“O meu sucesso é mais estar feliz, não é tanto o fear [medo] de não fazer milhões”
Timothy Alexander Vieira é o nome completo deste empresário luso-descendente. Os portugueses conhecem-no como Tim Vieira, o "shark" que mais investiu na primeira temporada de Shark Thank em Portugal. Tornou-se uma figura bastante acarinhada e saiu do programa com portefolio de investimentos significativo – investiu 989 499€ em 28 projetos.
Passados dois anos, recorda a sua participação. “Conheci boas pessoas no programa. Gostei muito de perceber que há grandes ideias dos portugueses e que não têm medo de vir falar delas na televisão. Também conheci sharks [tubarões, investidores] e é sempre bom. Para mim, foi muito positivo”, refere Tim.
Quanto aos projetos em que investiu, “uns tiveram sucesso, outros menos, e outros estão a ter sucesso para as pessoas que estão envolvidas neles”. Além disso, alguns projetos já estão a dar retorno. “O que eu vejo que também é muito positivo é que alguns dos projetos já estão a dar o valor que eu investi de volta. As pessoas vão ficar com os projetos, porque às vezes pode não ser tão interessante para mim, mas para eles já é um bom negócio. Então aprendi que as pessoas são o mais importante. Não são os projetos, são as pessoas”, conta.
“No total, acredito que 40% dos projetos estão a ter sucesso e, vamos dizer, 20% estão a ter mesmo muito sucesso. Estamos com um que já está a expandir para fora do país e está com mais de 45 pessoas empregadas. Só um projeto faz logo tudo valer. O Shark Thank foi espetacular, eu gostei muito. Houve muitas pessoas com quem fiquei admirado. Muitas gente começou a mandar-me emails, a mostrar-me os projetos, toda essa parte. Fez-me também perceber que eu estava a dar valor de volta, o que é sempre bom”, recorda o investidor.
O investimento de Tim Vieira no programa passou, essencialmente, pelos projetos que se inserem na área das Indústrias Criativas. Para o “tubarão”, Portugal é o país indicado para se investir. “Eu acredito que Portugal tem tudo para dar certo e começar a criar algumas micro-brands [micro-marcas] que começam a crescer. Eu acho que produzimos muito bem, temos pessoas com muito talento, estamos no centro do mundo para crescer daqui para fora. Tenho pena que Portugal não tenha marcas que já dominem o mundo, mas também percebo as dificuldades: é que nós produzimos muito para essas marcas enormes do mundo, mas não temos uma nossa”, explica.
Mas qual é a vantagem da “marca Portugal”? Tim afirma que o país “está na moda, portanto também o storytelling de Portugal” se começa a destacar. No entanto, ainda há um caminho a percorrer. “A coisa mais importante não é abrir lojas, mas acreditar no produto, fazer um bom storytelling, ir para fora e começar a vender online, criar fãs, criar pessoas que compram [o produto]”.
Embora se diga que “o país está um bocado atrás”, o investimento no “online business” pode ser a solução. “Avançar no online ser muito bom no negócio. (…) O mundo está a mudar e acho que agora Portugal está no tempo certo para começar a pensar que consegue ir lá para fora através do online”.
No entanto, Portugal é um país pequeno, com apenas dez milhões de habitantes. Surge, assim, um problema de escala: as ideias são boas, mas têm dificuldade em crescer. Tim Vieira usa as palavras de um amigo para falar sobre o tema. “Tenho um amigo na Nova Zelândia que me veio dizer ‘olha, Tim, estão todos a dizer que Portugal tem um problema porque é muito pequenino, não tem mercado e etc,. mas eu vou dizer-te uma coisa … Eu estou na Nova Zelândia e nós aqui temos um problema: é que nós olhávamos à maneira portuguesa. Temos só 6 milhões de pessoas e 65 milhões de ovelhas. Esse é o primeiro problema. O segundo problema é que, normalmente, quando fazem o mapa do mundo, acabam na Austrália e nem põem lá a Nova Zelândia, então isso é que é um problema. Mas Portugal está mesmo no meio do mundo’, conta.
