Mais de 1000 engenheiros escolheram o Fundão para viver. A receita para atrair “novos fundanenses” é ganhar lugar no mapa mundo da inovação
por Rute Sousa Vasco (Texto) | 15 de Julho, 2022
A aposta para 2022 é na criação do primeiro parque ibérico de agrotech em parceria com a região espanhola da Estremadura.
Há 8 anos, o Fundão iniciou uma estratégia de atração de pessoas para o concelho. Por causa da demografia, mas também com o objetivo de qualificar o concelho e o tornar um espaço disputado por empresas e profissionais. Depois de dois anos de pandemia, a estratégia evoluiu para se tornar uma assinatura: Fundão – Terra de Acolhimento. Num município com 27 mil habitantes, convivem atualmente 67 nacionalidades, onde se destacam britânicos, brasileiros e indianos.
“Qualquer pessoa, no dia em que nos escolhe para viver ou trabalhar, é um fundanense. Não é um estrangeiro que aqui vive, é um fundanense oriundo de qualquer país, qualquer continente. São os ‘novos fundanenses’, como lhes chamo”, afirma o presidente da câmara, Paulo Fernandes, nesta entrevista ao The Next Big Idea.
Nos últimos anos, ao Fundão chegaram 1400 pessoas oriundas de várias partes do globo, sendo que cerca de 1000 são engenheiros que trabalham nas áreas tecnológicas. “Passámos dos famosos três engenheiros de há oito anos para, hoje, mais de 900”, sublinha Paulo Fernandes.
A partir dos 6 anos, todas as crianças têm acesso a ensino bilingue, aprendem a fazer queijo e a programar. O ensino de uma segunda língua é usado como ferramenta de integração das várias comunidades, aprender a fazer queijo materializa a ligação à terra e ao mesmo tempo às ciências que ajudam a explicar a sua produção e a programação é encarada como a chave para que qualquer criança ou jovem possa trabalhar em qualquer lugar do mundo. “Vamos ver o que antecipar uma geração vai fazer a estas nossas crianças. Tenho para mim que vão, provavelmente, algumas delas, poder saber o que é trabalhar nos cinco continentes, a partir do Fundão”.
A aposta para 2022 é na criação do primeiro parque ibérico de agrotech em parceria com a região espanhola da Estremadura. Um projeto chumbado pelo PRR, mas que faz parte do posicionamento que o Fundão quer ter como um pólo da agricultura do futuro.
Há dois anos, o Fundão estava focado na atração de talento para o concelho e muito longe de saber que meses depois viria uma pandemia. Muita coisa mudou na forma como as empresas e as famílias, escolhem o sítio que para viver. O que é que o Fundão ganhou e perdeu com esta mudança?
Nestes dois anos muita coisa mudou no mundo e não só pelo risco pandémico que, obviamente, alterou a nossa forma de estarmos uns com os outros. O que talvez tenha mudado no mundo é uma tendência que começávamos a sentir e que trabalhámos, mas que se acelerou brutalmente.
É um dos paradoxos que vivemos e é nos paradoxos mais virtuosos que nós nos posicionamos. O famoso paradoxo de que a concentração de pessoas, nomeadamente nas grandes urbes, leva, exatamente como contra-reação, à procura da rarefação de pessoas. É uma verdade de La Palisse mas que, de facto, está mesmo a acontecer e que esta pandemia trouxe de forma muito mais concreta para o nosso país. Há muita gente que hoje nos procura porque zonas de menor densidade são, hoje mais que nunca, valorizadas porque dão uma ideia de segurança associada a qualidade de vida, que se transforma numa nova perceção de valor relativamente ao interior do país, em concreto ao concelho do Fundão.
“Não gosto muito da expressão ‘nómadas digitais’”
E qual o impacto nas empresas?
