Web3, NFTs, Criptomoedas. Se é 99% especulativo, 99% vai morrer – e isso não é mau
por The Next Big Idea | 25 de Julho, 2022
Construir. Focar no produto. Ser útil. Reconhecer o valor. Estas são as palavras mais ouvidas sobre o futuro da Web3 – e de tudo o que lhe está associado – no momento em que as empresas enfrentam o “mercado do urso”.
Há uma pergunta recorrente quando algo de novo surge em qualquer mercado – e a Web3 não é exceção. Como se sabe que valor tem e quem lhe reconhece esse valor? Uma das premissas da economia é que o valor é definido entre quem compra e quem vende, mas isso não significa que seja um acerto racional e objetivo. Se o fosse, não havia especulação e é por causa de haver especulação que se pode ganhar muito e perder ainda mais.
“Há uma miserável falta de cultura na indústria hoje. Quando pensamos num ativo digital, se não existir o reconhecimento intrínseco do valor do que estamos a comprar e a única que nos leva a comprar é o fim especulativo – e é esse para 99% das pessoas nesta área – automaticamente temos um gráfico sobe e desce que é um Ponzi”. A intervenção de Fred Antunes, CEO da Real Fevr no painel sobre criadores de Web3 que fechou a conferência “Web3: The New Creator Economy” no Festival Elétrico colocou o dedo em praticamente todas as feridas.
“A especulação foi má, mas foi boa porque sem ela não estávamos aqui hoje a falar disto”
“Se calhar a única coisa que vai fazer a distinção neste mercado e neste momento, é o fantástico bear market, porque como 99% é especulativo, 99% morre, o que é a maior oportunidade para construir coisas de valor para o futuro”. A frase é profética e, mesmo que muitos a relativizem, antecipa um horizonte de dificuldades e perdas nos próximos meses.
Marco Oliveira, Chief Innovation Officer da Uphold, concorda, mas discorda também. “O hype [da Web3, NFTs, etc] foi bom. A especulação foi má, mas foi boa porque sem ela não estávamos aqui hoje a falar disto, incluindo o público”. Daqui para a frente, e aqui concorda, tem efetivamente de se focar no valor. “Ou se dá valor para que não seja um hype inicial e vá até zero ou é só especulativo”. Exemplo disso, avança, é o lançamento do NFT de Cristiano Ronaldo. “O que é que faço com isso? NFT é tornar mais tangível uma coisa que é intangível que é a relação entre o criador e o detentor, não pode ser só especulativa”.
Uma das formas tangíveis de criar valor tem sido testada na indústria de gaming. “Em jogos é imperativo que se aplique NFT e a tecnologia blockchain para descentralizar e dar valor ao tempo investido pelos jogadores”, afirmou Pedro Cabaço, CEO da Volt Games. E exemplificou, de novo com o nº7 da Seleção Nacional: “Se o Cristiano Ronaldo ao passar do FIFA 15 para o FIFA 16 com a tecnologia blockhain não perde valor [não volta à estaca zero], valoriza-se o tempo do jogador”.
Mas a especulação está em toda a parte – e o gaming não é exceção, nomeadamente nos jogos em que há recompensa monetárias, nomeadamente em criptomoedas [o P2E – Play to Earn já gera receitas para alguns jogadores superiores a fazerem streaming na Twitch, a plataforma de eleição dos gamers]. “Discordo da designação play to earn, deveria ser play and own ou score and own. A longo prazo, o mindset de ir ganhar dinheiro fácil não é sustentável”.
É por isso que também para a Volt Games, que quer “fazer NFTs para todos e não só para os criptobros”, a utilidade e o valor são decisivos no momento atual.
E aqui volta a necessidade de se entender um mercado que é complexo. Para Fred Antunes, tudo começa por se entender o lado técnico, usando as ferramentas e plataformas da Web3.
“A primeira coisa que todos deveriam ter antes de qualquer outro estudo super intelectual sobre o que vai ser o futuro da web3 é mesmo pegar em 10 euros e comprar um satoshi [nome a quem se atribui a invenção da blockchain em que foi criada a Bitcoin], ter uma Bitcoin, self custody, não é num Exchange, na vossa propriedade, instalarem uma meta mask, conseguirerm transacionar assets de um sítio para o outro”.
Se o leitor nunca transacionou em criptomoedas, não se assuste se tudo lhe parece uma linguagem estranha – que efetivamente é (e continue a seguir-nos no the Next Big Idea onde vamos acompanhar estes temas de forma a que se tornem acessíveis a todos) . Mas são tudo termos que fazem parte do dia-a-dia de quem investe em criptomoedas ou tem negócios na criptoeconomia – e esse era o ponto a que queria chegar o CEO da Real Fevr, o do domínio dos conceitos através da prática.
