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António Dias Martins: “Acho ótimo as startups saírem da Europa para ir buscar mercado ou talento. Sair para ir buscar capital é mau sinal”

por The Next Big Idea | 20 de Novembro, 2023

António Dias Martins, diretor-executivo da Startup Portugal, faz um balanço do ano que passou, mas olha para o futuro com otimismo, dando destaque ao impacto que a nova Lei das Startups pode ter no ecossistema. A par, desafia Portugal a encontrar argumentos concretos para atrair investidores com capacidade para entrar em rondas de financiamento mais elevadas, de forma a garantir que não é por falta de dinheiro que as melhores empresas procuram outras paragens.

*Assista à conversa entre Rute Sousa Vasco e António Dias Martins aqui.

Duas semanas antes da Web Summit, António Dias Martins, diretor executivo da Startup Portugal, tinha feito uma espécie de quick preview do balanço do ano junto das startups que integraram o Road2WebSummit, o programa que apoia um conjunto de projetos a estar presente no evento. Do feedback obtido junto das startups destacou, na altura, as dificuldades no acesso ao investimento e, pela positiva, apontou a publicação, em maio deste ano, da Lei das Startups, com especial foco na cláusula referente à atribuição (e taxação) de stock options.

Em entrevista durante a Web Summit, percorremos a agenda de 2023 e olhámos para 2024.

Como foi este ano para as startups?

Este ano foi um ano de desafios e de algumas dificuldades para o empreendedorismo e para as startups em Portugal. A captação de investimento por parte de investidores baixou significativamente face ao ano anterior, uma redução superior a 50%. Por outro lado, a procura de talento tem sido um dos aspectos críticos, a dificuldade em atrair talento qualificado é cada vez maior. Há uma concorrência enorme com vários países, como Espanha, França, Alemanha e outros que, de facto, são muito atraentes para a instalação de talento qualificado. Estes são dois aspectos que preocupam e para os quais devemos apresentar soluções.

As startups estão a fazer o que têm de fazer neste contexto?

Não devemos dramatizar. Quando as condições são difíceis as empresas têm de se ajustar, e o ajustamento muitas vezes passa por ajustar a dimensão das equipas, dos recursos, suspender decisões de investimento, isso é normal no mundo empresarial. Estranho seria isso não ser feito, pois significava que estávamos a tomar as mesmas decisões quando o enquadramento muda, e não é isso que se pretende. O que vemos do lado das startups é uma enorme rapidez em reagir e em antecipar estes momentos complexos.

Em Portugal temos uma definição de startup para empresas com até 10 anos de atividade, até 50 milhões de euros de faturação e até 250 empregados

Uma das novidades que tivemos este ano foi aprovação da Lei das Startups, em maio deste ano. O que é que se destaca nesta Lei?

Foi um dos aspectos positivos deste ano. Promulgarmos em Portugal uma nova Lei das Startups, que é única na Europa e até no mundo, e que tem características que nos distinguem pela positiva em relação a outros países. É uma excelente novidade, desde logo porque esta lei estabelece o enquadramento legal para o conceito de startup e de scaleup — e fá-lo de uma forma bastante abrangente e inclusiva. Enquanto outros países definem statups por empresas que faturam anualmente até 5 milhões de euros, ou que têm até 5 ou 7 anos de atividade, em Portugal temos uma definição de startup que para empresas com até 10 anos de atividade, até 50 milhões de euros de faturação e até 250 empregados. É um conceito bastante inclusivo e abrangente. Por outro lado, definimos também a definição de scaleup, que é uma startup que já não cumpre os requisitos de idade ou de dimensionamento, porque os ultrapassada, mas é uma empresa tecnológica, inovadora, que faz parte do ecossistema e que cumpre os requisitos na Lei para se candidatar ao Tech Visa, cujo propósito é atribuir em condições vantajosas vistos de trabalho para colaboradores qualificados que se juntem as estas empresas. As scaleups também são abrangidas por novas medidas, incentivos e políticas públicas que se venham a desenhar especificamente para apoiar este tipo de empresas. 

O IRC é um critério importante porque não deixa de contar nas grelhas de comparação das condições que estas empresas e empresários consideram quando escolhem o seu país de destino

A maior flexibilidade na definição de uma startups significa um reconhecimento de que por vezes é preciso haver uma maior paciência com os modelos de maturidade de um negócio?

Em alguns setores de atividade, cinco anos é pouco, e portanto temos de dar mais tempo para que as statups provem que têm um produto que vale a pena perseguir e fazer crescer. Em ciências da vida, biotech, deeptech, cinco anos é insuficiente. Mas a Lei das Startups, que foi promulgada em 25 de maio deste ano, não traz só este enquadramento legal, traz também um novo regime legal para os planos das stock options, que são uma forma utilizada pelas startups para remunerar os seus colaboradores e atrair talento. 

Para além do salário fixo, os colaboradores têm acesso a uma parte pequena de ações empresa, para se motivarem e para se juntarem a estes projetos empresariais. Claro que para empresas com pouca liquidez e que querem atrair quadros muito qualificados, este é um argumento muito importante, porque para além do salário recebem uma parte do capital da empresa. 

