Voltar | Trabalho

É tempo de voltar ao escritório?

por Abílio dos Reis (Texto) | 8 de Março, 2022

Escritórios

Será que chegou o momento de deixar o teletrabalho e dizer adeus às reuniões matutinas de pijama? A questão coloca-se na sequência das notícias sobre os intentos recentes de várias Big Tech. No espaço de apenas três dias, Google, Apple e Twitter anunciaram os seus planos para o regresso aos escritórios. O que leva a que isso seja motivo de interesse geral? Essencialmente, porque a sua decisão deverá levar a que muitas empresas nesta área olhem para dentro e reavaliem a sua própria situação.

Que a leitura desta introdução não induza ao erro. Escrever “voltar ao escritório” não significa um regresso aos moldes antigos para a esmagadora maioria das empresas. Nos Estados Unidos até podem existir casos como o da Goldman Sachs em que o regresso será total (há um ano o CEO considerou que o teletrabalho é “uma aberração”), mas são pontuais e há exceções (em situações de comorbilidades, por exemplo).

“O número de dias que uma pessoa vai ter de ir ao escritório pessoalmente nunca mais volta à média pré-pandemia, nunca”, explica Nick Bloom, professor de Economia da Universidade de Stanford, à The Atlantic, num artigo (“A semana de 5 dias de trabalho está a morrer”) cujo título espelha bem ao que se vai. Segundo o docente da prestigiada instituição, 95% das empresas vai optar pelo regresso num modelo híbrido, e as restantes 5% vão transitar para trabalhar de modo totalmente remoto.

O professor indicou ainda que segundo a sua investigação, na próxima década, os trabalhadores norte-americanos vão passar cerca de 25% do seu tempo a trabalhar a partir de casa (mais 20% do que antes da pandemia). A diferença é grande e está a obrigar as empresas a fazer uma escolha importante: ter um escritório mais pequeno ou aceitar o facto de que na maioria dos dias vão estar muitas cadeiras por ocupar. Não obstante, se tivesse que apostar, Bloom diria que as empresas vão optar pela última.

“A ocupação dos escritórios diminuiu, mas a procura de espaços por parte das empresas diminuiu apenas 1%”, diz. “Isto pode parecer chocante, mas acontece porque muitas empresas estão a planear funcionar num modelo híbrido e estão a contar que em alguns dias dias da semana esteja quase lotado, pelo que não podem abdicar do espaço”, justifica.

Big Tech a dar o exemplo

Mas o modelo híbrido não tem uma só chave ao estilo do Euromilhões (para receber o 1.º prémio, entenda-se) e cada empresa tem o seu plano. E são várias as que estão a anunciar os seus e a tentar figurar como é que será o futuro doravante. Pegando em três Big Tech, fazemos um rápido “descubra as diferenças” para realçar que não há uma única maneira de regressar ao modelo presencial num estilo híbrido.

  • Google: O dia no calendário para regressar ao escritório será o 4 de abril, num estilo híbrido, em que é esperado que os colaboradores se apresentem em carne e osso pelo menos três dias por semana (há que justificar o investimento de 2,1 mil milhões de dólares num edifício com escritórios em Manhattan, certo?);
  • Apple: A partir de 11 de abril, os trabalhadores (corporate) da marca da maçã terão de se apresentar no escritório uma vez por semana. Três semanas depois, a partir de 23 de maio, terão de se apresentar pessoalmente às segundas, terças e quintas-feiras;
  • Twitter: Os escritórios – a nível mundial – da rede social vão abrir a partir do dia 15 de março. No entanto, há uma grande diferença para os dois casos anteriores: a empresa vai deixar que sejam os seus colaboradores a decidir onde querem trabalhar. Ou seja, é a primeira grande empresa nos EUA a deixar que os seus trabalhadores trabalhem a partir de casa… para sempre (se assim o desejarem).

A questão de estas empresas voltarem aos seus espaços é importante porque é muito provável que muitos patrões queiram seguir este exemplo e exijam aos seus trabalhadores que o façam também. Afinal, se até a Google regressou à base porque não deverão as outras de o fazer?

