Masterclass com André Albuquerque: Como construir um produto?

por The Next Big Idea | 20 de Março, 2023

Para André Albuquerque, gerir produto é uma arte, tem tudo a ver com a capacidade de compreender o que as pessoas querem, precisam ou valorizam mesmo quando estas não o dizem. Depois, é preciso ter mais amor ao problema do que ao produto, porque raramente o primeiro produto é o certo e dificilmente será o final. Por fim, é aprender a fazer o menor número de perguntas possível para chegar a uma solução e iterar, iterar, iterar.

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O que é gestão de produto?

“A Google ensinou-me a pensar em grande”. Foi na gigante tecnológica que André Albuquerque iniciou o seu percurso profissional. É, nas suas palavras, “um aluno de artes”, chegou mesmo a entrar em Arquitetura, mas quando percebeu que achava mais interessante gerir um escritório de arquitetos do que desenhar uma casa, deu o salto para Gestão, na Católica.

Hoje olha para criação e gestão de produto “como uma forma de arte”, que passa pela capacidade “de compreender o que uma pessoa quer sem que ela o diga”. Talvez por isso sempre tenha tido a ambição de usar o que estava a aprender para “criar algo que alguém usasse e dissesse ‘uau, isto é realmente diferente, interessante, resolve-me um problema (…) Estou a escolher pagar por isto porque é a melhor versão do que eu procuro'”.

A passagem pelo Google — na sequência de uma candidatura espontânea e depois de 6 ou 7 entrevistas — não só o ajudou a perceber “o que são produtos que impactam milhões de pessoas”, como mostrou a André Albuquerque que a sua paixão é por “empresas tecnológicas que acabaram de começar, e onde cada pessoa vale por si”. Assim, passou pela Uniplaces, depois por projetos de fintech e hoje está na Kitch, que conjuga com o projeto de formação em gestão de produto “One Month PM”. Não tem a menor dúvida de que “produtos de escala e qualidade global podem ser criados em Portugal”. Foi isso que acabou por determinar o regresso de Dublin e é “a razão por que continuo cá e quero cá continuar”.

As experiências anteriores foram determinantes na forma de pensar. Na Uniplaces encontrou “três fundadores com uma visão global”, e uma rotina em que “cada dia havia um desafio novo”, o que acabou por moldar a forma como gere hoje equipas. A Kitch, à qual se juntou quando não era muito mais do que um powerpoint, fez-lhe todo o sentido depois de ficar uma hora e meia sentado num restaurante à espera que o prato lhe chegasse à mesa, porque a cozinha não tinha capacidade de resposta para os pedidos que estava a receber presencialmente e em regime de take-away. Estávamos em 2019 e “o mundo da restauração online ia explodir”. “Aí bateu-me que a Kitch fazia imenso sentido. Ter uma cozinha fora daquele espaço [do restaurante], focada nas pessoas que estão a fazer pedidos em casa e com muito menos custo. Foi isso que me motivou a dizer ‘sim’ ao Rui Bento [co-fundador da Kitch]”. O problema foi quando, a 13 de março de 2020, com tudo pronto para o lançamento da primeira dark kitchen, a Kitch bateu de frente com a pandemia e os confinamentos que esta impôs ao país, esvaziando restaurantes e obrigando-os a dedicar as suas cozinhas exclusivamente aos pedidos para fora. “Em 48 horas a equipa deu a volta e refizemos o produto, porque o problema mantinha-se: como é que eu lido com entregas online para dar resposta na cidade inteira?”

“Só sobrevive quem se adapta”, vaticina André. E a gestão de produto é isso mesmo: um processo em que se percebe que o foco está em resolver um problema e não o produto em si. “Gostava mais que se chamasse gestão de problema do que gestão de produto”, ironiza. “Nem todos os problemas se resolvem com um produto e, no final do dia, o cliente quer que lhe resolvam um problema”. Assim, reitera, “a gestão de produto foca-se perceber qual é o problema, como é que o cliente pensa nesse problema e toma decisões para o resolver, como é que ele escolhe qual a melhor forma de o fazer, como equilibra as hipóteses e toma essa decisão”. Passa tudo por “compreender a pessoa que toma a decisão” e “colocar o nosso produto na melhor posição para ser escolhido”. Parece simples, mas não é, até porque “raramente a primeira forma de produto é a certa ou a melhor, e nunca é a forma final. Gestão de produto é entender esta realidade e estar continuamente a iterar e a melhorar”, conclui.

Como construir um produto?

Para André Albuquerque, a gestão de produto compreende “sempre dois trabalhos: o de criar o produto certo e o de criar o produto da forma certa”. E explica: “Criar o produto certo é criar algo que as pessoas querem, que resolve um problema e o faz de forma melhor — e é por isso que os escolho acima de outros. Mas para fazer isso mais do que uma vez, e continuarmos a fazer evoluir aquele produto, temos de o fazer da forma certa. Ou seja, criar os processos para que a equipa inteira perceba qual é o problema, qual a forma certa de construir o produto, como é que se entrega esse produto a um cliente e como se mostra que o nosso produto é a melhor forma de resolver aquele problema”. “Eu acho que muitas startups, a maioria, acaba por morrer porque não constrói algo que o utilizador quer e que resolve o problema da forma certa”.

E o que vem primeiro, o problema ou o produto? “Há excepções”, reconhece André, mas, na maioria dos casos, “identificamos o problema e daí construímos algo para o resolver, uma versão pequena e rápida que se consiga testar”. Depois, é preciso ter em consideração que existem essencialmente “três fatores que fazem uma pessoa escolher um produto: ou é porque torna algo mais rápido, ou é porque resolve o problema de forma mais mais barata ou é porque a experiência é mais conveniente”.

