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Estes miúdos não sabiam nada de tecnologia, mas agora podem vir a mudar o dia-a-dia de muita gente

por | 14 de Maio, 2018

Estes miúdos não sabiam nada de tecnologia, mas agora podem vir a mudar o dia-a-dia de muita gente

Bruno Cardina é professor bibliotecário do Agrupamento de Escolas de Nelas, distrito de Viseu. Apesar de utilizar também a parte digital na biblioteca, incentivando os alunos a ler através de dispositivos móveis — mas sem deixar de lado o papel —, não podia ficar apenas por aí.

Quando surgiu o desafio para começar o programa Apps For Good não se deixou ficar. “Esta aventura veio até à nossa escola pela Direção Geral da Educação e a minha diretora chega ao pé de mim e diz: ‘Bruno, não queres entrar neste projeto?’. Eu não sabia o que era o Apps For Good, mas como nunca nego um convite que me façam e tenho uma certa sensibilidade para as tecnologias, decidi abraçar o projeto sem saber do que se tratava”, começa por contar.

Este programa, cujo objetivo é “que os alunos façam aplicações tendo em conta os problemas que possam detetar na sua comunidade”, está a dar cartas. Mas não se pense que os alunos tinham experiência na área. Este grupo, composto por cinco alunos, é constituído por “amigos, companheiros, que abraçaram, há três anos, este projeto do Apps For Good e quiseram desenvolver uma aplicação sem saber nada de tecnologia”. E foi assim que nasceu o Cook Wizard.

Esta aplicação quer resolver um dilema pelo qual muitas pessoas passam diariamente: saber o que cozinhar para uma refeição. “Há sempre aquela preocupação que toda a gente tem quando chega a casa e não sabe o que fazer para as refeições. Os alunos tiveram uma ideia brilhante: tendo em conta o que têm em casa e os livros de receitas que existem, cruzar esses dados”, explica Bruno. “A aplicação vai sugerir as refeições, quer sejam para duas pessoas, quatro pessoas, almoços ou jantares, para estudantes… Vai surgir uma panóplia de refeições tendo em conta o que temos em casa. E quando os consumimos, esses ingredientes vão ser adicionados a uma lista de compras. Quando formos ao supermercado vão aparecer no nosso telemóvel os ingredientes que já gastámos e que precisamos de adicionar”, acrescenta.

Contudo, estes miúdos pensam em grande. Além de ajudar em casa, gostavam de esta aplicação pudesse ir mais longe. “Existe outra particularidade a nível do que querem para a aplicação, que é a integração dessas receitas em robôs de cozinha. Também gostavam de extrapolar esta ideia para restaurantes, numa versão mais profissional, para fazer a gestão de stocks dos restaurantes e saber quantas refeições podem fazer tendo em conta aquilo que têm na cozinha”.

Apesar das ideias nem sempre é fácil avançar. É preciso mais formação, mais “skills de programação” e quem invista no projeto para que este possa ser concretizado. Mas, mesmo que não chegue a haver uma aplicação propriamente dita, não é trabalho perdido. “Há toda uma aprendizagem que este projeto nos proporciona. Ao longo de várias sessões e vários módulos prepara os alunos para a elaboração e apresentação da ideia, para a parte da estética da aplicação e até para o Pitch. Esse programa faz com que os alunos tenham algumas bases. É um processo contínuo de descoberta, em que vão falando com os outros, vão ficando curiosos, e eu sou um bocadinho o facilitador. Coloco-me ao nível deles e discutimos qual será a melhor estratégia ou o melhor programa para fazer isso. Deixa de haver professor e aluno e somos quase pares. É um processo de aprendizagem mútua que é importante”, refere Bruno Cardina.

Participar neste tipo de projetos é uma forma de desenvolvimento a vários níveis. Há coisas que vão ficar sempre e que podem ser, mais tarde, aplicadas a outras situações. “É importante não esquecerem o percurso, mesmo que a vida deles não siga a parte tecnológica. O que é importante é aquilo que aprenderam durante o projeto. Além do produto final, o que importa aqui é que consigam perceber o processo. É isso que a escola quer dar. É o que devem levar na bagagem”.

Para o futuro estes alunos também já levam a certeza de serem reconhecidos, depois da participação num concurso da Futurália, em Lisboa. “Terem ganhado o App Startup na Futurália foi importante para eles. Primeiro, porque ao longo destes três anos não foi fácil conseguir financiadores e ser reconhecido pela comunidade tecnológica. E é também um exemplo para quem vem atrás, para os colegas que também estão a seguir este projeto. Isso é importante para quem está a desenvolver novas ideias para aplicações e que acreditaram sempre naquela ideia. Quem é que não quer ver uma aplicação num telemóvel e dizer ‘fui eu que fiz!’ ou ‘fui eu que elaborei aquela parte do design’? Quem é que não gosta de ser reconhecido por isso?, questiona.

Mais do que mudar a vida destes alunos, este projeto também quer ajudar a implementar a mudança nas escolas. “A escola tem de se adaptar à sociedade. E tem de, pouco a pouco, acompanhar o processo de ensino e preparar os alunos para o futuro. Já se está a tentar fazer com que os alunos aprendam uma nova literacia, a literacia digital, existem programas no ensino que fazem com que isso aconteça. Se podia ser mais rápido? Podia, claro que não é fácil. Também faltam meios e pessoas para acompanhar essa modelagem social, mas a escola pública está a fazer esse caminho. Gostávamos que o leque fosse maior, que esse salto tecnológico fosse mais rápido e que fosse ao encontro das necessidades dos alunos, que querem rapidamente absorver as tecnologias no dia-a-dia. É importante dar-lhes essa vivência”.

Mas há um aviso que Bruno deixa e que todos devem ter em conta: “Sabemos o limite das tecnologias. Não vão resolver tudo, mas é preciso identificar o seu papel na educação, na sociedade, no mundo. Mas também é preciso tirar partido delas e não ficar refém das tecnologias: têm de servir como motivação para a aprendizagem, mas com conta, peso e medida”, conclui.