Masterclass com Cristina Fonseca: Como lançar um produto no mercado

por The Next Big Idea | 10 de Março, 2023

Este artigo contém:

“Não há forma de fazeres um produto de sucesso se não fores obcecado”

É uma de 35 primos, nasceu numa aldeia pequena perto de Fátima e escolheu ir para o Técnico. Entrou com média de 18 para um curso que só exigia média de 12. “Para muita gente isto não fazia sentido”, mas Cristina Fonseca acreditava que aquela formação em redes de telecomunicações era “uma porta para o futuro”. Da família, um porto seguro, recorda as palavras da mãe: “se não gostares, trocas”. Simples assim. Ali, todavia, teria a oportunidade de estudar o que era a Internet, numa altura em que ninguém percebia bem o seu potencial. Estava no quarto ano da faculdade quando uma pneumonia a deixou em coma no hospital.

“Foi o pior que me aconteceu e foi o melhor que me aconteceu”, conta. “Fico uma semana ligada ao ventilador nos cuidados intensivos e os médicos dizem aos meus pais que a minha probabilidade de sobreviver é de 50%. Fisicamente é agressivo e psicologicamente estás num estado entre estar sedado e voltar um bocadinho à vida, e passa-te tudo pela cabeça”. Quando finalmente teve alta, o seu olhar para sobre a vida — e o que queria fazer dela — era muito diferente. “Qualquer empresa que me ligasse eu achava que não era suficientemente boa. Não vou dedicar a minha vida a isto, se morrer amanhã isto não valeu a pena, vamos tentar outra coisa”, pensava. “Consistentemente nada me servia”. 

É neste contexto que surge a Talkdesk, a sua primeira empresa e o motivo que a levou a figurar na lista da Forbes 30 Under 30. “Trabalhei durante seis anos em dois turnos, o de Portugal e de São Francisco, e acho que não havia outra forma de fazer as coisas. Dei tudo o que tinha e não tinha àquela empresa”. Foi intenso. “Não há forma de fazeres um produto de sucesso se não fores mesmo obcecado por aquilo”, reconhece.

Mas com o episódio da pneumonia ainda muito presente — “eu só pensava que um dia me acontecia qualquer coisa, ia parar à cama de um hospital e, desta vez, não me safava. Uma empresa não vale isso de ti” —, decidiu sair no exacto momento em que o seu trabalho era alvo de reconhecimento internacional. Mas seguiu sem pejo: “não tenho medo nenhum de começar do zero (…). Quando saí da Talkdesk estava a olhar em frente e não para trás”, confidencia, acrescentando que o momento, anacrónico para quem olhava de fora, foi talvez dos mais enriquecedores que teve.

Mas Cristina assume que tem um problema crónico: “gosto de trabalhar, e tiro muita energia de trabalhar, com pessoas que estão motivadas para fazer acontecer”. O projeto seguinte não tardou. O que começou com uma curiosidade em estudar Inteligência Artificial, acabou na criação da Cleverly, entretanto adquirida pela gigante Zendesk. Hoje é investidora, mais especificamente co-fundadora e partner da Indico Capital. Quando deu por si a investir do seu tempo pessoal para ajudar outros que, como ela, tentavam agarrar qualquer oportunidade para fazer de uma ideia um negócio global, percebeu que este passo fazia todo o sentido. “As oportunidades giras da vida acontecem quando estás ali, aquilo faz sentido e não é preciso pensar. Ser investidora, para mim, foi um desses casos”. 

Como (e quando) lançar um produto?

A Talkdesk, referência indissociável quando se fala em Cristina Fonseca, surgiu algures no terceiro ano da faculdade. “Eu e o Tiago [Paiva] estudávamos juntos. (…) Tenho flashs de estar em aulas aborrecidas e a gente enviar ideias para o ar”, conta. A primeira foi uma plataforma de explicações, que não teve grande futuro. A tecnologia que criaram com a Talkdesk, todavia, vingou. A ideia era “saber tudo sobre quem me está a ligar ainda antes de atender o telefone. É a diferença entre atendermos o nosso telefone pessoal e dizermos ‘olá, mãe’ ou perguntarmos ‘estou a falar com quem?'”, exemplifica.

Um concurso levou-os a São Francisco — “não tínhamos logótipo, website ou t-shirts e fizemos isso em dois dias. Uma startup não é uma startup se não tiver t-shirts”, brinca. “Montar um call center demora meses, e nós permitíamos a qualquer empresa montar um call center em cinco minutos”. Ganharam a competição e rapidamente se viram a integrar uma aceleradora para um programa de seis meses. Os investidores vieram pouco depois. Tiago ficou em São Francisco e Cristina voltou a Portugal para montar a equipa de engenharia. Tinham apenas 23 anos.

