“Sou melhor mãe por liderar um projeto, mas também sou melhor no meu papel profissional por ser mãe”
Como é que as novas empresas se organizam para que mais mulheres possam ser mães e estar à frente de um negócio? A pergunta é complexa e lá dentro cabe todo um mundo que começa a despertar na área, mas por vezes a resposta pode implicar questionar outras coisas.
Jwana Godinho, fundadora da It’s About Impact, uma empresa sem fins lucrativos que produz conteúdos de impacto social através de histórias que pretendem envolver as pessoas em causas, refere ao The Next Big Idea que é preciso “mudar o mindset para ‘como é que os homens podem ser pais e estar à frente de um negócio?'”.
“A resposta passa por como conjugar uma vida familiar e a educação dos nossos filhos com o trabalho, sejamos mães, pais, avós, irmãos ou cuidadores. É uma obrigação das empresas, das famílias e da sociedade em geral”, começa por referir.
Marta Palmeiro, cofundadora e CFO da StudentFinance, uma empresa tecnológica que opera no setor financeiro, diz, por seu lado, que “muitas startups estão a implementar culturas baseadas em accountability e flexibilidade. Ou seja, onde o foco é centrado nos resultados permitindo às equipas uma maior flexibilidade na gestão do dia a dia, o que é extremamente importante para mães”.
“É fundamental termos mais mulheres e mães em lugares de liderança e falar destes exemplos, das escolhas implícitas e de como se faz esta gestão. Desconstruir a ideia de que criar uma família tem que comprometer a disponibilidade necessária para a gestão de uma uma empresa”, explica, apresentando um exemplo prático: “na StudentFinance operamos de modo remoto, o que vejo como bastante positivo para a flexibilidade”.
Apesar das dificuldades, há “muitas coisas boas a acontecer”
Quanto ao que é feito para que homens e mulheres possam estar em pé de igualdade, Jwana não hesita. “Há muito ainda a fazer, mas muitas coisas boas a acontecer ao mesmo tempo. Desde logo, o facto de se falar abertamente sobre o tema. E de termos uma nova geração de homens e mulheres para quem a igualdade de género é o seu ADN. Há mais consciência política e pressão da sociedade. E há mais exemplos de homens e mulheres que agem em total igualdade e cujas vozes devem ser ampliadas e divulgadas”, aponta.
Marta não tem dúvidas de que “o caminho passa por ter uma maior representação de mulheres e mães na liderança de empresas e flexibilidade sempre que possível — para homens e mulheres”. No fundo, “a grande mudança é também ao nível cultural” e o essencial, diz, é “não assumirmos que maternidade compromete a capacidade ou vontade de compromisso profissional”, uma ideia que “ainda está muito enraizada nas empresas”.
Neste sentido, são várias as iniciativas que podem ocorrer para potenciar a igualdade. Mariana Brilhante, CMO do SPEAK, um projeto que pretende juntar pessoas recém-chegadas e locais a viver na mesma cidade através de grupos de línguas e vários eventos, acrescenta algumas ideias.
“A estratégia deverá ser holística e estar em toda a cadeia de valor da empresa”, frisa, explicando que tudo isto se deve “iniciar no processo de recrutamento, com medidas anti discriminatórias” e depois “acompanhar no caminho da mulher na empresa”, de forma a “garantir a evolução de carreira”, vendo se “está a ser justa e não a prejudicar as mulheres”.
Mas há mais a fazer: “a criação de uma network para mulheres dentro da empresa — pode ser aberta a homens — e programas de mentoria são duas ações com um elevado impacto positivo, assim como oferecer apoio às mulheres em momentos fundamentais da sua carreira, como o regresso de uma licença de maternidade e na preparação para cargos de liderança”, enumera.
Contudo, apesar de muitas empresas já fazerem “muita coisa”, “são mais as que ainda têm uma liderança e pensamento antiquado que não funcionará no futuro, em que se um pai diz que tem de levar o filho ao médico provavelmente não é compreendido porque se vê como um dever da mãe”, aponta Mariana. “Para verdadeiramente colocar homens e mulheres em pé de igualdade e com expectativas ajustadas, é necessário que se olhe para a mulher e homem de igual forma. Isso significa, por exemplo, aumentar e incentivar a licença de paternidade — assumir que a maioria dos homens quer ser cuidador dos seus filhos”, remata.
Mãe e empreendedora. “É um prazer poder conjugar estes dois papéis”
Por todas estas questões, juntar a maternidade com a liderança de uma empresa pode ser um desafio. Mas há muito de positivo nisso, dizem as empreendedoras.