A operacionalização disso trouxe do ponto de vista da organização do trabalho, uma questão que veio para ficar que é o teletrabalho. Não gosto muito da expressão “nómadas digitais, até porque na origem do nosso projeto, há cerca de nove anos, posicionamo-nos exatamente na ideia de que os freelancers na área da programação podiam vir para qualquer sítio. Na altura, começámos por o fazer numa aldeia e os resultados foram zero e agora sempre que oiço falar de “nómadas digitais” recordo-me sempre dessa aprendizagem, desse falhanço tremendo que tivemos em termos de uma primeira abordagem à atração de talentos para o território do interior.
Já ouvi alguma pessoas dizer que não acham a ideia espetacular, sobretudo com o conceito que lhe está associado de não haver raízes, de não se fixarem. Porque é que a ideia de nómadas digitais, como muitas vezes é transmitida, acaba por não corresponder em nada à realidade de quem procura outros sítios para viver?
O conceito, quando é colocado, tem um erro inicial. Dentro das tecnologias da informação, há uma percentagem muito pequena que realmente são nómadas e aí está o engano, do ponto de vista do conceito.
O nosso mercado, em Portugal, com a qualidade de vida e oferta de serviços de proximidade de um país pequeno, um país que está a apostar muito na conectividade, tem no valor da comunidade um valor absolutamente essencial
Sabem o que vale num mundo global o facto de em determinado tipo de aldeias, vilas ou pequenas cidades, ainda haver o principio da comunidade, da solidariedade orgânica? O que vale do ponto de vista da inclusão e integração de uma pessoa ou de uma família, daquilo que é a felicidade que todos obviamente procuramos e como, depois, se reflete no que é a motivação no trabalho, o trabalho de equipa, nos projetos, até numa questão também interessante, de pessoas que vieram para trabalhar em empresas e que depois criaram o seu próprio negócio.
Essas pessoas não são nómadas digitais, essas pessoas são empreendedores que tiveram um campo de experiência e de grande capacitação em empresas, muitas vezes multinacionais, que temos aqui no setor das tecnologias, mas que hoje, a tendência de algumas dessas pessoas é: “Ok, agora vou trabalhar por conta própria, monto o meu posto de teletrabalho, compro a quinta dos meus sonhos, sou proprietário pela primeira vez”, nalguns casos em várias gerações.
O Fundão de 2019 não é de certeza o mesmo de 2021. Como é que, neste momento estão a olhar para a atração das pessoas que possam querer mudar de vida e querer instalar-se aqui?
Por aprendizagem, por tentativa e erro. As políticas públicas, volto a dizer, sobretudo quando falamos de municípios, são excelentes para projetos-piloto, são excelentes para inovação porque, de facto, temos a capacidade para o fazer.
Como falhámos quando nos focamos só na componente mais individual, de pescar à linha o programador, o tal nómada digital que eventualmente quisesse vir para o meio de uma serra programar, neste caso numa aldeia chamada Castelo Novo.
Então fomos para a vertente das empresas, para escalas um pouco maiores. O que agora estamos a fazer é que todos os nossos programas tanto são acessíveis para aqueles que estão a trabalhar a partir das empresas que aqui estão e estamos a dar as mesmas condições para aqueles que queiram vir para aqui trabalhar para qualquer empresa no mundo ou estando como freelancers com a sua microempresa, com o seu projeto empresarial que possa aqui ser desenvolvido.
O nosso programa estava muito associado com a captação de capital humano, de talento, para as empresas, para a componente coletiva e agora equiparámos. Qualquer pessoa que quiser teletrabalhar a partir daqui tem exatamente o mesmo acesso às mesmas condições – a bolsa de casa e arrendamento, a ideia do nosso hub, serviços de proximidade para a família, as componentes associadas aos planos de formação avançada, as relações com as nossas múltiplas redes, já agora: apesar da pandemia, estamos ainda metidos em mais redes é algo que também cresceu.
Que tipo de redes?
Fomos para um tipo de redes mais temáticas. Tínhamos, grosso modo, um chapéu chamado Living Lab que era uma abordagem de estruturas piloto com grande complementaridade entre parceiros que dessem resposta, tínhamos relações de captação de talentos com as Universidades e os Politécnicos, startups, como as Academias de Código, muito úteis para todo este processo.
