares. Se a conseguisse quebrar, receberia 20% do valor recuperado. A pergunta que fez foi: “e como é que estão a proteger os outros 90 milhões que têm em carteira?”. A resposta estava longe de ser satisfatória, permitindo ao então quadro da Docker identificar uma oportunidade de mercado.
No fundo, tinha à sua frente “investidores muito sofisticados que não eram muito sofisticados em termos de segurança operacional”. Diogo começou por acumular trabalho como consultor, mas a prazo tornou-se impossível conciliar os dois projetos.
É aí que fala com Nathan McCauley, com quem trabalhava desde o primeiro dia na Square, e juntos avançam para a criação da Anchorage. Dois engenheiros de segurança, com passagens pela Square e pela Docker, e com uma necessidade de mercado identificada. “Éramos a equipa perfeita para o fazer”, diz Diogo Mónica. Algo quum dos seus investidores caracterizou como “perfect founder market fit”.
Alugaram um mesa de canto no café “Bravado” e foi ali que começaram a entrevistar potenciais clientes e investidores, validando ao mesmo tempo a oportunidade de negócio, o mercado e afinando o produto. Partiram para uma série A e angariaram 17 milhões de dólares com um powerpoint, sem conta bancária e o nome da empresa por definir. “Anchorage”, um nome que se traduz como “um porto seguro para as chaves-privadas” veio meses mais tarde e havia apenas dois requisitos: tinha de ser institucional e começar por A.
Hoje, Diogo Mónica traduz da seguinte forma o negócio da sua empresa: “A Anchorage permite a qualquer instituição criar produtos em criptoativos. Uma barra de ouro protege-se com um cofre e com guardas armados, mas é muito difícil de proteger uma password. A Anchorage protege passwords e outros criptoativos como um banco protege barras de ouro”.
O grande erro é ter o foco no mercado errado
Os portugueses não sabem vender? Se é verdade que os norte-americanos são “claramente mais transacionais”, o problema, para Diogo Mónica, está longe de ser esse. “O grande erro é ter o foco no mercado errado”, diz.
“Como crio uma empresa em Portugal, os meus clientes iniciais são portugueses, são os bancos portugueses e as empresas portuguesas, a prova de conceito é também com uma empresa portuguesa, a primeira faturação é de uma empresa portuguesa… Estamos de alguma forma a equivaler o mercado nacional ao mercado internacional e, na maior parte dos casos, estamos a fazer um produto que só funciona no país ou, na melhor das hipóteses, na Europa. Isto enquanto o maior mercado do mundo continua a ser o norte-americano”, explica. “É muito mais uma questão de mercado e menos uma questão de vendas”, resume.
E se a tecnologia pode efetivamente ser uma game-changer, porque permite aos profissionais portugueses fazer parte da economia mundial, o que faltou ao país durante algum tempo foram casos de sucesso, pessoas que mostram que o caminho proposto é possível. Hoje, todavia, são vários os unicórnios portugueses a dar cartas no mercado mundial.
No que às ideias, tem uma convicção: “não há más ideias, só há maus timings”. “Todas as ideias têm um núcleo de valor e é perceber, como investidor, quando é que este core é aplicável”. Esta é a sua regra.
Cultura de startup
Para Diogo Mónica, “é a qualidade das pessoas que faz com que as empresas tenham sucesso”. Da Square e da Docker, por onde passou antes de criar a Anchorage, trouxe grande parte das aprendizagens sobre como criar o que compara a uma “equipa de alta performance”. “Foi na Square que aprendi a dar o máximo de responsabilidade às pessoas até elas começarem a deixar cair coisas”. Foi lá também que aprendeu “a delegar decisões: se hoje tomo uma decisão é porque tinha de ser o fundador a tomar, caso contrário eu falhei ao não dar esse empowerment“, sublinha.
Quando lhe perguntamos sobre o que caracteriza a cultura de uma startup, responde que é “o sentimento com que alguém fica depois de ser entrevistado e que leva a aceitar a proposta de trabalho”. E é peremptório: “a única forma de ter uma cultura melhor é continuar a contratar pessoas melhores e pessoas que se veem nessa cultura”.
Hoje a Anchorage conta com quase 400 pessoas e Diogo Mónica e o seu co-fundador, Nathan, já entrevistaram mais de 4000 mil pessoas. Enquanto for possível, querem conhecer todas as pessoas que sobem a bordo da empresa e têm bem definidas as suas red flags: motivações erradas e pessoas que não acrescentem à cultura da empresa.
Quando olha para o futuro assume que o modelo híbrido traz desafios. Se a pandemia “forçou as empresas a reconhecer que os negócios funcionavam sendo 100% remotos”, está por saber o que modelos que se dividem entre o remoto e o presencial fazem à cultura de uma empresa. “Uma empresa 100% remota funciona e uma empresa 100% local também funciona. O grande problema é que ninguém sabe se o regime híbrido funciona ou não”.
Sim, a Web3 vai mudar a forma como fazemos negócio
“A Anchorage suporta a Web3” diz Diogo Mónica, que faz questão de enquadrar o termo utilizado para designar a próxima fase do que entendemos ser a Internet e que engloba não apenas os criptoativos, mas os NFTs, as stable coins, a identidade descentralizada, entre muitos outros conceitos.
A Web foi criada “como um sistema descentralizado em que qualquer pessoa se pode ligar a uma rede” e, lembra Diogo Mónica, a sua natureza descentralizada tinha o objetivo de garantir que esta resistia a ataques nucleares. É a esta internet, do acesso ao e-mail, em que se consultava informação num site, do http, que chamamos de Web1 e que vigorou entre 1995 e 2004. “Infelizmente, da Web 1 fomos para Web2, onde descobrimos que os dados eram uma das componentes mais fáceis de monetizar a Internet e criámos, sem querer, uma pressão muito grande centralização de dados. Isso levou-nos a criar um modelo de negócio assente em anúncios que está a matar a Internet”.
Agora, “em resposta à tristeza da centralização da Web2, vem a Web3, em que vamos tentar centralizar a informação do utilizador no utilizador ou no dispositivo, dando utilizador a capacidade de decidir com quem quer partilhar a sua informação”.
E no que diz respeito a modelos de negócio para monetizar esta nova Internet, Diogo Mónica não tem dúvida que existem e alguns estão mesmo a ser testados. Ou não fosse a Web3 “uma tentativa de retorno à normalidade”.
Especial Únicos
O projeto “Únicos” propõe-se dar resposta à pergunta sobre o que torna uma empresa única e de que forma essa aprendizagem pode ajudar outras. Fizemo-lo num projeto em parceria com a Google e a Shilling que se divide em três iniciativas:
- Uma série de televisão na SIC Notícias e na SIC Internacional, cuja estreia aconteceu a 2 de outubro e cujos episódios pode rever aqui;
- Um conjunto de masterclasses com fundadores de startups portuguesas que se tornaram globais, onde estes partilham o seu percurso e aprendizagens, que pode encontrar aqui;
- O Prémio “Únicos”, que apoiará com mais de 150 mil euros (entre investimento e serviços Google) uma startup que possa vir a integrar esta nova geração de empresas portuguesas que são líderes ou candidatas a líderes nos mercados globais onde atuam.
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