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Viva Technology. No palco de inovação da Europa procura-se um caminho

por Miguel Magalhães (Texto) | 16 de Junho, 2025

Paris recebeu mais uma edição do “VivaTech”, uma das maiores conferências de tecnologia do mundo inteiro, entre os dias 11 e 14 de junho, e estivemos a acompanhar os principais acontecimentos. As Big Tech marcaram todas presença, bem como delegações de praticamente todos os países – incluindo Portugal – que procuraram posicionar as suas regiões no panorama tecnológico e económico.

França é atualmente a capitã de uma equipa chamada União Europeia. Nos últimos anos, com eventos como o “Brexit”, a maior instabilidade alemã após a saída de Merkel e a rápida evolução das tecnologias de inteligência artificial, grande parte da estratégia da presidência de Emmanuel Macron passou por posicionar a economia francesa como o destino ideal para qualquer europeu que queira inovar ou para qualquer empreendedor “estrangeiro” que queira vir criar algo de novo na Europa.

Há vários exemplos que demonstram esta crescente relevância e o melhor deles será a conferência Viva Technology, organizada pela Publicis e pelo Jornal Le Parisien em Paris. A 9ª edição, que decorreu entre os dias 11 e 14 de junho, levou à capital francesa executivos de todas as grandes tecnológicas mundiais e delegações de regiões de praticamente todos os cantos do mundo. A mensagem de todos era clara: para compreender o mercado europeu e as suas movimentações aquele era o local para estar.

Percorrer os longos corredores da Paris Expo Porte de Versailles, onde decorreu a conferência, foi ver esta dinâmica em ação. Em primeiro lugar, um claro showcase do melhor que as marcas francesas têm para oferecer um mundo, com grupos como a LMVH (da Louis Vuitton), a L’Óreal ou a Total Energies a mostrarem como estão a inovar nas suas respetivas indústrias. Depois, dezenas de ativações de algumas das principais Big Tech – Microsoft, Salesforce, AWS, Meta, Aramco, Tencent, IBM, NVIDIA, Tesla, entre muitas outras – maioritariamente focadas em como estão a utilizar inteligência artificial nos seus diferentes serviços. E, por último, as “pequenas embaixadas” de cada país, com a missão de apresentarem as suas startups e as suas pessoas, com o objetivo de fomentar relações económicas num mundo que, ao mesmo tempo que o VivaTech decorria, parecia estar a afastar-se um pouco mais.

Entre milhares de conversas nas zonas de exposições e entre as centenas de sessões que passaram pelos diferentes palcos do evento, não é fácil resumir quais foram os principais tópicos de discussão, mas a maior parte deles entrou dentro de uma das seguintes categorias: 1) qual será o real impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho; 2) como é que a Europa se pode posicionar para rivalizar (ou colaborar) com os EUA.

Creditos: Viva Technology

IA, mostra-nos o caminho

No final de maio, Dario Amodei, o CEO da Anthropic, afirmou num evento que a inteligência artificial ia acabar com 50% do “entry level jobs”, ou seja, os trabalhos destinados a pessoas em início de carreira, que finalizaram a sua formação académica. A ideia não é propriamente nova, mas é uma extensão do impacto da IA para além dos empregos menos qualificados e com uma menor literacia tecnológica. O VivaTech, ao juntar as principais personalidades do setor tecnológico, foi a oportunidade para algumas exercerem o seu direito de resposta.

Uma delas foi Jensen Huang, o fundador e CEO da NVIDIA, que foi uma das empresas em maior destaque na conferência com o seu “side-event” NVIDIA GTC. No VivaTech, Huang basicamente discordou por completo da posição de Amodei e preferiu destacar a necessidade ter controlos de segurança e de ser transparente quanto à sua existência, algo que, na sua opinião, a Anthropic nem sempre tem sido.

Sarah Friar, a CFO da OpenAI, também comentou o tema numa sessão moderada por Nicolas Thompson, CEO da The Atlantic, onde escolheu fazer uma comparação. “Nos anos 90, quando foi lançado o Excel, também se expeculou que ia acabar com o trabalho dos contabilistas, que tinham décadas de experiência a criar e gerir os diferentes registos de contas de uma organização. E não foi isso que aconteceu. Houve uma curva de aprendizagem e acabou por ter um impacto positivo nesses empregos”, explica.

