Ou decides tu, ou decidimos por ti. A nova legislação que colocou o Google e o Facebook contra a Austrália
Há três anos que a Australian Competition and Consumer Commission (ACCC), a reguladora australiana para a concorrência, trabalhava numa proposta que levasse a acordos comerciais entre os principais grupos de media do país e as Big Tech. Depois de as negociações não chegarem a bom porto, o governo australiano foi obrigado a intervir e a começar a desenvolver uma legislação que “obrigasse” os dois lados a sentarem-se à mesa.
A situação: uma nova legislação
A tendência observada na Austrália na última década é em tudo semelhante àquela observada no resto do mundo. O Facebook e o Google têm acumulado uma fatia cada vez maior das receitas da publicidade online representando, atualmente, cerca de 76% de toda a indústria australiana.
A solução encontrada (e anunciada) pelo governo australiano, na última semana, é o centro de toda a polémica que levou o Google e o Facebook a limitarem o acesso à sua plataforma no território australiano. O governo australiano elaborou uma proposta de lei que dava às grandes tecnológicas uma de duas opções: (1) ou entrarem em acordos individuais com os publishers (2) ou sujeitarem-se à análise de um painel independente com a responsabilidade de mediar o valor a pagar pelas Big Tech a cada um dos meios que exigisse compensação.
A reação: a sensação de perigo
Os acordos com publishers não são uma novidade para o Google e o Facebook. Através do Google News Showcase e do Facebook News, respetivamente, as duas empresas encontraram uma maneira de compensar vários grupos de media pelo conteúdo que disponibilizam ou partilham através dos seus serviços. Então, o que muda com esta legislação?
- Em primeiro lugar, o Google e o Facebook não têm interesse em pagar a todos os meios de comunicação. A maior parte dos acordos feitos têm sido com grandes grupos de media já com audiências significativas. Para publishers mais pequenos costumam estar reservados bolsas de jornalismo para as quais se têm de candidatar.
- Em segundo lugar, estas plataformas querem controlar os moldes em que negoceiam (especialmente quando estão numa posição dominante no mercado). Há uma diferença entre negociar um valor geral e ser obrigado, por lei, a pagar por cada link ou click feito em conteúdo na sua plataforma.
- Em terceiro lugar, há o perigo de contagiar outros países a explorar soluções parecidas que prejudiquem o domínio destas plataformas nesses mercados. Em 2019, o Google foi obrigada a assinar diversos acordos com meios franceses e, em 2014, fechou a sua divisão de notícias em Espanha, depois de uma legislação semelhante à australiana ter sido aprovada.
Por todas estas razões, as suas posições acabaram por ser mais extremas do que o esperado:
- Facebook: bloqueou a possibilidade de partilha de qualquer conteúdo noticioso na Austrália, seja de um meio local, seja de um meio estrangeiro. De acordo com empresa liderada por Mark Zuckerberg, as notícias representam apenas 4% de todo o conteúdo presente na plataforma, por isso não se sentem na obrigação de entrar em acordos (p.s. há opiniões mais contraditórias afirmando que deviam ser os publishers a pagar para acederem à audiência que o Facebook fornece). Quem controla a atenção controla a narrativa.
- Google: a ferramenta de pesquisa tem mais a perder, porque o seu modelo de negócio está assente, em grande parte, na partilha de links e em clicks associados a meios noticiosos. Uma coisa é assinar um acordo com a News Corp., um dos maiores grupos de media do mundo, para incluir o seu conteúdo na Google News Feed. Outra coisa é ter de fazê-lo com todos os meios e ver os seus lucros a diminuir significativamente. Daí, a Google ter mesmo ameaçado retirar o seu motor de pesquisa da Austrália e deixar 25 milhões de australianos dependentes do Bing.
A conclusão: amigos outra vez
Depois de uns dias atribulados, o governo australiano reviu a sua proposta. A dificuldade de utilizadores australianos acederem a conteúdos noticiosos e a diminuição registada no tráfego web nos sites dos principais media locais tornou esta decisão inevitável.
- O governo vai designar primeiro que empresas vão estar sujeitas à nova legislação e vai ter em consideração os acordos previamente feitos entre estas plataformas e publishers.
- O painel independente terá, antes de uma decisão, a responsabilidade de mediar por um período de dois meses, a negociação de um valor a ser pago por parte das Big Tech aos grupos de media.
- Numa publicação no seu blog, o Facebook afirmou que a decisão “reconhece o valor que a sua plataforma dá aos publishers, relativamente ao valor que recebe das mesmas”. Contudo, já começou também a negociar os primeiros acordos, não vá o diabo tecê-las.
A reflexão: potenciais consequências
O que significa isto para o funcionamento da Internet? Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web, acredita que o pagamento por “linkar” conteúdo pode tornar a Internet “impraticável”.
O que significa isto para o jornalismo? A possibilidade da não-presença de meios de comunicação social credíveis nestas plataformas poderá levar à proliferação de fake news que deixam de ter uma alternativa fidedigna para as contrapor. Simultaneamente, também pode levar ao aumento do tráfego direto aos sites de informação e do consumo de outros formatos, por exemplo, newsletters que são feitas carinhosamente todas as segundas-feiras.
Existem outras soluções? A solução mais eficiente poderia passar por taxar mais as Big Tech e garantir que uma parte dessas receitas são investidas em jornalismo de qualidade. Falta só conseguir que estas empresas paguem impostos e que o dinheiro vá de facto para o jornalismo.
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