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Um smartphone pode salvar o Ambiente? A estratégia da refurbed para conquistar Portugal

por Miguel Magalhães (Texto) | 12 de Julho, 2024

A entrada em Portugal faz parte do plano de expansão da refurbed, depois de ter levantado uma ronda de investimento de 54 milhões de euros no final de 2023.

Na mente da maior parte dos consumidores existe a ideia de que para consumirem um produto que tenha melhor impacto no ambiente terão necessariamente de pagar por ele. É esse o caso de várias indústrias, como, por exemplo, a da moda; se as roupas foram produzidas com materiais mais sustentáveis ou em produtos alimentares, se estes tiverem embalagens que tornam o processo de as reciclar mais eficiente. Num mercado como o português, em que a sensibilidade para o preço é bastante grande devido ao baixo poder de compra, a coexistência entre estas duas dinâmicas nem sempre é a mais fácil.

Uma das exceções para este fenómeno são os produtos recondicionados. A economia circular não é um conceito estranho e estes estão longe de ser algo novo por cá, mas em vez de um desafio de preço, enfrentam sobretudo um desafio de confiança. Em Portugal, já existem várias plataformas de produtos eletrónicos recondicionados, isto é, smartphones, smartwatches, tablets, entre outros, que em tempos pertenceram a outra pessoa e que foram recuperados para ter uma performance como se fossem novos, com um preço mais baixo. É este mercado que a startup austríaca refurbed espera conquistar a partir de agosto, quando entrar no nosso país.

“Durante imenso tempo, era impensável as pessoas comprarem carros em segunda mão e, hoje em dia, milhões de pessoas fazem-no porque sabem que um carro novo perde uma parte significativa do seu valor assim que sai do stand”, explica Kilian Kaminski, um dos fundadores da startup austríaca.

Antes da refurbed, Kaminski trabalhava na Amazon Alemanha, precisamente na área de recondicionados. Foi aqui que ganhou um conhecimento ímpar sobre este mercado e que a determinada altura percebeu que dificilmente conseguiria ter um impacto real com o seu trabalho. A sua área não representava um investimento significativo da gigante americana em sustentabilidade e servia mais como um chamariz de potenciais clientes para o ecossistema da Amazon, que depois eram redirecionados para os seus produtos com melhor margem.

Então, em 2017, fundou a refurbed com dois amigos em Viena, na Áustria, para se tornarem na referência europeia para produtos eletrónicos recondicionados ou, nas suas palavras, na “Amazon para produtos sustentáveis”. Desde aí, o percurso da empresa tem sido de rápido crescimento.

  • O número de pessoas que já comprou pelo menos uma vez no seu marketplace supera os 7 dígitos e, de acordo com a empresa, já gera mais de mil milhões de euros em volume de negócios.
  • Já levantou mais de 100 milhões de euros em investimento, sendo que a ronda mais recente aconteceu em novembro de 2023 e foi de 54 milhões de euros. Atualmente, conta com 300 trabalhadores em cerca de 20 países num regime remoto.
  • Em termos de atuação, incluindo o mercado português, já está presente em 11 países, todos no Velho Continente, e tem uma rede de 300 parceiros para o tratamento dos produtos e a sua distribuição.
Kilian Kaminski, co-fundador da refurbed

Como é que a refurbed quer ser diferente?

Segundo Kilian Kaminski, o segredo está em ter uma experiência de consumidor de excelência e em encontrar uma forma de os clientes saberem exatamente o impacto ambiental que estão a ter quando compram um determinado produto. Vamos por partes.

No lado da experiência, um dos desafios mais comuns é o binómio entre querer um produto mais barato e ter medo que o mesmo não funcione por ser recondicionado. A verdade é que seja por desconhecimento, seja por uma questão de estatuto, muito consumidores olham para um produto recondicionado como algo de menor qualidade, quando 99% das vezes não é esse o caso. Portanto, mais do que o aspeto tecnológico, a refurbed tem essencialmente em mãos um desafio de comunicação e nesse sentido implementou uma série de estratégias para dar essa segurança aos consumidores.

Uma delas está diretamente ligada à forma como pensaram o seu marketplace para combater a aversão ao risco. Quem compra um produto recondicionado com a empresa austríaca pode escolher entre três tipos de qualidade, com preços diferentes associados – Bom, Muito Bom, Excelente – e não só tem um período de devolução grátis de 30 dias em que pode experimentar o smartphone ou o tablet, como fica com uma garantia de 12 meses sobre qualquer problema que os mesmos possam vir a ter. Adicionalmente, a refurbed diz também que foi a primeira a criar um seguro para produtos recondicionados na Europa.

Outra estratégia, por exemplo, é o investimento que os fundadores da startup fazem, de dois em dois meses, em passar um dia inteiro a atender chamadas de clientes e a compreender as dúvidas e problemas que estão a enfrentar em temas como a performance dos produtos (a refurbed segue um programa de até 40 passos para controlo de qualidade), a sua entrega ou mesmo produtos que queriam comprar e ainda não existem na plataforma.

Relativamente à dimensão do impacto, na opinião de Kaminski, além da própria comunicação da refurbed, é também necessário criar um conjunto de incentivos que levem consumidores de todo o tipo a reconhecerem o valor de comprarem um produto recondicionado.

  • A startup está atualmente a trabalhar com a Fraunhofer para permitir que cada produto à venda na plataforma tenha associada a informação relativa ao impacto em emissões de CO2, na criação de resíduos e na utilização de água.
  • No seu marketplace, a refurbed está também a disponibilizar a opção “trade-in”, na qual qualquer pessoa pode também monetizar os dispositivos que tem em casa e que já não usa, dando-os à startup para serem recondicionados.
  • No segmento B2B, que ainda representa uma pequena parte do negócio da refurbed, a empresa está à procura de integrar a sua oferta na estratégia ESG de várias empresas. Por exemplo, quando uma empresa quer renovar os aparelhos eletrónicos que os seus colaboradores utilizam, pode fazê-lo com produtos da refurbed e ter depois no seu relatório anual de sustentabilidade exatamente qual é que foi o impacto dessa decisão.

Porquê Portugal?

Quando começou o seu processo de expansão, a refurbed identificou algumas características que eram indispensáveis para o seu sucesso numa nova de região. Era necessário haver uma amostra significativa de consumidores com empatia pelo tema da sustentabilidade, um grau grande de confiança em plataformas de ecommerce e uma preponderância grande do setor de produtos eletrónicos no consumo. Portugal deu “check” em todas estas condições:

  • O tema da sustentabilidade está em crescente em termos de indústria e de consumo
  • 81% dos consumidores portugueses confia em retalhistas eletrónicos. Basta olhar para os resultados de players como a Worten ou a FNAC
  • 38% dos consumidores compra online 3 a 5 vezes a cada 3 meses
  • 25% do ecommerce em Portugal corresponde à venda de produtos eletrónicos
  • Estima-se que, em 2024, vão ser vendidos de 3.2 milhões de smartphones em Portugal

A aventura da refurbed em terras lusitanas vai começar oficialmente no início de Agosto.

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