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Com o Estado de Graça da Netflix a chegar ao fim, qual o futuro do streaming?

por Abílio dos Reis (Texto) | 31 de Maio, 2022

Netflix

Os ensinamentos de Aristóteles ditam que a estrutura clássica de um drama está dividida em três atos: apresentação (I), desenvolvimento (II) e conclusão (III). Se aplicarmos a referida na saga das “Streaming Wars”, com o Estado de Graça da Netflix em declínio e com vários players na contenda pelo seu domínio, estamos a entrar no segundo ato da narrativa. Ou seja, agora que a audiência já conhece as personagens e as suas motivações, é tempo de começar a desenvolver o arco da ação.

“É seguro declarar que o primeiro ato das streaming wars chegou ao fim”. Ou pelo menos assim reza um artigo da CNBC, que esmiúça o assunto e tenta perceber o futuro e para onde caminha o streaming. O que leva naturalmente a várias questões, nomeadamente:

1) Como é que é possível saber isso? 

  • Resposta curta: Porque a não ser que apareça algum player fashionably late e de surpresa na festa, todas as grandes empresas (tecnológicas e de media) que pudessem ter interesse em ir a jogo neste super intricado campeonato já o fizeram. Trata-se de um mercado difícil, custoso e extremamente competitivo, mas que inevitavelmente parece ser o futuro.
  • Os jogadores. Podem existir fusões e compras (do estilo da Amazon adquirir o estúdio do leão, o MGM) para baralhar as contas, porém, Amazon Prime Video, Apple TV+, Disney+, HBO Max/Discovery+, Netflix, Paramount+ e a Peacock – SkyShowtime parecem destinadas a reinar o mercado a nível global (sobre esta última cabe a curiosidade que abriu um novo hub em Aveiro e que deve chegar a Portugal ainda este ano).

2) Mas porquê abordar isto agora? Porque a guerra pelo domínio do território streaming voltou a ser tema digno de manchete no início de 2022 — culpa do facto de a Netflix ter anunciado que perdeu subscritores pela primeira vez numa década e que espera perder mais dois milhões no próximo trimestre. Informações que fizeram com que perdesse 50 mil milhões de dólares do seu valor nas últimas semanas.

  • Em resumo: Quando a empresa que revolucionou a maneira como consumimos filmes e séries (e a modos que passou a certidão de óbito aos canais por cabo) está em dificuldade para reter subscritores, os investidores começam a questionar o real valor destas empresas ligadas aos media e entretenimento. Ou seja, com o aparecimento de tantas e novas plataformas de streaming a lutar pela atenção de um número limitado de subscritores, o busílis do negócio (se é rentável ou não) começou a ser colocado em causa.
  • Paralelamente, os investidores parecem dar sinais de que já não vão na cantiga da Netflix, ainda que o CFO Spencer Neumann alegue que no mercado estão 700 milhões de casas disponíveis, que vai haver caça à password partilhada em várias contas e que o crescimento irá acelerar novamente no segundo semestre do ano.

Valem muitos billions, mas ações descem

Empresas como a Disney, Netflix e a Warner Bros. Discovery são autênticos gigantes no mercado, estando avaliadas em muitos milhões (dos billions) e gastam todos os anos outros tantos milhões (novamente, dos billions) em conteúdos originais para ter a atenção dos subscritores. No entanto, as suas ações têm vindo a perder valor.

  • A Netflix tem uma avaliação de mercado de 300 mil milhões de dólares, mas as suas ações desceram 67% desde o início do ano;
  • A Disney está avaliada em 290 mil milhões, mas as suas ações estão entre as que estão com pior desempenho no Dow Jones em 2022, tendo caído cerca de 30%. (Nota: isto acontece mesmo depois de ter angariado 20 milhões de subscritores nos últimos seis meses);
  • A Warner Bros. Discovery, o novo colosso da indústria, também viu as ações descerem mais de 20% desde que começaram a ser negociadas em abril (na sequência da fusão da WarnerMedia e Discovery), mesmo depois de ter reportado que os serviços HBO e HBO Max conquistaram 13 novos milhões de subscritores no último ano. 

Receitas e expectativas

Depois, há ainda prejuízos que também fazem retrair os investidores na altura de injetar dinheiro. Veja-se o exemplo da Disney. Só no último semestre, a Casa do Mickey e dos super-heróis revelou perdas de 887 milhões de dólares relacionadas com os seus serviços de streaming. Porém, está longe de ser a única. Tome-se o caso da Peacock, em que a Comcast (a dona) estima perder 2,5 mil milhões de dólares em 2022, depois de investir 1,7 mil milhões em 2021.

Mas isto significa que seguiram todos o sucesso da Netflix, mas ninguém espera lucro ou ser rentável? A resposta é… sim, claro que esperam. Se vai dar ou não, só o futuro dirá. No entanto, os executivos destas empresas sabiam que ia levar tempo até que os serviços fossem viáveis. Não obstante, a Disney espera que o Disney+ se torne rentável em 2024, assim como a HBO Max, a Paramount+ e a Peacock também esperam que os seus serviços consigam seguir as pisadas dessa rentabilidade na mesma altura.

E agora? 

  • Vai continuar a investir-se em conteúdos, mas a tendência é que no futuro se aperte o cinto;
  • Escrutinam-se escolhas (na HBO Max, por exemplo, já é sabido que não haverá loucuras e que a aposta reside na qualidade em vez da quantidade e em sequelas de conteúdo provado tipo Guerra dos Tronos);
  • Espera-se que os novos modelos de subscrição mais baratos, com anúncios, ajudem a encontrar novos clientes.

Ok, mas relativamente a este último ponto, atenção que… A oferta de subscrição mais barata por si só não chega. Ainda que existam pessoas que não se ralam com anúncios antes de cada episódio, se isso significar pagar menos, elas vão continuar a precisar de conteúdo original relevante para escolherem um serviço.

No entanto, ninguém duvida que o streaming veio para ficar. A televisão tradicional carece daquela coisa que hoje em dia a sociedade em alta rotação prefere: flexibilidade. E mesmo que os investidores não vejam os lucros observados durante a pandemia, o futuro parece ser este e não um regresso aos moldes antigos.