Daí que muito do papel do empreendedor seja “perguntar o porquê, o que falta, o que não está bem”. Depois, “a diferença está em quem faz as perguntas certas ou consegue chegar a uma resposta com o menor número de perguntas possível”, sabendo que “só a melhor tecnologia acaba por se destacar”. E de dúvidas houver, André Albuquerque lembra: “é gratuito pensar enorme”, o resto é trabalho.

O que podemos aprender com Apple, Uber e Airbnb?

Apple, Uber e Airbnb são o ponto de partida para André destacar três empresas que se distinguiram por fazer as perguntas certas no tempo certo. “Normalmente existe sempre um produto anterior [àquele que estamos a construir]”, pelo que a primeira coisa é tentar perceber “de que forma é que aquele produto limita o utilizador”. Depois, é preciso entender “o que motiva as pessoas a apaixonarem-se por um produto”.

“A Apple compreendeu a importância do status naquela peça peça de tecnologia [o smartphone]. (…) O Airbnb construiu uma experiência que não existia antes, pelo menos a uma escala global, e criou um mercado”, assente num produto com capacidade para dar confiança às pessoas para terem estranhos a dormir no seu sofá. Já a Uber, “pegou num mercado que já existia e pensou: o que é que hoje não torna isto [de andar de táxi] uma experiência fantástica? Desde não saber que caminho estou a levar, não ter qualquer controlo sobre o preço, e, a pior parte, chegar ao final de uma viagem e ter de ter trocos”.

E muitas vezes a inovação implica quebrar com o status quo, sendo talvez a Uber o exemplo manifesto disso mesmo. Para André Albuquerque, “existem dois tipos de regras: as regras para proteger as pessoas e as regras para proteger as empresas que já lá estão”. “Quebrar as regras que protegem as pessoas devemos evitar, porque se existem e fazem sentido, as empresas devem olhar para elas com muito respeito. Alguém passou por uma realidade em que aquela regra não existia, sofreu com isso e a regra foi criada para evitar que mais pessoas sofram com isso. Essas são as regras que devemos seguir”. Mas, ressalva, “a maioria das regras existe para proteger a indústria que já lá está ou que sempre lá esteve, e essas são as regras que devemos abanar. Vai ser difícil, porque a industria que lá está não quer sair (…), provavelmente tem mais capital e mais acesso a quem desenha as regras. Por outro lado, quem desenha as regras não tem incentivo para as mudar”. É “um risco” escolher esta abordagem, mas “para quem consegue há retorno”.

O que é a One Month PM?

Além da Kitch, André dedica boa parte do seu tempo à One Month PM, onde faz formações online para gestores de produtos, cujos cursos chegam a ter mais de mil pessoas em lista de espera. “Eu tive o clique a meio de 2020. Já dava aulas na Católica sobre produto e o feedback era sempre muito positivo, e depois era abordado por empresas para ensinar produto internamente”. Sempre gostou de ensinar, mas o processo era demorado, a Kitch exigia ainda muito da sua atenção. A reposta foi fazer tudo online em horários pós-laborais, com custos que estivessem ao alcance da maior parte das pessoas. Lançou o primeiro curso da One Month PM e “em 24 horas tinha mais de 50 pessoas a inscreverem-se”. Ainda esse mesmo curso não tinha arrancado e as inscrições efetuadas dariam para ocupar “um ano inteiro” de formações online, conta. Estava feita a prova de conceito.

Hoje, a One Month PM já não passa só pelo André Albuquerque, tem cinco programas de formação a correr quase todos os meses, com 20 a 30 edições por ano. “O feedback continua a ser positivo e a lista de espera continua a crescer”, diz.

Se é verdade que “não há um formato único de criar produto”, também é facto que “há coisas que tendem a funcionar melhor que outras”. E “eu costumo dizer que é quando acabamos de construir produto que tudo começou, porque até esse momento, mesmo que façamos muitas perguntas, o cliente ainda não teve de puxar do cartão de crédito ou foi obrigado a desistir daquilo que já usava [para resolver determinado problema]”.

Está tudo na gestão do processo, reitera. “Coloquei cá fora [o meu produto], agora é que vou ver o que funciona e o que não funciona, vou começar a corrigir o que não funciona e vou começar a reforçar o que funciona”. Talvez esta seja “a razão pela qual é importante as pessoas apaixonarem-se pelo problema e não pela solução. É que, no fim do dia, nós escolhemos fazer algo com um propósito. Afinal, recorda, ninguém compra uma [furadora] Black+Decker porque quer um buraco na parede, a pessoa quer é pendurar o quadro. A frase não é sua, mas resume em muito a forma como olha para a “arte” de gerir produto.

Especial Únicos

O projeto “Únicos” propõe-se dar resposta à pergunta sobre o que torna uma empresa única e de que forma essa aprendizagem pode ajudar outras. Fizemo-lo num projeto em parceria com a Google e a Shilling que se divide em três iniciativas:

  • Uma série de televisão na SIC Notícias e na SIC Internacional, cuja estreia aconteceu a 2 de outubro e cujos episódios pode rever aqui;
  • Um conjunto de masterclasses com fundadores de startups portuguesas que se tornaram globais, onde estes partilham o seu percurso e aprendizagens, que pode encontrar aqui;
  • O Prémio “Únicos, que apoiará com mais de 150 mil euros (entre investimento e serviços Google) uma startup que possa vir a integrar esta nova geração de empresas portuguesas que são líderes ou candidatas a líderes nos mercados globais onde atuam.