Aproveitámos estes últimos dois anos para intensificar redes dentro das temáticas das TIC, mais orientadas, por exemplo Rede para Blockchain, Rede para Agrotech, Rede para Mobilidade em Baixa Densidade, Rede para Serviços de Teleassistência, Rede para Captação de Talentos, ainda mais e em determinado tipo de mercados.
Há dois anos falávamos muito do “Fundão Inovação” e, se hoje me perguntar como exprimo o projeto e o seu posicionamento, é “Fundão – Terra de Acolhimento”. Focamo-nos muito e demos ainda mais força ao que é a componente de acolhimento, porque sabemos que em tempos de crise e em tempos de enorme incerteza, como aqueles que vivemos, a expressão “Acolhimento” e os programas que ajudam mais as pessoas, de forma mais coletiva, em rede, mas sem detrimento do que é a sua cultura individual, é o caminho certo para as pessoas nos escolherem como local para viver ou trabalhar.
Quantas pessoas tem o Fundão?
27.000 pessoas, grosso modo.
Quantas chegaram ao Fundão nestes últimos anos?
Sensivelmente 1400 pessoas nos últimos 6 anos.
“Antes da pandemia estávamos a receber um engenheiro por dia”
Vêm de onde?
São de 67 nacionalidades, com diferentes componentes e motivações. Diria que talvez Grã-Bretanha ainda seja predominante, seguida talvez pelo Brasil. O Brasil nos últimos dois anos tornou-se muitíssimo forte, nomeadamente na presença de quadros, devemos estar a receber dois engenheiros por semana, vindos do Brasil e isso é muito relevante do ponto de vista do crescimento do nosso ecossistema tecnológico. Começamos a receber um número já interessante de engenheiros vindos da Índia. Alguns também do Norte de África, de Marrocos, por exemplo, já começa a ter relevância. São de vários continentes, neste momento diria que temos pessoas de todos os continentes.
Antes da pandemia estávamos a receber um engenheiro por dia. 85% das pessoas que chegam são extracomunitários, de fora do nosso país e de fora da Europa, só para percebermos, também, os desafios da multiculturalidade que neste momento aqui se concentram. Até diria que é mais um tema interessante para se acompanhar e investigar: como é que em comunidades tão pequenas se juntam culturas e línguas tão diversas.
Como é que tudo isso se liga? 67 nacionalidades, numa comunidade com uma população ainda muito rural?
Já tínhamos ensino bilingue a partir do primeiro ciclo em escola pública, isso é uma vantagem, então em escola publica é uma vantagem redobrada porque é gratuito.
Já tínhamos equipas multidisciplinares associadas à integração de migrantes, porque já de há uns anos a esta parte pensámos noutras camadas como, por exemplo, as camadas ligadas aos refugiados ou as camadas ligadas aos trabalhadores agrícolas. Já estávamos a capacitar a nossa própria equipa para ter competências multidisciplinares que possam ajudar o acesso de pessoas que não falam a nossa língua.
Também tem impacto na demografia do concelho. Estamos a viver mais anos, o que é uma boa noticia, mas do ponto de vista produtivo, se não se fizer nada…
O desafio demográfico é uma tragédia e posso dar-lhe dados para saber qual é a minha projeção de necessidades para os próximos anos em termos de trabalhadores, que terão de ser emigrantes, para uma população de 27.000. Temos isso projetado e estamos a criar programas, já a pensar no médio prazo e no que isso significa.
“Qualquer pessoa, no dia que nos escolhe para viver ou trabalhar, é um fundanense, um fundanense de qualquer nacionalidade”
Que programas têm implementado no âmbito do acolhimento e da integração?
Criámos um Plano Municipal para as Migrações com múltiplas ações e já tínhamos uma vantagem na área da educação, que é aqui muito relevante, sobretudo para a integração de muitas crianças e jovens. As nossas famílias têm, geralmente, crianças até aos 14 anos que é o ensino bilingue na escola pública. Temos todos os nossos gabinetes já com capacidade de relacionamento com todas estas nacionalidades com uma vantagem de aprendizagem relativamente a algo muito importante, isto é um território de diáspora, de emigração, por isso nós também aprendemos e isso ajuda a uma relação tolerante das nossas comunidades para com aqueles que nos escolhem, os “novos fundanenses”, como lhes chamo, utilizo sempre a expressão do “novo fundanense”.