E o que diz este novo regime das stock options? Taxa efetiva de 14% e aplicada apenas no final, quando o colaborador troca a ações a que teve direito em dinheiro. Antigamente o colaborador era tributado no início e depois, outra vez, no final. Esta nova lei permite uma distinção muito grande no nosso regime fiscal favorável a este tipo de planos. E neste Orçamento do Estado para 2024 prevemos ainda ter algumas afinações e melhorias a este regime, alguma das quais reclamadas por este ecossistema. 

Uma das discussões foi em torno de alterações ao IRC, nomeadamente uma redução para startups. A minha questão é se as stock options não são uma medida mais interessante para startups, uma vez que o IRC tributa lucros.

O IRC é uma medida bandeira que permite que Portugal se posicione como argumento. É uma forma de comunicar as vantagens que podemos dar a este tipo de empresas, mas na prática as empresas para os aproveitarem têm de apresentar resultados positivos, então provavelmente só mais tarde é que começaram a beneficiar dessa vantagem. No entanto, é um critério importante porque não deixa de contar nas grelhas de comparação das condições que estas empresas e empresários consideram quando escolhem o seu país de destino. No caso das stock options, era essencial porque o regime anterior era de tal forma desvantajoso que nos colocava a comparar mal, de forma absolutamente evidente, num mecanismo utilizado diariamente por este tipo de empresas. 

O que não é razoável é que nos EUA os maiores investidores em venture capital e startups sejam fundos de pensões privados e na Europa seja insignificante

A Europa já não compete mal com Estados Unidos em investimento de early stage, mas quando se passa para as últimas etapas de financiamento a Europa continua muito aquém, o que a prazo acaba por resultar na perda de jurisdição sobre as empresa e na perda de capacidade de influenciar o ecossistema. Como se pode infletir isso?

Isso é um problema que afeta toda a Europa, não é um problema apenas de Portugal. O que se passa é que na Europa não há qualquer tipo de estímulo ou incentivo para que grandes investidores privados, como os fundos de pensões, invistam parte do seu portfólio em venture capital ou em startups. Desde aqueles anos complicados, de 2008 até 2012/2013 que foi criada uma legislação especifica para proteger balanços e rácios de capital destas instituições financeiras e dos grandes investidores que prevêm que esta classe de ativos seja considerada e alto risco. Quando os investidores profissionais querem investir parte dos seus ativos neste tipo de empresa, startups ou venture capital, o que têm de fazer no momento zero é considerar 50% como perda à cabeça, é um género de provisão. 

E o que é que acontece nos Estados Unidos, por comparação? 

Quando os gestores de fundo consideram que há uma determinada classe que é muito arriscada, o que fazem é reduzir a percentagem de alocação do seu portfólio a essa classe em concreto. Mesmo que tenha uma perda total não se coloca em risco o perfil global do portfólio e podem mitigar-se perdas e atenuar o impacto que isso tem no portfólio como um todo. Estes gestores não precisam de regulação adicional, são profissionais e gerem a percentagem daquilo que têm e que querem alocar a cada uma das classes — e é isso que nós queremos na Europa. O que não é razoável é que nos EUA os maiores investidores em venture capital e startups sejam fundos de pensões privados e na Europa a participação dos fundos de pensões em venture capital e startups seja insignificante, reduzido ao mínimo. 

Mas estaremos aqui a fazer aqui um investimento tão arriscado que colocamos em risco a reforma das pessoas? 

Não estou a falar de fundos públicos, nem de seguranças sociais, estou a falar de fundos privados. O que acontece na gestão dos fundos privados é que são as instituições que gerem os fundos e os gestores profissionais que cuidam do perfil conservador desse fundo. O estar a provisionar à cabeça 50% de um valor é dizer “não faças”. O que acontece na Europa é que partimos em desvantagem. Quando uma startup bem sucedida europeia quer angariar uma ronda de 10, 15, 100 milhões de euros, invariavelmente tem de recorrer aos investidores americanos, que são financiados pelos grandes fundos de pensões americanos, porque na Europa não existe ainda um número suficiente de investidores para irem a estas rondas de capitalizações maiores. E isso coloca-nos numa desvantagem muito grande. E o que é que dizem estes gestores quando investem 50 milhões ou 100 milhões numa empresa? Dizem “quero que mudes a tua sede para os EUA porque é aqui que me sinto bem a investir, porque conheço o enquadramento jurídico”. E o que uma startup bem sucedida tem de fazer? Vai atrás daquilo que os seus investidores definirem. Então, invariavelmente, nestes casos de maior sucesso, está assistir-se a uma saída grande de startups ou scaleups da Europa e de Portugal, que invariavelmente vão para os EUA porque é lá que estão os grandes investidores, com grande capacidade.  

Quando os privados tomam conta e se sentem à vontade e asseguram o seu investimento, isto ganha uma estabilidade e uma sustentabilidade muito relevante

Há um quadro europeu, mas à escala de cada país o que é que se pode fazer?