Jwana Godinho diz mesmo que “é um prazer poder conjugar estes dois papéis”. “Acho que sou melhor mãe por ser uma profissional ativa e liderar um projeto, mas também sou melhor no meu papel profissional por ser mãe”, diz, sem esconder que existem sempre contratempos. “As dificuldades prendem-se com a natureza de cada uma destas funções: é sempre difícil ser mãe, achamos sempre que podemos e queremos fazer melhor, e ao mesmo tempo sabemos sempre que ainda não estamos lá. Todos os dias os nossos filhos nos desafiam, nos dão uma imensa felicidade e nos causam ansiedades. Mas ser profissional é isso também”, frisa.
Contudo, a gestão dos dois mundos “resume-se a trabalho de equipa – como numa banda de música em que cada um toca um instrumento diferente”, diz. “Em primeiro lugar com o meu marido e pai dos meus filhos. Funcionamos em sintonia total (mesmo que comece desafinada, mas é para isso que se fazem sempre ensaios) e depois em concerto completo com o resto da banda. Mas a ideia base é sempre a mesma. Um instrumento menos afinado pode estragar o espetáculo. Mas com trabalho de todos, podemos aspirar a ter uma ovação em pé”, remata.
Quando Marta Palmeiro decidiu começar o seu negócio, havia consciência “do compromisso e responsabilidade que é liderar uma empresa”. Significava ter tudo estruturado — mas isso não foi um obstáculo. “No fundo é uma gestão de prioridades e acredito de que somos capazes de conciliar as coisas que são realmente importantes para nós. A minha família e a StudentFinance são as minhas prioridades, o resto é secundário”, atira.
“Não sou uma mãe de micromanagement, tendo três filhas isso não seria mesmo compatível com a intensidade do meu trabalho, mas também não é a minha natureza. Na logística do dia a dia tenho bastante ajuda e uma máquina funciona bastante bem sem mim”, reflete. “Com as minhas filhas, o foco é tempo de qualidade e, na verdade, consigo ser uma mãe bastante presente. O facto de trabalharmos remotamente ajuda-me muito a manter o equilíbrio, porque muitas vezes apesar de estar a trabalhar estou fisicamente presente em casa e acredito que isso lhes dá segurança. Para mim, o maior desafio não é a logística, mas garantir que não passo para elas o stress e a pressão”.
Já no caso de Mariana, juntar os dois mundos “é uma questão de definir expectativas adequadas com a vida” que leva. “Querer continuar a trabalhar 10/12 horas, que a minha filha não esteja 10 horas na creche e passar tempo com ela, querer fazer desporto e ter um jantar tranquilo — e acordada — com o meu marido provavelmente não vai acontecer”, confidencia.
Por isso, diz que “é fundamental ter um parceiro que tenha a mesma visão”. “Antes de termos a Clara, a nossa conversa era sempre para garantir que nenhum seria mãe/pai a part-time e que conseguiríamos fazer o que para nós é importante. Somos ambos muito apaixonados pelo nosso trabalho”, explica.
“Conseguimos ambos fazer desporto — não todos os dias —, alteramos os dias em que vamos levá-la e buscá-la, para que sejam dias que o outro consiga dedicar mais tempo ao trabalho, e tentamos ter tempo a dois. É um ajuste que demora, é uma mudança grande”, conclui. Mas é possível.
Investe-se menos em empresas lideradas por mulheres?
No que toca a tecnologia e empreendedorismo, a ideia é que existe ainda pouco espaço para as mulheres — o que pode complicar com a questão da maternidade. Contudo, são cada vez mais as mulheres que tentam dar passos na área. Da formação académica aos negócios, ainda há muito a fazer — mas há um caminho iniciado.
No evento online “Let’s talk Women Entrepreneurship – Investimento para empreendedoras”, que ocorreu a 22 de abril, foram deixadas algumas notas quanto ao tema.
Celine Abecassis-Moedas, fundadora e diretora académica do CTIE – Center for Technological Innovation & Entrepreneurship, realçou que, no que toca ao investimento em empresas, a maioria vai para startups lideradas por homens. Traduzindo em números: apenas 2,3 e 3% do financiamento é destinado a projetos criados por mulheres.
“Ao longo do tempo, o número de mulheres empreendedoras aumentou, mas o números de startups criadas por mulheres que recebem financiamento não aumentou, por isso há qualquer coisa que não está a correr muito bem”, atirou, notando o facto de a maioria dos partners do lado dos investidores serem homens, o que por vezes “não joga muito a favor das mulheres”.
Mas pode haver uma justificação. Lurdes Gramaxo, partner da Bynd, uma Venture Capital que investe em startups tecnológicas, explica o que está em causa quando se olha para uma empresa onde se pode vir a investir no futuro. “Não acho que haja uma resistência [quanto a atribuir investimento a mulheres], o que é certo é que não há tanta abundância de empresas fundadas por mulheres, por várias razões”, começa por dizer.