Qualquer pessoa, no dia que nos escolhe para viver ou trabalhar, é um fundanense, um fundanense de qualquer nacionalidade. Para mudarmos o que está na nossa cabeça, na nossa mentalidade: não é um estrangeiro que aqui vive, é um fundanense oriundo de qualquer país, qualquer continente. É uma abordagem que explicita logo como vemos esta questão e como a projetamos para o futuro.
“Vamos precisar de cerca de 7000 emigrantes nos próximos oito anos”
E sobre as projeções demográficas que falava? Quais são as vossas necessidades para manter a sociedade e a economia com vitalidade?
Tenho dois números: um é que para substituirmos aquelas pessoas que se vão reformar nos próximos anos dentro das nossas atividades mais tradicionais – os serviços, atividades industriais, construção civil, serviços de apoio a idosos, etc. – vamos precisar de cerca de 3000 emigrantes nos próximos oito anos. Depois temos o que chamo de parte aspiracional, as áreas que, na indústria e nos serviços, estão a crescer muitíssimo.
No Fundão, hoje, já não crescem só as tecnologias de informação e passámos dos famosos três engenheiros de há oito anos para, hoje, mais de 900. São muito poucos os pontos do país onde isso acontece. E para essas áreas aspiracionais, prevemos precisar de mais 4000 pessoas nos próximos oito a dez anos, ou seja, uma média de cerca de 400 pessoas por ano.
Por isso, cerca de 7000 pessoas entre oito e dez anos equivale a um saldo migratório mínimo de cerca de 600 a 700 pessoas por ano, o que representa uma necessidade e uma vontade de alcançar cerca de 2 pessoas por dia de saldo migratório positivo, em muitos anos.
Qual o impacto no planeamento do concelho, na habitação, educação, saúde?
Obriga-nos a planear a cidade, a olhar para as localidades rurais de outra maneira, obriga a pensar e programar serviços, obriga a transformar tudo o que temos em multilingue, a olhar para a multiculturalidade como uma questão central em termos do que é o posicionamento do nosso concelho, obriga a ver os subsistemas da educação, da saúde, do empreendedorismo, dos serviços ao cidadão, por exemplo acabámos de ver aprovada uma candidatura para criar o balcão do cidadão multilingue para ir de encontro as pessoas que estão fora do contexto central da cidade.
Hoje oferecemos também uma coisa que é interessante como tendência: temos as famosas cidades dos planeadores nórdicos, dos 10 e dos 15 minutos. Nós oferecemos isso, a concentração dos edifícios para áreas de serviços para as empresas e para os empreendedores, fazem com que as pessoas, a pé, façam a distância em menos de 10 minutos, para todos os serviços, ou quase todos.
Mas também há uma outra tendência, esta mais recente, que é a tal procura por casas de campo ou a tal quinta e esta questão leva-nos a outras, por exemplo a da conectividade. Quando pensamos na conectividade, já não pensamos só no que é o reforço do projeto piloto do 5G – não se esqueçam do interior relativamente ao 5G – seria uma daquelas oportunidades perdidas -, porque o interior faz parte dos tais 5% da população que não é obrigatório para atingir os 95%. Não cometam essa injustiça com o interior e não cometam essa injustiça e essa falta de visão para aquilo que o país hoje tem para oferecer, sobretudo nas suas áreas de menor densidade, em termos da sua competitividade no mundo, da atração do talento e da mão de obra que Portugal tanto necessita para o seu desafio demográfico.
O que pode o Fundão fazer para “empurrar” essas políticas públicas?
Fomos dos primeiros concelhos do país a conseguir dar resposta integral quando as crianças foram para casa e tiveram de criar o tele-ensino porque, no nosso concelho, todas as crianças a partir dos seis anos aprendem programação e, por isso, tínhamos os computadores e a conectividade para colocar nas casas de todas as famílias.
