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Web Summit: Procura-se CEO

por Abílio dos Reis (Texto) | 24 de Outubro, 2023

“Vou demitir-me do cargo de CEO da Web Summit com efeitos imediatos”. Foi assim que Paddy Cosgrave, rosto da Web Summit para os portugueses, anunciou no sábado que ia afastar-se da liderança da conferência que trouxe para Lisboa em 2016, na sequência dos comentários que fez sobre o conflito entre o Hamas e Israel. O que leva à questão: e agora?

É uma frase que não espanta mediante os acontecimentos dos últimos dias (já lá iremos), mas que ainda assim não deixa de ser estranho escrever após vários anos de habituação: Paddy Cosgrave já não é o diretor executivo da Web Summit.

O irlandês deixou a liderança e o cargo de CEO durante este fim de semana, no sábado, depois de várias Big Tech, como a Alphabet, Amazon e Meta, terem comunicado que iam renunciar à conferência, a ter lugar em Lisboa entre 13 e 16 de novembro, na sequência da sua observação sobre o conflito entre Israel e o Hamas em Gaza.

“Infelizmente, os meus comentários pessoais tornaram-se numa distração do evento, da nossa equipa, dos nossos patrocinadores, das nossas startups e das pessoas que compareceram”, explicou Cosgrave num comunicado enviado a vários meios internacionais como a Bloomberg.

O que se passou?

Paddy era o rosto da Web Summit, empresa que liderava e co-fundou em 2009 na Irlanda com David Kelly e Daire Hickey (não se fala tanto nisso, mas a Web Summit não organiza só eventos; é igualmente uma empresa de software, pois detém o Summit Engine, um sistema que engloba as plataformas utilizadas para fazer, por exemplo, a sua app ou construir a sua base de dados).

A polémica em torno do evento começou depois de Cosgrave ter criticado na rede social X, no dia 13 de outubro, o apoio ocidental à resposta militar de Israel ao ataque do Hamas. “Os crimes de guerra são crimes de guerra mesmo quando cometidos por aliados, e devem ser denunciados pelo que são”, destacou o agora ex-CEO, que se referia à decisão inicial de Israel em cortar a eletricidade e bloquear a entrada de alimentos, combustível, água e outros abastecimentos, dando a mais de um milhão de palestinianos 24 horas para abandonarem as suas casas e evacuarem para o sul da Faixa de Gaza.

A repercussão das palavras de Paddy fez-se logo sentir. Na Internet através das respostas de outros utilizadores da X (como o empreendedor David Marcus, ex-Facebook, que o acusou de apoiar terroristas), em Portugal pela voz do embaixador israelita Dor Shapira — que primeiro acusou o irlandês de ser “incapaz de deixar de lado as suas opiniões políticas extremistas e denunciar as atividades terroristas do Hamas contra pessoas inocentes”, depois anunciando que Israel não iria participar na Web Summit devido às “declarações ultrajantes” de Paddy.

Dois dias depois, Cosgrave alongou na X a sua publicação inicial, escrevendo que considera que aquilo que o “Hamas fez é ultrajante e repugnante”, mas que Israel “não pode estar acima da lei internacional” — e que “não ia ceder”.

#cancelwebsummit

Na terça-feira, dia 17, com o coro de críticas a crescer e a virem de vários quadrantes (de investidores a figuras importantes do mundo tecnológico), Paddy publicou uma declaração mais extensa no blogue da Web Summit a clarificar a sua posição. O título era bem elucidativo: “Pedido de desculpas”.

“Condeno sem reservas o ataque maléfico, repugnante e monstruoso do Hamas a 7 de outubro. Apelo igualmente à libertação incondicional de todos os reféns”, escreveu, assinalando também apoiar “inequivocamente o direito de Israel a existir e a defender-se”. Todavia, acredita que, ao defender-se, “Israel deve respeitar o direito internacional e as Convenções de Genebra – ou seja, não cometer crimes de guerra”, pode ainda ler-se.

O pedido de desculpas estava dado e a sua visão esclarecida. Mas não foi suficiente. Quando Shapira informou que Israel não ia participar na conferência, rapidamente apareceu a hashtag #cancelwebsummit e surgiram notícias de que nomes de peso como a Meta, Google, Amazon, Intel, Stripe ou a Siemens iam boicotar o evento. A par, houve também um grupo de investidores israelitas que emitiu uma declaração conjunta apelando que outros seguissem o caminho das Big Tech.

Ainda não se sabe ao certo o impacto desta renúncia conjunta, mas já é sabido que alguns dos que fizeram boicote já reverteram a decisão após o comunicado de sábado.

E agora?

Segundo a organização, a Web Summit vai continuar tal como o previsto e um novo CEO será apontado em breve. Portanto, entre os dias 13 e 16 de novembro, a cimeira tecnológica estará de volta à Altice Arena e aos pavilhões da FIL, pronta a receber dezenas de milhares de participantes como tem feito desde 2016, altura em que entre críticas e alegadas falta de Wi-Fi, Paddy trocou Dublin por Lisboa.

Nesse ano, a Web Summit chegou a Portugal apenas para uma estadia trianual. Mas como a relação entre Web Summit, governo e autarquia se revelou harmoniosa, estendeu-se a ligação até 2028 (com algumas turras pelo meio devido ao tópico Expansão FIL). Em 2022, foram mais de 70 mil os que visitaram a capital portuguesa para assistir à conferência. Em 2023, veremos quantos mil serão. 

Quanto ao futuro da Web Summit, há toda a questão do legado. O/a próximo/a CEO não vai só herdar o evento que ficou conhecido como “Davos para os Geeks”. O legado de Paddy, para o bem e para o mal, garante que longe vão os tempos em que a conferência se fazia para 400 pessoas. Saltaram-se oceanos e conquistaram-se outros continentes. Estreou-se no Rio de Janeiro o ano passado, em 2024 vai estar no Qatar e há que contar ainda com as “conferências-irmãs” Rise (Hong Kong) e Collision (Toronto). Não é fácil continuar a crescer e a expandir ano após ano.

No entanto, é certo que alguém novo vai ter de assumir a liderança. Cosgrave tentou ser a “Suíça” ao longo dos anos e em Portugal sobreviveu a um jantar no panteão, a camisolas de lã de quase 800 euros e convites feitos a Marine Le Pen e ao site Grayzone. Mas algumas das empresas e sponsors que ajudaram a fazer crescer o seu evento consideraram que os seus comentários sobre o conflito do Hamas e o Israel cruzaram a linha do razoável. Ainda pediu desculpas, mas não chegou. Agora, resta saber quem será o senhor ou senhora que se segue. E esperar para ver se muda ou continua a visão do irlandês.