Masterclass com Ricardo Marvão: Como ter ideias para uma startup

por The Next Big Idea | 20 de Fevereiro, 2023

“O dinheiro não é uma coisa que me assuste”, diz Ricardo Marvão, cujo percurso profissional é testemunho da sua capacidade de identificar uma oportunidade de negócio. Nesta marterclass, o co-fundador da Beta-i guia-nos pelo que é preciso para montar uma startup de sucesso — a começar pelos fundadores.

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Onde está o negócio?

Em 1995, quando ainda se publicavam livros que listavam as melhores páginas da Internet — o que hoje seria impensável —, Ricardo Marvão decidiu ir tirar um curso de Web Publishing. O Altavista era o Google da altura e o objetivo do curso era perceber como é que se podia criar conteúdos ou construir um negócio na Web. Pelo menos por cá. Nos EUA, todavia, estávamos no início daquela que ficou conhecida como a bolha das dot.com, que viria a rebentar entre 2001 e 2002. “Era a loucura total”, recorda Marvão. Uma loucura que se estendia à Europa, sobretudo ao Reino Unido, onde trabalhou em 1999 quando foi estagiar para a Dell. Investiam-se milhões com base num powerpoint, os fundadores das empresas de tecnologia eram retratados (e retratavam-se) como intrépidos heróis e pagava-se muito bem aos informáticos para ficarem de prevenção não fosse o “bug do milénio” deitar abaixo a Internet.

Ainda assim, o primeiro negócio de Ricardo Marvão surgiu de uma necessidade bem mais palpável. A estudar em Lisboa, estava à procura de casa quando pensou que a resposta poderia estar em adquirir um imóvel e recuperá-lo.  “Numa semana tinha 25 amigos que queriam entrar” e “um prédio não tinha 25 apartamentos. Está aqui um negócio”, pensou. E assim foi. Juntou colegas e fundou uma cooperativa que se dedicava à aquisição e reabilitação de imóveis.

Esteve dedicado durante um ano e meio, mas a insistência de duas amigas para integrar um estágio do INOV Contacto levou-o à Agência Espacial Europeia (ESA), em Darmstadt, na Alemanha, e ao seu novo negócio. Com Nuno Sebastião, hoje co-fundador e CEO da Feedzai, fundou uma empresa para fornecer serviços à ESA. Para viabilizar o negócio fizeram seis horas de carro até Paris por uma carta de recomendação, aprenderam a faturar on the job e ainda nem tinham arrancado e já os tinham avisado que havia um deadline para crescer — “não quero uma empresa de duas pessoas”. Certo era que “estava ali um negócio”, outra vez. Anos mais tarde, a empresa então fundada, a Evolve, acaba mesmo por ser adquirida pela Novabase. Não estava nos planos, “surgiu por acaso”.

As “red flags” quando se está a criar (ou a investir) numa startup

O “faro” para o negócio é talvez uma das principais características de Ricardo Marvão, um rapaz introvertido que sempre foi estimulado pelo pai a pensar como um empreendedor. Talvez por isso não veja impedimento em trabalhar em cima de uma ideia que já exista, cuja inovação pode residir num novo modelo de negócio, numa nova tecnologia ou simplesmente na capacidade de pensar “mais à esquerda ou mais à direita” a solução de sempre. Hoje, depois de 10 anos de Beta-i, já viu vingar ideias que achava que iam bater na trave, pelo que prognósticos só depois do jogo.

Mas alerta: “liderar uma organização tem um peso”, pelo que arrancar com um negócio sozinho é de loucos e avançar enquanto casal pode trazer desafios acrescidos: “a razão número um para as startups morrerem são brigas entre founders“. Além disso, ser CEO é muitas vezes “um trabalho solitário” onde “não há muitas pessoas com quem se possa falar quando há um problema a sério”. Daí que seja tão importante a escolha do co-fundador e daquelas pessoas que estarão por perto, seja a investir ou a aconselhar. Depois, um empreendedor deve ser, sobretudo ao início, “muito versátil, pensar rápido e não estar muito tempo a maturar”, porque precisa de se desdobrar nas grandes e nas pequenas funções — “tanto posso ir apresentar a minha ideia ao CEO de uma grande empresa como, no momento seguinte, passar pelo supermercado porque a impressora precisa de papel”, ironiza.

Para quem quer levar adiante esta coisa de ser empreendedor deixa um conselho: “dorme bem, come bem, faz exercício e rodeia-te das pessoas que amas. Se tens quatro destas coisas estás ‘ok’. Menos que isso, alguma coisa vai acabar por resvalar”.

