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Nvidia não quer ser a nova Cisco

por Abílio dos Reis (Texto) | 24 de Junho, 2024

Não tem o nome ou fama de outras grandes marcas como a Coca-Cola ou Disney, mas as ações da Nvidia atingem recordes históricos e o seu CEO, Jensen Huang, é tido como a Taylor Swift da tecnologia. Mas, no meio da euforia e das multidões e dos estádios cheios, Jensen está preocupado. Com o quê? Em não repetir os erros das dotcom.

Produtos de ponta que alimentam a mais recente tecnologia que promete transformar o mundo. Crescimento mega-impressionante que dá a mão a uma margem de lucro altíssima. Ações a disparar para valores estratosféricos que obrigam os analistas a aumentar os extremos e quartis dos seus gráficos.

Em 2024, não é preciso ser especialista em mercados bolsistas ou em tecnologia para adivinhar a quem pertence esta descrição. A nossa mente conduz-nos instintivamente para a Nvidia, que na semana passada, ainda que por breves instantes, ultrapassou em capitalização de mercado a Microsoft e a Apple. Porém, a verdade é que também se podia aplicar à Cisco Systems na década de 90.

E é por esse motivo que as comparações no último ano entre as duas têm sido frequentes nos media da especialidade e é por isso que a The Information escreveu há dias que ​​Jensen Huang, o CEO da fabricante de semicondutores do momento e uma das 100 pessoas mais influentes da Time, apesar de estar atualmente no topo do mundo, está preocupado com o futuro.

Com razão, pois alguém na sua posição não quer naturalmente que a história se repita.

A história dos bastidores

Conhecido pelos seus casacos de cabedal pretos, Huang é a estrela que hoje mais cintila na constelação oriunda do setor da inovação. A prova disso está no facto de recentemente ter sido fotografado a autografar o peito de uma mulher num evento em Taiwan e por Mark Zuckerberg ter explicado que o líder da Nvidia é basicamente a Taylor Swift da tecnologia (como bom fenómeno que se preze, tem nome e a aura em torno do novo Messias da IA dá pelo nome de “Jensanity”).

No entanto, apesar de todo este sucesso, Huang está preocupado. Por isso, só há uma pergunta a fazer: porquê? Porque é que está preocupado se está no topo do mundo? Se é engolido pela multidão nos eventos em que participa e esgota arenas com pessoas que querem ver os seus keynotes? Se é respeitado pelos seus pares? Ora, segundo a notícia do The Information, porque não quer que a sua empresa vire uma titã tecnológica moribunda como a Cisco e ou a Sun Microsystems.

Não é que existam sinais iminentes de abrandamento pelo interesse dos chips da Nvidia, que estão a impulsionar o boom da IA. Mas um vislumbre pelo passado permite perceber que já vimos esta história mais do que uma vez e que a fortuna – no sentido da sorte e no sentido da tesouraria – pode mudar num ápice. Num dia uma empresa está no cume da montanha, no outro tropeça e a queda não é apenas aparatosa: é quase mortal.

Há 25 anos foi assim

  • A Cisco 

Há 25 anos, não havia ChatGPT e IA generativa, mas o frenesim era idêntico. Se hoje a Nvidia tem os poderosos chips que alimentam os grandes modelos de IA, na altura, a Cisco crescia desenfreadamente porque vendia os routers de que todas as empresas precisavam para se ligarem à Internet.

Ao virar do milénio, a Cisco era a menina bonita que puxava pela economia (crescimento excecionalmente rápido a nível de receitas e lucros), era a empresa cuja cultura empresarial era tida como única e nem faltava um CEO carismático a trilhar o caminho do sucesso. No livro The Halo Effect, o autor Phil Rosenzweig recorda o facto de a empresa ter sido aclamada como “O Rei da Internet”. 

Faz lembrar alguém? Em março de 2000, a Cisco era a empresa mais valiosa do mundo (555 mil milhões de dólares, ultrapassando a Microsoft) e, durante 1998 e 2000, viu o preço das ações Cisco quintuplicar

No entanto, a situação de glória e auspiciosa não durou muito tempo. A empresa não ficou imune à recessão do ciclo económico do início dos anos 2000, nem aos cortes maciços nas despesas de capital dos operadores de telecomunicações após a bolha dot.com ter rebentado. Ou seja, ficou com data centers cheios de hardware parado. 