Yann Lecun, Chief AI Scientist da Meta, e Thomas Dohmke, CEO da Git Hub, também contribuíram para a discussão. O primeiro acrescentou que “o nosso foco deveria ser em desenvolver as máquinas para as tarefas onde não somos muito bons, certo? Essa vai ser a melhor forma de humanos e computadores trabalharem em conjunto”, enquanto que o segundo referiu que “existe o mito de que a IA vai significar menos humanos nas nossas empresas, mas isso só vai acontecer se assumires que vamos estar a construir no futuro exatamente o mesmo que estamos a construir agora. Mas se a IA vai desenvolver 99% da programação, quem vai rever todo esse código?”.

Entre o pessimismo e o otimismo, a grande diferença entre os executivos parece estar na escala do impacto, dado que nenhum deles consegue prever já com alguma exatidão onde é que a tecnologia poderá chegar a médio e a longo prazo, nem como é que a vamos integrar no nosso dia-a-dia, seja a nível individual, seja ao nível das empresas. Depois há também a própria narrativa que interessa mais a cada empresa: se eu detenho a tecnologia que está na base de todo o bom funcionamento operacional da inteligência artificial, é normal que queira que o máximo de organizações a use e que diga que o futuro é incerto e temos de ir aprendendo com o caminho; se eu afirmo ter os modelos de IA mais seguros do mercado, o mais importante para mim é alertar para os perigos iminentes e posicionar-me como a tecnologia de referência para os enfrentar. A maior parte das empresas a trabalhar com IA estará algures neste espectro.

Créditos: Viva Technology

O que é que a Europa precisa de fazer?

Era a questão na mente de muitas das delegações europeias e de startups que, apesar de desejarem perseguir “o sonho americano”, querem um mercado europeu forte que lhes permita mais do que ser só um ponto de partida. Mais do que nunca, a inovação tornou-se num dos pilares da agenda da União Europeia e várias organizações têm destacado a necessidade de mais investimento e de maior alinhamento entre os diferentes estados-membros para poder competir com EUA e China em termos económicos e tecnológicos, nomeadamente em inteligência artificial. 

“Há três coisas que são necessárias para a Europa desenvolver a sua própria IA. A primeira é cultural, porque a tecnologia está a gerar conteúdo, está a influenciar a forma como pensamos, então precisamos de ter controlo e customizar o sistema. A segunda é estratégica, porque não podemos ter entidades estrangeiras a ter as chaves do sistema que estamos a utilizar para as nossas infraestruturas mais importantes na defesa, na energia e em serviços governamentais. E por último, nós podemos enquanto europeus impulsionar o nosso ecossistema tecnológico e os nossos líderes”, disse numa das sessões do VivaTech Arthur Mensch, CEO da Mistral AI, a startup francesa que é a principal referência europeia em inteligência artificial.

É este o principal desafio da Europa ao mesmo tempo que procura respeitar o compromisso de regular estas tecnologias da melhor forma e tentar precaver os seus potenciais riscos, algo que apesar de correto, acaba por também estar relacionado com os atrasos que são observados relativamente a outras nações mais “relaxadas” em termos legais. No entanto, um dos sinais positivos da conferência em Paris foi o acordo geral entre as diferentes delegações europeias de que têm de fazer pontes, têm de falar umas com outras e criar condições para que cada uma das suas startups possa mais facilmente circular mais facilmente entre os diferentes estados. Durante o Viva Technology, estivemos a acompanhar a missão portuguesa liderada pela Startup Portugal, que no âmbito do programa Business Abroad, levou mais de 20 startups a Paris e teve pela primeira vez um stand no evento, onde estiveram a decorrer várias destas conversas com delegações de todo o mundo.

O panorama geopolítico internacional diz-nos que há urgência em encontrar soluções de colaboração entre diferentes nações e de criação de condições económicas, tecnológicas e legais para que possamos defender o modo de vida que construímos nos últimos 50 anos. Eventos como o Viva Technology antes podiam não ter nada a ver com estas questões, mas hoje são provavelmente as principais portas de diálogo e de partilha de conhecimento.