Mas estamos a olhar para a conectividade num sentido mais lato, para além dos perímetros urbanos. Já temos poucas aldeias, muito poucas, no nosso concelho, que não têm fibra. E queremos que no espaço de um ano, ano e meio, não haja nenhuma aldeia que não tenha fibra, nem a mais pequenina. E ainda queremos outra coisa, que não haja nenhum metro quadrado do nosso concelho para além da rede LoRa, que hoje temos e que ajuda muito, nomeadamente os projetos do agrotech, por exemplo, possa ter o equiparado a um 4G. E também queremos ser piloto no 5G relativamente a algumas vertentes e algumas áreas muito relevantes:
Onde estão as principais lacunas?
Porque o país é pequeno e porque não precisamos de ter tudo em todo o lado, precisamos é de estar organizados de forma que a pessoa, em tempo útil, possa fazer uma boa triagem e que depois possa ser orientada para uma rede de oferta de saúde que tem de estar, obviamente, disponível.
O país é tão pequeno que se pensarmos que vamos ter tudo em todo o lado é meio caminho andado para termos pouco nesses locais e eventualmente até desorganizarmos aqueles que já têm algumas capacidades. Aqui tenho uma visão de complementaridade e não de pensar que, por exemplo na área da saúde, vamos ter todas as especialidades, porque isso não faz sentido.
É um regionalista?
Sou um regionalista convicto e acredito muito na cooperação sub-regional como o caminho que nos pode levar a uma regionalização que possa também significar mais eficácia, mais capacidade, mais proximidade e até mais sustentabilidade do ponto de vista das políticas públicas. Para isso também temos de estar disponíveis para ver o que fica em contexto de complementaridade inter-regional, por exemplo, os centros hospitalares, e aí a tecnologia pode ser muito relevante, pode permitir que onde temos, no espaço de uma hora, três centros hospitalares, ver quais são as especializações de algumas áreas da medicina e permitir que em 25 minutos, meia hora, todos tenhamos acesso às tais competências mais especificas.
Mas, se me pergunta “O que é que nos faz mais falta”? Acho que há aqui uma parte, quando falámos em apostar nos centros de competência, na área de investigação. Contestámos uma das maiores candidaturas que alguma vez mobilizámos, no Agrotech, com mais de 80 entidades, que é para aplicação das TICs na área da agricultura e essa agenda não foi definida como prioritária para o país.
É aí que acho que temos de caminhar, mais centros de investigação. Não preciso de ter uma Universidade ou Politécnico para os fatores da investigação aplicados no nosso território, mas preciso de ter cá os docs e pós-docs que possam entrar mais na cadeia de valor para criar produtos de maior valor acrescentado, porque o mundo não para e as empresas tecnológicas têm de ser ainda mais tenológicas e ainda mais competitivas.
“Recebemos um pedido de informações por semana, nas áreas tecnológicas, de empresas que nos procuram. E já devem ter passado por aqui umas 100 startups”
As empresas não arrastam essa aposta na investigação?
Recebemos um pedido de informações por semana, nas áreas tecnológicas, de empresas que nos procuram para aqui se instalarem. Já significa um número curioso, são cerca de 50 por ano que nos procuram, e não estou a falar de startups, já devem ter passado por aqui umas 100 startups, é um movimento permanente. Estou a falar de empresas que já estão um pouco mais maduras. Isso acontece no setor tecnológico e acrescentava mais uma ou duas, por semana, nos outros setores, porque, de facto, entrámos no radar de muitos investidores e de muito investimento, diversificado. Atrás da componente das tecnologias, demos um empurrão em muitos setores, nomeadamente a relação com a componente agrícola que, hoje, é uma das tais especializações onde nos estamos a focar.
Mas o que me incomoda é que ainda sou muito pouco escolhido por parte de universidades e politécnicos do nosso país, para chegarem ao pé de nós e dizer: “Com a dinâmica, o hub e o ecossistema que aí estão, não querem ter aí um centro de competências nosso?” Porque aí ele seguramente vai florescer mais.
E porque acha que isso acontece?