Photo by Cess Idul on Unsplash

Depois é a tal coisa: apesar de ser cada vez mais natural para os trabalhadores estar a desempenhar as suas funções remotamente, existem chefes e líderes que têm receio que a produtividade seja inferiorou que as dinâmicas e rotinas de equipa sejam prejudicadas pela falta de contacto presencial entre os colaboradores (ou até incapacidade de aplicar a identidade da empresa).

No entanto, a realidade é que as empresas que forçarem os trabalhadores a ir regularmente ao escritório vão ter de inovar para os agarrar, pelo que terão de se reinventar. Uma ida ao escritório não pode ser somente uma ida ao cubículo letárgico do costume por capricho, tem de ser uma experiência — uma com conforto, dinâmica e com benefícios claro ao empregador. Não vale a pena oferecer piores condições ao trabalhador do que aquelas que tem em casa. Se assim não for… é provável que este procure outros ares. E não se pense que isto é caso exclusivo das tecnológicas.

A título de exemplo, a área das finanças também está a sofrer com a aceleração da digitalização provocada pela pandemia. Tanto assim é que Pedro Castro e Almeida, CEO do Banco Santander Portugal, enaltece o facto de a tecnologia estar a gerar uma “guerra” de talento nas finanças. Mais: João Duque, coordenador dos mestrados em Finanças do ISEG, alerta que a covid-19 alterou (uma vez que já existia) o modelo de fuga dos cérebros. “Viver com os custos portugueses e um salário alemão é o melhor de dois mundos”, realça.

Porém, convém deixar a nota de que apesar de muitos gostarem de trabalhar remotamente, há trabalhadores que não se importam com o regresso ao escritório. Aliás, um inquérito da Eden Workplace em 2021 revelou mesmo que 85% dos trabalhadores nos Estados Unidos o queriam fazer (52% indicou que para socializar com os seus colegas), sendo que a percentagem sobe para os 90%, no caso dos profissionais em início de carreira.

O (provável) adeus da semana a 5 dias

Mas entre gostar de ir ao escritório e a preferência de um trabalhador para ficar em casa, há outro modelo que está a ter atenção e mediatismo: a semana de quatro dias. Depois da Islândia, há outros candidatos (Estados) a procurar a viabilidade desta opção de maneira a adaptarem-se aos costumes de uma vida pós-pandemia.

Em fevereiro, foi a vez de o Governo da Bélgica chegar a acordo para um novo pacote de reformas económicas, que ditou que os belgas vão poder optar por condensar as 38 horas semanais de trabalho em quatro dias. O objetivo passa por aumentar a produtividade e qualidade de vida das pessoas, ao permitir um maior balanço entre a esfera pessoal e profissional. (Em Portugal já foi testado em algumas empresas e o PS até admitiu discutir essa hipótese.)

créditos: Unsplashed

Tudo isto para dizer: parece ser notório que os trabalhadores estão a olhar para esta opção e a considerá-la seriamente. Segundo o Quartz, nos EUA, um novo inquérito da Qualtrics revelou que 92% dos trabalhadores gostam da ideia de vir a trabalhar 10 horas diárias durante quatro dias, em vez de cinco durante oito. Um em cada três (37%) revelou ainda que escolheria uma semana de trabalho mais curta, mesmo que isso significasse uma redução salarial, e 82% disse que seriam mais produtivos com um horário condensado.

Este inquérito também revelou outro dado curioso e que espelha bem a complexidade para a vida das empresas no futuro: é que dado a escolher entre uma semana de 4 dias de trabalho ou ter poder para decidir o período em que trabalha, 50% disse preferir escolher a que horas trabalha, comparativamente aos 47% que assumiu preferir ter uma semana de quatro dias.

Em suma, parece que o futuro empresarial (dos que podem estar remotos) se resume a uma palavra: flexibilidade. Ao que tudo indica os trabalhadores estão de acordo em ir de vez em quando ao escritório, mas os patrões tem de estar mentalmente preparados para o facto de que oferecer um cubículo opaco à sexta-feira agarrado ao modelo tradicional não vai acrescentar nada a ninguém. Não vai trazer produtividade ao trabalhador insatisfeito, nem rendimento ao patrão à espera de resultados. Pelo que o melhor é encontrar um caminho que satisfaça ambas as partes.