Quando se dobra o mapa ao meio, o centro do mundo é Portugal
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Para mostrar aos amigos que Portugal está, de facto, no meio do mundo, o investidor encontrou um estratagema: “Gosto de mostrar aos meus amigos estrangeiros que Portugal está mesmo no meio, então dobro o mapa de maneira a que o meio bata em Portugal. É assim que nós temos de pensar. Temos 600 milhões de pessoas à nossa volta, conseguimos atingir todas elas. Temos pessoas profissionais no marketing, no online marketing, conseguimos fazer acordos para fazer distribution [distribuição], acho que não temos nenhuma desvantagem. Acho que temos muito mais vantagens do que 95% dos países do mundo”, reforça.
“A nossa qualidade é mesmo boa – preço/qualidade – e depois tentamos sempre vender primeiro em Portugal as coisas criativas que estamos a fazer. Posso dizer que se conseguimos vender primeiro em Portugal isso é uma coisa muito boa, porque os portugueses são exigentes em comprar. Não são, como outras zonas do mundo, que são zonas de consumo e compram por comprar. Em Portugal pensamos muito antes de comprar, temos essa vantagem. Então não vejo o país como um problema – temos uma vantagem, temos um plano de ação, estamos lá. É como há 500 anos: tínhamos as melhores caravelas, as melhores bússolas, tínhamos o plano de dominar o mundo. É um bocadinho o que temos de pensar agora com os nossos negócios. Como é que vamos para o mundo a partir de Portugal? É só isso”, diz Tim. Com a certeza de que “estamos a começar a confiar em nós próprios” e a “atingir mais do que só o mercado português”, garante que mais casos de sucesso vão começar a aparecer, se se arriscar.
Apesar de tudo, Portugal não pode ser comparado com os grandes centros de investimento mundiais, como Silicon Valley. “Se compararmos o que está a ser investido aqui em startups e as que temos e as patentes que estamos a fazer, não é nada”, diz Tim. E isto acontece “porque um investidor em Portugal quer investir numa empresa que quase começa a produzir resultados a partir do dia 1. Não investem em projetos que são muito para a frente”, afirma, gesticulando em sinal de futuro e da espera que implica. Contudo, o empresário consegue ver “maneira de as pessoas começarem a investir quando veem que a empresa tem revenue [receitas], quando veem que têm um business plan [plano de negócios] para fazer dinheiro”. Além disso, “o ecossistema está a ficar mais forte”, com “melhores pessoas” e “grandes empresas a envolverem-se no startup ecossistem”.
Brave é o espelho de “coragem para nós e para aqueles em quem estávamos a investir”
Tim é sócio da BraveGeneration, uma sociedade anónima construída em 2015 que detém participações em cerca de 30 empresas em diversas áreas e que divulga vários projetos que possam promover o empreendedorismo. Para o investidor, Brave é o espelho de “coragem para nós e para aqueles em quem estávamos a investir”. A sociedade, que teve como principal objetivo servir de veículo de investimento em alguns dos projetos de Shark Tank, ajuda as empresas em questões leais de de gestão. “Somos uma equipa com cerca de sete pessoas, não é nada assim muito pesado. (…) Para mim, às vezes aquele não é o negócio para investir, mas vemos que há alguma maneira de ajudar. Isto é, talvez, um bocado pro bono [em benefício do público], mas acreditamos que quando ajudamos também vamos receber um dia, e é isso um bocadinho o que a Brave faz”, refere.
Com um grande número de projetos que lhe são apresentados, o que valoriza Tim nas ideias? Tudo começa com a análise de um pitch [curta apresentação de vendas] de 90 segundos: “Temos de vender o pitch, temos de nos vender a nós próprios, ao produto e à nossa equipa. Então é um bocadinho isso que eu vejo: vejo a pessoa e a equipa e depois olho para o produto e vejo quais são os nichos”. Nesta apresentação, “percebe-se logo um bocado sobre a pessoa – se já falou na equipa dela, o que acha da equipa, se é boa, e começamos aí a ver se há alguma vantagem no produto, se o usava. E depois começo a pensar na minha cabeça quem são os experts [especialistas] que eu conheço que vão saber mais do que eu nisto e se vale a pena levar até eles. Se eu vejo que a pessoa parece alguém capaz e que tem uma equipa capaz, quase sempre chega à segunda fase. Se eu vejo que o expert fica entusiasmado e que ele próprio vê que é uma coisa boa, aí já vamos para os próximos passos. Mas se eu vejo que à pessoa falta alguma coisa, ou não tem equipa, é muito difícil chegar ao próximo passo”, explica.