Primeiro por uma razão que tem de se romper: é preciso é incentivar ou ver na legislação o que é a autonomia das escolas, universidades e politécnicos, ver como damos esse grau de motivação, rompendo o atavismo administrativo ou a desculpa administrativa. É preciso perceber que Centros de Competências podem-se abrir em qualquer lado.
Um centro de investigação deve poder ser deslocalizado, desconcentrado, descentralizado, onde possa haver ecossistemas mais florescentes. Se eu estivesse à frente de uma universidade, um politécnico, um centro ou uma rede de investigação, iria procurar estar e relacionar-me fisicamente com os ecossistemas mais florescentes nas áreas tecnológicas. Como é que um ecossistema que vai aproximar-se dos 1000 programadores e engenheiros informáticos e que cresce ao ano, sensivelmente, 250 a 300 programadores e engenheiros informáticos, não é dos ecossistemas mais florescentes que neste momento temos no país?
“Qualquer criança de seis anos tem de saber programar e fazer queijo”
Há uns anos, ouvi-o dizer “qualquer criança de seis anos tem de saber programar e fazer queijo”. O que esperam destas crianças de seis anos, daqui a vinte anos, quando forem eles a estar à frente, provavelmente de alguns projetos?
Nós temos nesse programa, chama-se Raiz e Asas, que é a nossa linha dorsal do que é um projeto educativo local que se posiciona no mundo e por isso linguagens universais de programação são ensinadas às crianças a partir dos seis anos, para todas as crianças na escola publica, mesmo nas escolas rurais. Temos cerca de 18 escolas, salvo erro, com cerca de 12 alunos e esses também aprendem programação, para perceber o alcance desta medida. Ao mesmo tempo o saber fazer: queremos que todas as crianças até aos 10 anos aprendam a fazer queijo. Estamos agora, até, a desdobrar para outras áreas como aprender a fazer uma peça de barro e também, na componente ligada à cereja, a parte de carpintarias e artesanato ligado à cereja.
Mas a questão do queijo é muito relevante porque é um dos produtos que mais realidades toca, desde a física, à química, a economia e as ciências agrárias. Não ensinamos só a fazer o queijo, os conteúdos académicos, da parte escolar, alguns são construídos a partir da fileira do queijo o que torna a aprendizagem muito mais prática e muito mais motivadora para as crianças. Estas duas vertentes encaixam, para nós, naquilo que é a nossa estratégia de combate ao insucesso escolar.
A nossa promoção do sucesso escolar – porque não gosto muito do combate ao insucesso, gosto mais de promover o sucesso, pela positiva – tem nestas duas vertentes bastante interessantes e diferenciadoras e que começam a dar resultados. Por exemplo, temos resultados na área da matemática, até ao 8º ano, que são as crianças que começaram há 6 anos, que mostram que ensinar programação e motivar para essa área, desenvolve a lógica e o cálculo e isso faz diferença. A questão da recuperação dos alunos com menor sucesso, a questão do saber prático nivela as crianças do ponto de vista da motivação, da sua autoestima, a sua ideia de trabalho de grupo e de valorização do próximo, que são bons companheiros de route para aquilo que é a sua evolução como pessoas.
Estas crianças, no futuro, vão ter uma identidade muito mais fortalecida, relativamente às experiências que tiveram no Fundão, e vão ter uma linguagem que vai ser obrigatória, vai passar a fazer parte das competências básicas em menos de uma década, que é a programação. Vamos ver o que antecipar uma geração vai fazer a estas nossas crianças. Tenho para mim que estas crianças vão, provavelmente, algumas delas, poder saber o que é trabalhar nos 5 continentes, a partir do Fundão.
Quando é que tomaram a decisão de passar de um produto bem sucedido como é a cereja para o que estão agora a querer, que é fazer do Fundão um ponto de referência obrigatório da agricultura da nova geração?