Um dos exemplos em que a Web3 pode mudar as regras do jogo – ou onde há pelo menos expectativas que o possa fazer – é na propriedade que os criadores têm sobre o conteúdo que colocam nas redes sociais. Mesmo no YouTube, que é regularmente notícia pelos YouTubers que ganham milhões, falta quase sempre dizer que são uma infíma parte da comunidade – a esmagadora maioria, mais de 97%, não ganha mais com o conteúdo que gera do que aquilo que é assumido como a linha de pobreza nos Estados Unidos. Ou seja, não poderiam viver desse conteúdo, ainda que no conjunto toda a comunidade faça do YouTube e da sua empresa-mãe, a Alphabet, a mesma do Google, seja um dos grandes vencedores da Web2, com receitas perto dos 7 mil milhões de dólares.
“A democratização do sucesso da ownership nas plataformas é uma das possibilidades da Web3”, corrobora Marco Oliveira, ilustrando com outro exemplo, o do Instagram, pátria dos influencers. Mas deixa o alerta: “É preciso não esquecer que é sempre preciso ter uma boa ideia e convencer outros que é uma boa ideia”.
“Quando falamos em Web 3 Creator Economy é a maior capacidade de geração de valor que a humanidade teve até hoje”
Para Fred Antunes, há uma outra área que pode ter na Web3 uma solução melhor que a atual – e que é precisamente a da criação de startups com descentralização da criação de riqueza por todos os colaboradores, sejam internos ou externos, através de tokens. “É a maior experiência que tenho tido na Real Fevr nos últimos 3 anos. Temos muito poucos bugs, nunca tivemos um problema de cibersegurança numa plataforma que funciona com 2 milhões de pessoas e isto acontece porque não é só a equipa da Real Fevr, são todos os que têm tokens e que colaboram de forma descentralizada e autónoma numa espécie de equity comunitário descentralizado. Quando falamos em Web 3 Creator Economy é a maior capacidade de geração de valor que a humanidade teve até hoje”.
A par com a distribuição de riqueza há também a utilização das funcionalidades da Web3 e da criptoeconomia para o acesso a financiamento. “Na Real Fevr tenho zero de divida bancária, porque o meu edge à equity financing é feito através da criptoeconomia. Com taxas de juro negativas temos liquidez de cripto, com recessão e com o mercado a deixar de ter dinheiro gratuito, temos equity finance. A Web3 permite evitar divida bancária e mitigar equity finance, porque quero ser proprietário do meu projeto e que os meus colaboradores e equipa sejam proprietários do projeto e não ter uma VC que vem buscar 50% do meu equity. A criptoeconomia dá este ar, esta respiração, mas a tentação é nunca caírem no ponzi, porque aí vai-se a filosofia”.
A mensagem comum é a mesma: “a ideia que é fácil fazer milhões overnight é fake, este mundo não funciona assim”.
“Era mais simples se o NFT não se chamasse NFT”
Se a dinâmica da criptoeconomia dominou boa parte do painel, uma outra questão mereceu igualmente debate – até porque é esse o desafio das startups, em qualquer etapa da web e nesta em particular.
Como escalar vendas, nomeadamente quando a economia de NFTs depende muito da exclusividade ou de ter em posse algo único, logo não escalável?
“Criamos humanos digitais a partir de uma selfie e tudo o que estamos a falar são ficheiros (seja seres humanos, peça de luxo, seja uma skin para uns ténis)”, explica Verónica Orvalho, fundadora da Didimo, que está otimista com as possibilidades. “Hoje quem tem um telemóvel pode criar produtos e podemos mudar a forma como desenvolvemos produtos”.
Este otimismo visto de quem trabalha a infraestrutura de suporte tem implícito que há uma escolha possível na distribuição do conteúdo criado. “Pode ser certificado ou pode ser aberto, posso querer transacionar o meu ficheiro ou partilhá-lo livremente”, refere, sublinhando que a tecnologia permite o reforço da ligação entre quem cria e quem detém, com espectros diversos de utilização – ainda que hoje limitados aos parâmetros das grandes plataformas de publicação de apps, que são a Google e a Apple, e que ficam com 30% da receita gerada.
A Valaclava é uma startup web3 que cria roupas e, em simultâneo, o seu gémeo digital que é um NFT. Lui Larocheski, Lead Arquitect na empresa, partilhou os próximos passos que passam, por exemplo, com uma parceria com um dos jogos com maior adoção no mercado, o “Call of Duty”. “Há muitas possibilidades na gestão deste tipo de ecossistemas. Podemos ter uma skin [o aspecto visual, ou a ‘roupa’ do nosso ‘boneco’ digital] dentro de um jogo ou de wallet para wallet podemos, por exemplo, oferecer uma bebida num evento de uma determinada marca”.
Ou seja, para quem cria, o horizonte é frutuoso. Ainda que, diz Lui Larocheski, “era mais simples se o NFT não se chamasse NFT, seria mais inclusivo”.