"O leopardo não muda as bolinhas na pele"
Para Tim, é possível existirem boas ideias com má pessoas à frente. “Às vezes tentamos mudar e acreditamos que conseguimos mudar mas, como dizem, o leopardo não muda as bolinhas na pele. Não dá. É muito mais fácil ter boas pessoas e mudar a ideia – uma má ideia para melhor – e ter sucesso com isso do que uma grande ideia com as pessoas erradas à frente. Começa a criar-se um conflito, começamos a perder entusiasmo, e normalmente acaba mal. Eu também acredito que ninguém entra nos negócios para correr mal, mas acontece. O que eu acredito aí é que, se é para correr mal, é melhor correr mal muito rápido e continuarmos para a frente; somos amigos e é a vida”.
Quanto a projetos pessoais, o investidor orgulha-se da sua Tim’s Garage, um espaço que, além de albergar carros antigos, alguns do século passado, que pertencem à coleção do empresário, é também um local que pode servir para a organização de eventos pessoais ou empresariais.
Localizada em Cascais, esta “garagem” foi, primeiro que tudo, um espaço para agradar a Tim. “Eu queria um espaço em que eu podia ter uma razão para estar cá e de que gostasse. Tinha aqui coisas de que eu gosto: carros antigos, cerveja, amigos, projetos engraçados vêm aqui falar, temos eventos que passam por aqui… Então foi um bocado 'isto é para mim’, conta. “É sempre bom beber uma cerveja para estar mais criativo, para ver carros bonitos, com arte”. Quanto ao nome, refere que não era para ser este, mas que era necessária uma forma de identificar rapidamente o espaço e, então, acabou por ficar.
No que diz respeito a projetos futuros, no espaço, já existem ideias. “Vamos ter aqui uma pequenina cerveja artesanal e isso também vai ser giro, porque vai ser pelo team building [trabalho de equipa]. Vamos fazer uma cerveja, com nomes, com os gostos que as pessoas preferem e, depois de 21 dias, vêm cá todos buscar e beber. Acho que vai ser bom porque cada um vai acreditar que também fez parte de produzir alguma coisa. E são assim as coisitas pequenas que estamos a pensar em fazer, mas temos aqui ideias de fazer pitches, ajudar pessoas a melhorarem os pitches, os business [negócios], fazer aqui eventos de networking, porque acredito que é muito importante. Portugal está a melhorar muito no networking, antes as pessoas tinham quase medo de o fazer, de dizer a ideia, ou falar e perguntar o que acham. Agora, com tudo o que está a acontecer nesse ecossistema novo, acredito que já estamos num bom caminho”, explica.
Atualmente, a “next big ideia” de Tim ainda é algo misteriosa. “Eu tenho uma ideia que quero tentar fazer. Estou a pôr pessoas boas à minha volta para fazer isso acontecer. É um projeto que é global, não sei se vai dar ou se não vai dar, vai precisar de várias pessoas com talento para fazerem isto acontecer. Mas está a andar muito para a frente, com networks fora de Portugal, com pessoas que eu conheci lá fora, mas está a ser desenvolvida em Portugal. Se calhar é essa a minha next big ideia, mas também vejo tantas big ideias à minha volta que fazem a minha nem parecer uma big ideia, mas só uma next ideia. Já vi aqui algumas ideias irem para a frente. E, se tiverem sucesso, vão ser mesmo big ideias e eu fico muito contente com isso, porque estou a ver quais vão ser aqueles unicorns [grandes startups] e eu até falei com eles antes disso. Vai ser muito bom”.
Como homem de projetos e investimentos, seria esperado que Tim sentisse o chamado “fear of missing out” [medo de ficar à margem]. No entanto, o investidor não tem medo de arriscar na sua área. “Às vezes o meu fear of missing out não é tanto em negócios, vou ser honesto. Às vezes o fear of missing out é em coisas de família. Então tento combinar a família com o negócio. Levo os meus filhos a muitas reuniões. Normalmente levo sempre um comigo, vai um de cada vez, assim para ter mesmo um ‘one a one time’ com eles, que é uma coisa que eu vejo que os empreendedores gostam, e faço isso com os meus filhos. Mas em termos da grande ideia, não estou sempre a pensar que vou falhar, não tenho esse problema. O meu sucesso é mais estar feliz, não é tanto o fear [medo] de não fazer mil milhões, porque já percebi que um dia morremos. É melhor ter uma vida feliz”, remata.