Temos dois planos. No plano europeu implica mudar regras-base aplicadas a toda a Europa. É complexo, demora tempo, mas devemos iniciar esse caminho. E aí a Europe Startup Nations Alliance (ESNA) tem um papel importante. No plano nacional de cada um dos países, podemos apresentar a esses fundos de pensões privados compensações e garantias, benefícios que lhes permitam compensar essa desvantagem de reconhecerem à cabeça um valor tão elevado de custos quando pensam nesta classe de ativos. Enquanto as regras base de regulamentação europeia não forem mudadas, cada um dos países, e, neste caso, defendo que Portugal seja ativo nisso, deve apresentar argumentos concretos a esse tipo de investidores para que eles considerem esta uma alternativa viável para colocarem os seus ativos sob gestão. 

Isto tem duas vantagens, por um lado retém estas startups bem sucedidas nos nosso países, evitando que elas tenham de sair do país pelas piores razões. Acho ótimo que saiam do país para ir buscar mercado, para ir buscar talento ou com uma estratégia de internacionalização. Terem de sair para ir buscar capital é mau sinal. Nós devíamos ter cá condições para as financiar. Por outro lado, faz com que [as startups e o venture capital] estejam menos dependentes de fundos públicos e apoios públicos. Estes são muito importantes nesta área, mas não garantem uma sustentabilidade a longo prazo. Os investidores privados é que garantem uma sustentabilidade a longo prazo deste tipo de empresas. O Estado é chamado a intervir quando há gaps ou quando os privados não acorrem. Aí faz sentido haver dinheiro público. Quando os privados tomam conta e se sentem à vontade e asseguram o seu investimento, isto ganha uma estabilidade e uma sustentabilidade muito relevante. 

Em Portugal, do ponto de vista de promover uma ligação mais reforçada entre startups e investidores, o que é que está planeado?

Acabámos de lançar uma conferência anual que vai ter a sua primeira edição no Porto, entre os dias 2 e 4 de maio, na Alfândega, e que vai servir exactamente para fazer a ligação entre startups e investidores. Vai chamar-se SIM — Startup Investors Matching e vai ser totalmente focada em mostrar aos investidores portugueses e internacionais que vamos convidar o que de melhor se faz no ecossistema empreendedor português. Temos desde já o apoio da Câmara Municipal do Porto e queremos que seja um evento de referência em Portugal de ligação destes dois stakeholders deste nosso ecossistema.

Em que é que diverge da Web Summit?

Eu diria que é complementar. É uma abordagem nacional, mais íntima, mais curada, devemos apontar numa primeira edição para 4/5 mil participantes. O que queremos é que seja suficientemente focada neste relacionamento entre investidores e startups de maneira a que não haja mais distrações e promova um relacionamento direto, próximo e eficaz, e que daí venham muitos e bons negócios e contactos. 

Quem vem à Web Summit consegue contactar com uma multiplicidade de entidades que de outra forma levaria meses

Olhando para esta edição da Web Summit, qual é o sentimento em relação à forma como está a correr?

Está a ser uma edição fantástica. Apesar de tudo o que se passou [a saída de Paddy Cosgrave e o recuo na presença de grandes marcas ] as startups acorreram. Temos tido stand de Portugal e de Lisboa cheio permanentemente, temos tido uma programação variada e nesta edição do Road 2 Web Summit trouxemos 115 startups a exibirem-se aqui em condições muito favoráveis. 

Estas startups têm acesso a uma preparação que começa muitas semanas antes: levamo-las a investidores e a parceiros, a conhecer outras delegações de startups que vêm de todo o mundo para a Web Summit. Na véspera da Web Summit, por exemplo, tivemos um workshop com 400 participantes com startups de todas as delegações estrangeiras que visitaram Portugal por estes dias e ainda vamos ter um concurso de startups deste Road 2 Web Summit que vai premiar a startup mais promissora com um prémio de 15 mil euros patrocinado pela Galp e premiar a mais entusiasta e com maior trabalho feito na área da sustentabilidade e do impacto. 

Na Web Summit participam 2600 startups, 305 portuguesas, portanto para estas 115 que vêm no programa Road 2 Web Aummit há acesso a um conjunto de atividades e programas que depois permitem que elas se evidenciem. A Musiversal, que ganhou a Road to2 Web Summit no ano passado conseguiu angariar cerca de 2 milhões de euros nos meses a seguir e teve uma visibilidade enorme, além de um conjunto de iniciativas posteriores, o que mudou totalmente o seu percurso. 

Temos uma Web Summit mais profissional, mais de negócio, e menos de entretenimento? 

Eu penso que sim. À medida que os anos passam nós vamos sentindo que os participantes utilizam muito a aplicação que a Web Summit disponibiliza para marcar reuniões e estabelecer contactos, e vêm já com uma agenda pré-estabelecida. Quem vem à Web Summit consegue contactar com uma multiplicidade de entidades que de outra forma levaria meses. Isto permite com uma enorme facilidade de exposição e acesso, tanto nestes três dias, como nas semanas antes e nos eventos laterais. A Web Summit é um pretexto excelente para promover e facilitar contactos entre os diferentes agentes do ecossistema — e acho que as startups portugueses aproveitam cada vez melhor e preparam-se com grande antecedência e grande profissionalismo.