Como viajantes, fomos vendo algumas coisas pelo mundo. Estivemos no Brasil a ver alguns dos centros de biotecnologia mais importantes e, por isso, investimos num centro de biotecnologia vegetal na nossa região e que está a funcionar, somos investidores sociais. Tivemos contactos com Israel para perceber, na área das biotecnologias e sobretudo no que hoje chamamos de agricultura de precisão, nomeadamente na racionalidade da água, o que eles estavam a fazer. Fomos aos EUA, visitar o que de mais avançado se estava a fazer na área da cereja. Fomos ao Chile visitar alguns dos centros mais desenvolvidos. Visitámos alguns laboratórios em Itália, visitámos alguns campos no sul de França, campos académicos num sentido amplo em termos agrícolas onde estavam a aplicar de uma forma mais integrada aquilo que é a IoT (Internet das Coisas) na parte da agricultura.
O que concluíram dessas visitas?
Onde é que vimos falha de mercado? Onde é que vimos algo que ninguém estava a conseguir resolver. O teste de uma nova tecnologia na área agrícola é muito caro e se for no setor alimentar ainda é mais caro. Perguntámo-nos: mas porque é que é caro? É caro porque a relação com o agricultor não é óbvia, os campos académicos, os centros de investigação, geralmente, não estão no meio dos agricultores, muitos deles até estão em espaços urbanos, ou seja, a relação com o agricultor, com a produção em contexto real é muito difícil e, logo, torna-se muito cara porque obriga a uma deslocação. Obriga muitas vezes, a construir-se campos experimentais artificiais, em sítios onde custa muito mais dinheiro, onde o solo é caríssimo, etc,. Então dissemos “Ok, queremos apostar na área dos testes”, ter um ecossistema que facilite os testes em relação direta com o agricultor, em contexto real.
A segunda conclusão é um problema que nos apercebemos. Todos são excelentes mas, quando acabávamos estes roteiros, enviámos vários emissários em missões de diplomacia cientifica, se assim se pode chamar. Quando eles voltavam fazíamos sempre o exercício de dizerem os 3 ou 5 projetos mais relevantes que viram e chegando ao final cheguei à conclusão de que havia uns 30 projetos muito relevantes, depois de termos estado em quase todos os continentes a visitar centros de referência.
Então, se queremos montar um Centro de Demonstração Agrotech, precisamos de uma escala muitíssimo maior em termos de demonstração e também precisamos de ser um Centro de Demonstração. Não basta o teste, tenho de ter também onde aplicar o produto final, nomeadamente os protótipos.
“Não foi de Portugal que nos vieram desafiar, vieram as regiões espanholas. A região da Estremadura, que é um bocadinho maior que metade de Portugal, veio ter connosco”
E como é que estão a ganhar essa escala?
Não foi de Portugal que nos vieram desafiar, vieram as regiões espanholas. A região da Estremadura, que é um bocadinho maior que metade de Portugal, veio ter connosco: “Queremos ser vossos parceiros, expliquem-nos como estão a fazer e vamos juntar-nos a vocês. Temos os nossos campos tecnológicos na área agrícola, o nosso agrotech, e entendemos o que que dizem”.
Eu respondi que para já ainda não, porque tenho de ganhar escala em Portugal. Entrou-me aqui a veia patriota – para eu poder ter um diálogo com uma região política, estruturada como a Estremadura, também preciso de mais projetos no contexto português, de outro modo é muito desigual a relação entre um humilde Presidente de Câmara, com uma equipa e do outro lado toda uma região, com universidades todas agregadas e centros de investigação, muitos deles de natureza pública, como acontece na Estremadura.
Por isso o que começámos a fazer foi juntar, no país, tudo o que podiam ser projetos de agrotech e chegámos a uma conclusão muito interessante sobre o que é a aplicação das tecnologias na parte da agricultura. É que, de facto, o projeto mobilizador que referi não era a nossa primeira linha. O que estávamos a montar era o primeiro parque ibérico do agrotech que juntava Portugal com a região da Extremadura e como tal, em conjunto, podíamos fazer uma candidatura ao PRR. Infelizmente, não foi aprovada, mas temos as condições falar com a Extremadura e dizer que podemos avançar com um Parque Ibérico do Agrotech.