A Cisco viria a comunicar uma da despedimentos em 2001 e, em outubro de 2002, o preço das suas ações tinha caído 90%. Não foi caso único.

  • A Sun Microsystems

Outra história que Huang quer evitar replicar é a da Sun Microsystems. “Ele lembra as pessoas de que não devemos ser Sunned”, segundo o testemunho de um trabalhador da Nvidia ao The Information.

Adquirida pela Oracle em 2009, a Sun fabricava computadores e sistemas operativos e teve uma ascensão meteórica nos anos 90 semelhante à da Cisco durante a bolha das dot.com. 

Do seu portfólio de criações conhecidas, consta a JavaScript, a famosa linguagem de programação. No entanto, foi o sucesso do sistema operativo Solaris OS que ajudou a impulsionar muito do sucesso inicial e que acabou por levar a Sun a um pico de capitalização bolsista de 200 milhões de dólares em 2000, segundo a Marketwatch. 

Mas, tal como aconteceu com a Cisco, sofreu muito com o aparecimento da concorrência, nomeadamente da Intel e a Microsoft, e com o rebentar da bolha. O software não acompanhou as novidades e a popularidade caiu a pique juntamente com a cotação em bolsa.

“Nós somos o ponto do .com”, era o famoso slogan da empresa. 

A falta de espaço preocupa

A Nvidia chegou à posição em que está hoje porque detém cerca de 80% do mercado de chips de IA utilizados em data centers, um negócio que cresceu à medida que a OpenAI, a Microsoft, a Alphabet, a Amazon, a Meta e outros players se apressaram a açambarcar os GPUs necessários para alimentar os seus modelos de IA mais poderosos.

No trimestre mais recente, a receita do negócio de data center da fabricante de chips aumentou 427% em relação ao ano anterior, para 22,6 mil milhões de dólares. Como lembra a CNBC, isto corresponde a cerca de 86% das vendas totais da Nvidia.

Apesar dos resultados notáveis, por volta do Natal do ano passado, Jensen Huang transmitiu a vários executivos da sua empresa a sua preocupação crescente: se os maiores clientes ficarem sem espaço nos seus data center para instalarem os seus chips, as vendas chorudas podem estar em risco. Mais: Huang terá manifestado também transtorno por a Amazon e a Microsoft, os dois maiores compradores, aparentemente não estarem a ter a capacidade para ter os data centers prontos e capazes de acomodar os GPUS que encomendaram.

Por isso, Huang quer evitar cair no erro da Cisco. Segundo a The Information, o CEO da Nvidia só vai enviar chips aos clientes que garantam duas coisas: espaço suficiente nos seus data centers para os receber e que garantam que vão ser utilizados de modo a gerar receitas num futuro próximo.

Evitar os erros do passado

Paralelamente, também se está a precaver para a concorrência, que é inevitável. Por esse motivo, terá pedido aos clientes que comprassem os chips com os seus bastidores de rede [estrutura física utilizada para organizar e armazenar equipamentos de rede, como servidores, routers, etc]. A finalidade é clara: dificultar a mudança para um chip alternativo que possa aparecer no futuro.

Fundada em 1991, a Nvidia fez da história das suas primeiras duas décadas o facto de ser a empresa das “placas gráficas” dos videojogos. Tanto que a Nvidia domina o mercado dos GPUs, no qual entrou em 1999 com a GeForce 256. Volvida da década e meia, os GPUs deixaram de ser instrumentos apenas para criar gráficos e passaram também a ser o coração do machine learning por ser um opção mais económica. Com esta descoberta “do acaso”, o foco da Nvidia mudou. E mudou para algo que, hoje, não tem rival.

Como resultado, nos últimos dois anos, as ações da Nvidia dispararam — muito. Para se ter noção, só a Nvidia vale mais do que os mercados francês e britânico juntos. Mas, como a história nos ensina, a concorrência não dorme, nem a tecnologia deixa de evoluir. E o que hoje é pioneiro e o melhor, amanhã deixa rapidamente de o ser.

Para evitar esse cenário, Huang está a diversificar o negócio da Nvidia para além dos chips, e está a puxar com força pelo ecossistema nativo chamado Nvidia AI Enterprise e por outros negócios na nuvem como o GeForce NOW, plataforma que “aluga” o computador mais potente do mercado a quem estiver disposto a pagar uma mensalidade ou anualidade (permite jogar os videojogos a partir de qualquer computador).

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