Recrutar para uma startup naqueles tempos não era fácil, “não havia exemplos”, conta Cristina.  “Trabalhar numa startup não era uma carreira, ou não era uma opção”. Assim, as primeiras pessoas serem recrutadas “acabaram por ser as que estudaram connosco. Depois começámos a expandir o âmbito, e as startups começaram a tornar-se interessantes para serem uma das opções favoritas dos alunos que hoje saem do Técnico”. 

Quando lhe perguntamos o que diferencia um empreendedor de tantos outros, Cristina diz que está tudo na forma como se olha para o mundo, encará-lo no sentido de identificar “os problemas que são problemas de muita gente” e para os quais se consegue encontrar uma solução, seja numa startup ou numa grande empresa. Além disso, “os empreendedores têm impreterivelmente de se focar em soluções”.

“Fazer um call center na cloud é complexo. Se perguntasse a um engenheiro de telecomunicações ou redes, com 10 ou 15 anos de experiência, as pessoas iam listar-me uma série de problemas”, recorda, voltando ao início da Talkdesk. A diferença é que “eu reconheço os problemas, mas acho que há solução para eles”. Depois, é saber lidar com a pressão, porque quando se uma empresa “ao pequeno-almoço como pressão e problemas novos”, brinca.

E se antigamente “um produto técnico que fosse bom tinha possibilidades de navegar no mercado e ser conhecido”, hoje é “impossível não investir em marketing ou design. Ninguém dá um desconto a um produto que não seja visualmente apelativo ou fácil de usar. Tenho de vencer a partir do dia 1”. E quem diz marketing e design acrescenta à equação as questões de segurança, experiência de utilizador e vendas. “A complexidade aumenta, preciso de mais pessoas, mais dinheiro e competências diferentes” para garantir o sucesso de um produto hoje, reconhece.

Escolher os clientes certos

Se é certo que que “lançar um produto é complexo, tem muitas variáveis”, também é verdade que “quanto mais depressa se conseguir eliminar, testar ou cobrir algumas dessas variáveis, melhor”. “Se eu tiver uma ideia, por muito brilhante que seja, a concretização da ideia não vai ser igual, tenho de a testar clientes reais”. E por muito que custe, “nenhum produto vai ser perfeito ou próximo de ser perfeito nunca”. Portanto não vale a pena cair na tentação de adiar sem fim à vista o momento de colocar à prova o que está a ser desenvolvido. “Nós temos de ser perfeccionistas, mas nas coisas certas”, reitera. Assim, e “para garantir que tenho uma chance de me afirmar no mercado, tenho de colocar o produto o mais rapidamente possível à frente do cliente. Só com isso é que consigo aprender”.

Por fim, e não menos importante, são “os clientes que escolho para testar”. Regressa à experiência na Talkdesk: “nós fazíamos evoluir os clientes nacionais, os clientes internacionais faziam-nos evoluir”. “Se eu escolher empresas mais tradicionais ou em que não há um sentido de urgência, a minha startup vai ser um reflexo disso”, explica. Assim, a ambição deve ser por “encontrar clientes exigentes, que me ajudem a evoluir, e normalmente esses estão lá fora”, alerta.

Enquanto investidora, considera que o seu “modelo de negócio é ajudar a empresa a ser vendida outros investidores”, como um clube de futebol. E para uma startup ser “altamente atrativa” precisa de “triplicar, triplicar, duplicar, duplicar”, ou não estivéssemos a falar de ciclos de investimento de 18 meses. Normalmente, estamos a falar de negócios “altamente escaláveis, que conseguem ser líderes num determinado mercado e que conseguem levantar investimento para acelerar esse processo”. Assim, o trabalho “mais importante e mais difícil de um fundador é resolver erros o mais rapidamente possível, porque o erro não se vai corrigir sozinho”.

Depois, é preciso saber vende. E o empreendedor “não precisa de gostar, só precisa de perceber que isso faz parte do trabalho dele”. Contratar para isso, numa fase inicial, pode ser “um risco”, alerta. “Eu tenho de ter um canal direto com o cliente que me vai permitir a iterar rápido”, pelo que, a seu ver, “as primeiras vendas devem mesmo ser os fundadores a fazer. (…) Hoje em dia, um fundador que não faça vendas é… um unicórnio, porque é uma função crítica”, ironiza.

Especial Únicos

O projeto “Únicos” propõe-se dar resposta à pergunta sobre o que torna uma empresa única e de que forma essa aprendizagem pode ajudar outras. Fizemo-lo num projeto em parceria com a Google e a Shilling que se divide em três iniciativas:

  • Uma série de televisão na SIC Notícias e na SIC Internacional, cuja estreia aconteceu a 2 de outubro e cujos episódios pode rever aqui;
  • Um conjunto de masterclasses com fundadores de startups portuguesas que se tornaram globais, onde estes partilham o seu percurso e aprendizagens, que pode encontrar aqui;
  • O Prémio “Únicos, que apoiará com mais de 150 mil euros (entre investimento e serviços Google) uma startup que possa vir a integrar esta nova geração de empresas portuguesas que são líderes ou candidatas a líderes nos mercados globais onde atuam.