É um ganho muito grande para a investigação aplicada, porque temos desde os frutos secos às cerejas, aos outros frutos com caroço, às questões ligadas ao extensivo, à fileira do queijo, às questões do olival, da vinha. Se juntarmos a tradição mediterrânica que assume, por exemplo a região da Extremadura, em conjunto, talvez consigamos ter por ano, 10 projetos muito promissores. E esses 10 projetos muito promissores, num universo de, talvez, 130 ou 140 projetos em concreto, que temos em contexto real, já podem ser suficientes para competirmos no mercado global, para mais investigadores e mais conhecimento aqui se possam concentrar.
Somos um país pouco habituado a agregar, sobretudo quando o fator agregador não significa que só um manda
Que tipo de projetos tenciona ter nesse Parque Ibérico e quando se pode transformar numa realidade?
Diria que nos próximos seis meses vai ser uma realidade, porque o mais difícil já fizemos, que foi agregar. Somos um país pouco habituado a agregar, sobretudo quando o fator agregador não significa que só um manda. O país tem pouca mentalidade colaborativa, falamos muito facilmente na palavra “parceria”, estamos sempre a cooperar, mas concertamos pouco.
Temos caminho e vamos fazer um protocolo-chapéu para servir um modelo de governança de toda esta estrutura. Em que áreas? Vamos aos desafios: Climático, redução de riscos. Desde o maior risco que temos, o granizo, à questão da utilização da água de um ponto de vista racional e também os modelos de reciclagem da água. As estações meteorológicas de proximidade e também uma questão que às vezes nos esquecemos, é que para todos estes dados meteorológicos, é preciso data science para os trabalhar, por isso, precisamos de serviço partilhado de data science.
Depois, rastreabilidade. Queremos que os consumidores percebam a origem do produto e que a possam acompanhar. Já não basta falar da tendência, nomeadamente, da comissão europeia que tem aquele programa “Do prado ao prato”; nós queremos “Da mesa ao prado” em que o consumidor sinta que é uma parte participante, que é o agente da transformação.
A questão da introdução do Blockchain na área agrícola, em termos de segurança dos sistemas, em termos dos próprios modelos de negócio. Quem nos diz que daqui a alguns anos não haja alguns lotes da melhor fruta, da melhor marca a nível nacional, que possa pensar no Blockchain para a sua forma de entender, eventualmente alguma moeda digital como parte do seu marketing e do seu posicionamento no mundo. Os mercados são cada vez mais segmentados, a customização é cada vez maior e nós temos de nos preparar para isso.
A questão da Biotecnologia, dos agentes bióticos, sobretudo. Temos de estar preparados para o que é o desafio global da segurança alimentar, por isso a segurança alimentar é, para nós um fator muitíssimo relevante.
Mas também a responsabilidade Social. Pode parecer que não tem tecnologia, mas tem. Ter aplicações que possam permitir aos migrantes fazer opções sobre onde podem trabalhar e onde há ofertas de trabalho de forma coletiva e em várias línguas, pode facilitar e melhorar a integração dos próprios e evitar outras práticas menos válidas que muito nos preocupam. Estou a preparar um pacto com algumas marcas nacionais para que, em cinco anos, nos possamos comprometer que mais de 50% do trabalho na componente agrícola, será trabalho permanente e não trabalho temporário. Isso é Responsabilidade Social e também é tecnologia, também é Inovação Social que queremos trazer para o processo.
Qual é a próxima grande ideia para o Fundão?
A nossa próxima grande ideia, não é propriamente uma grande ideia, mas este conceito do Fundão – Terra de Acolhimento é algo que me parece que vai ser o farol que nos vai indicar o caminho.
Talvez a maior ideia que posso deixar para o nosso concelho é não ter medo e combater todas as condições que levam ao medo e ao preconceito. Essa é a grande ideia para o meu concelho para continuar a ser um concelho que cresça e que a atribuição do valor chegue a todos.
Nota: A entrevista foi realizada em dezembro de 2021 no âmbito do episódio The Next Big Idea sobre o Fundão, emitido na SIC Notícias, e editada para publicação online em julho de 2022.