O que podemos aprender com a Beta-i

A expressão dá título a uma comédia de 1991, protagonizada com Dani DeVito, e é chamada à conversa por Ricardo Marvão para nos recordar que “há dinheiro no mundo. A pessoa só tem de convencer quem têm esse dinheiro a trazê-lo para a ideia que a pessoa quer fazer”.

O seu tempo na Novabase foi “uma ótima aprendizagem”, mas a “vida corporate” não era para Ricardo Marvão. Em 2009, andava o empreendedor por Boston, “estava a ferver” o mercado dos primeiros co-works e aceleradoras. “Isto é giro, está bem feito, e o conceito pode mesmo pegar”, pensou. Dai até dar os primeiros passos para importar o conceito para Portugal foi um salto. Falou com a Techstars e com a Seed Camp e as conversas leva-no até Pedro Rocha Vieira, o “outro português” que também queria montar uma aceleradora em Portugal. “No dia seguinte conversámos, houve ali um clique e pronto, começamos a trabalhar juntos”, conta Marvão, que acabou por se juntar desta forma ao arranque da Beta-i.

Recorde-se que Portugal estava na banca rota, sem perspectivas de emprego e de futuro para os mais jovens e mais qualificados. “A Beta-i nasce com a ideia de ‘se não consegues encontrar emprego, cria o teu próprio emprego'”. Mas o objetivo era bem maior: “Eu dizia sempre que nós queríamos criar um ecossistema e que isso ia demorar dez anos. Mas a gente vai lá chegar”, conta. Uma década porque as empresas têm de ser criadas, investidas e, eventualmente, quem tem sucesso acaba por investir noutros que estão só a começar, fechando o ciclo.

Hoje, quando olha para a triologia virtuosa que faz vingar empresas — lugar certo, produto certo, momento certo — acrescenta que a “variável mais importante é ter as pessoas certas”. Isso não escusa, claro, uma boa validação de mercado e do modelo de negócio. E sobre as críticas daqueles que veem as aceleradoras e incubadoras como entidades alheadas dos desafios reais da economia portuguesa, desvaloriza. “Isso são visões de pessoas que não estão lá por dentro”, diz, e dá exemplos de quem deu, literalmente, tudo o que tinha para ver acontecer a sua ideia.

O que é preciso para ser um unicórnio

Para ser um unicórnio é preciso “ser o melhor do país, o melhor da Europa, o melhor do mundo e encontrar aquele nicho e aquele produto que as pessoas estão dispostas a pagar para ter hoje”. Identificar o problema, ter a solução, validar o mercado, ter o modelo de negócio certo, o talento certo, no timing certo, e ainda ser o melhor do mundo a fazê-lo. “Só 1% chega à Liga dos Campeões e, nas startups, menos que isso consegue o estatuto de unicórnio”, avisa Marvão. “Isto não é para todos”, se fosse “estava toda a gente num one man show“, o que não é possível.

Mas é possível ter sucesso sem atingir o estatuto de unicórnio e se no passado até as corporate olhavam para o universo das startups como se estivessem a visitar um “aquário”, hoje a percepção mudou radicalmente. Entendem o valor, acreditam no retorno e estão dispostas a investir. Ainda assim, um empreendedor tem de saber lidar com um “não” e seguir em frente — “fiz 1000 pitch [sobre a Beta-i] e dez disseram que sim”, recorda Marvão.

E não faltarão oportunidades de inovar. Para o fundador da Beta-i “estamos no início de uma nova realidade” e “tudo vai ser mais rápido daqui para a frente”. Para Portugal se posicionar na vanguarda de quem inova precisa sobretudo de não ter medo de fazer, acreditar nas suas capacidades e escolher em que área (ou áreas) vai ser imbatível. “Portugal tem tudo para conseguir”. Agora, é meter mãos à obra.

Especial Únicos

O projeto “Únicos” propõe-se dar resposta à pergunta sobre o que torna uma empresa única e de que forma essa aprendizagem pode ajudar outras. Fizemo-lo num projeto em parceria com a Google e a Shilling que se divide em três iniciativas:

  • Uma série de televisão na SIC Notícias e na SIC Internacional, cuja estreia aconteceu a 2 de outubro e cujos episódios pode rever aqui;
  • Um conjunto de masterclasses com fundadores de startups portuguesas que se tornaram globais, onde estes partilham o seu percurso e aprendizagens, que pode encontrar aqui;
  • O Prémio “Únicos, que apoiará com mais de 150 mil euros (entre investimento e serviços Google) uma startup que possa vir a integrar esta nova geração de empresas portuguesas que são líderes ou candidatas a líderes nos mercados globais onde atuam.