“Há poucas mulheres ainda em tecnologia, em percentagem. Estão pouco representadas neste sector. As últimas estatísticas que vi em termos de formação superior na Europa, as mulheres são as que mais se graduam (58%), mas se formos ver aos cursos de ciências, engenharias, matemáticas e outras tecnologias, as mulheres representam 20 ou 25%, o que é muito pouco”, justificou.
“Provavelmente em Portugal os números são semelhantes e o funil vai estreitando. São menos representadas no trabalho, há menos patentes desenvolvidas por mulheres e tudo isso vai-se refletindo até ao ponto em que chega às empreendedoras. Portanto, há menos escolha [para os investidores]”.
Na prática, para onde se olha quando se procura onde investir? “O que procuramos são fundadores competentes, uma boa equipa fundadora. E aí procuramos muita complementaridade e muita diversidade. A nossa experiência e os estudos académicos dizem-nos que a diversidade — não só de género, mas cultural ou qualquer outra — é importante para empresas que estão nos seus estágios iniciais e que pretendem conquistar o mundo. Têm de ter essa ambição e as ferramentas necessárias para isso — e a diversidade é uma delas”, diz Lurdes.
Esta diversidade pode, no entanto, ser causa de alguns constrangimentos e até de receio no investimento, para muitos. “Concordo que, de alguma forma, em alguns investidores — a maior parte homens — poderá haver algum preconceito em relação a empresas fundadas por mulheres, mas cada vez menos”, aponta.
“Há uma consciência que vai crescendo de que as empresas onde há diversidade são empresas que funcionam melhor e que normalmente atingem mais os objetivos. Mas também não se pode investir naquilo que não há”, clarifica. “Nós, em 35 projetos que neste momento temos ativos, temos seis que são liderados por mulheres — o que até é uma boa estatística, diga-se de passagem, mas não são muitos. A escolha é limitada e não é por nós, é pelo mercado”, afirma.
De qualquer forma, deixa o alerta: “apostar na formação das mulheres é uma aposta para o futuro nestas áreas, não podemos desperdiçar talento de 50% da humanidade. O mundo não é assim tão rico que nos possa dispensar”.
Carolina Amorim, CEO e cofundadora da Emotai, uma startup focada em melhorar a performance humana, conta na primeira pessoa esta experiência de estar à frente de uma empresa que procura investimento. “No geral a experiência tem sido positiva, mas o melhor tem sido sempre quando falámos com investidores que tinham mulheres como partners, provavelmente pela diversidade. Realmente é sempre o melhor nestas situações — não só para as startups, mas também do lado dos investidores”, diz.
Tendo conseguido dois investidores que têm mulheres como partners, a empreendedora não hesita em dar a sua opinião. “Nunca notámos que nos ignorassem mais por termos uma mulher como cofundadora. Mas acredito que isto vai mudando, especialmente com talks e iniciativas em que trazemos mais mulheres para o empreendedorismo”.
Por sua vez, Márcia Pereira, CEO e cofundadora Bandora Systems, uma startup que ajuda a optimizar a performance energética dos edifícios comerciais, frisa que “há um fosso abissal entre o número de empreendedores e empreendedoras”.
“Daquilo que é a minha análise, tanto eu como a Carolina somos fundadoras de startups de deeptech e provavelmente são temas que não são tão focados pelas empreendedoras. Muitas vezes tentam resolver problemas que são mais femininos, ou seja, que afetam mais as mulheres. Por vezes, como depois tentam empatizar com investidores masculinos, pode não haver de facto um entendimento. Eu não tenho sentido essa diferença, talvez por estar numa startup que tenta resolver um problema com recurso a inteligência artificial”, reforça.
Todavia, há uma boa notícia: no futuro, o número de mulheres nestas áreas mais tecnológicas pode vir a aumentar. Isabel Advirta, do programa Made of Lisboa, do departamento de emprego e empreendedorismo da Câmara de Lisboa, referiu na conferência que, segundo dados da Pordata, “dos 96 mil investigadores em Portugal, neste momento 43% são mulheres, em maioria nas áreas de ciências naturais (médicas, agrárias e veterinárias), sociais e humanidades. Nas ciências exatas e nas engenharias e tecnologias, como foi dito, ficam de facto abaixo”.
“Mas este panorama está a mudar. Portugal é o país da OCDE com maior percentagem (57%) de alunas a estudar ciências, matemática e computação. É o dobro do Japão, ou seja, há aqui algum futuro para as mulheres que querem empreender nas áreas de tecnologia. A formação estamos a conseguir, falta o resto, falta o impulso para empreender, a coragem para avançar, para ganhar palco”, concluiu.