Gonçalo Santos Lopes: “As fintechs são uma grande oportunidade para a Visa se poder reinventar constantemente”
por Miguel Magalhães (Texto) | 23 de Fevereiro, 2024
Em conversa com o The Next Big Idea, Gonçalo Santos Lopes, Country Manager da Visa em Portugal, abordou a evolução do negócio da gigante dos pagamentos, a relação com as fintechs e a aposta na inteligência artificial.
A Visa chegou a Portugal há 54 anos, em 1970. Foi o segundo mercado europeu a ser uma aposta da tecnológica americana a seguir ao Reino Unido, primeiro que outras regiões como a Alemanha, França ou Países Nórdicos, com economias mais desenvolvidas. Numa época em que se discute a necessidade de investimentos estrangeiros e a vinda de grandes multinacionais para o país, é peculiar que, em plena ditadura, uma das empresas de maior relevância para o nosso dia-a-dia decidiu expandir-se para cá.
Mas nas últimas décadas, o país mudou e a Visa também. As constantes mudanças tecnológicas e económicas desafiaram a missão da empresa de ser o elo e ligação entre as pessoas e as instituições financeiras. Nas palavras de Gonçalo Santos Lopes, Country Manager da Visa em Portugal, “mantém-se fiel à mesma”, com a natural adaptação aos novos tempos.
Nesta entrevista, tivemos conversámos sobre a relação da Visa com consumidores e empresas, a aposta da Visa em inovação, nomeadamente nas fintechs, o impacto da inteligência artificial no setor dos pagamentos e ainda das tendências a considerar para o ano de 2024.
A Visa já tem um percurso de quase 70 anos, em que a premissa base foi sempre poder ser o elo entre as instituições financeiras e as pessoas, para terem um acesso mais facilitado ao seu dinheiro através da sua rede. Como analisa essa relação aos dias de hoje, com todas as transformações económicas e tecnológicas que temos observado nos últimos anos?
O nosso objetivo e a nossa missão é ligar as pessoas, sejam elas consumidores, empresas e também as pessoas que fazem parte de uma sociedade. É por isso que dizemos que a Visa liga a economia. E essa foi a visão original da Visa e mantemo-nos muito fiéis e acho que as alterações todas que têm ocorrido nos têm ajudado a mantermos essa ideia original que era a de as pessoas poderem viajar em qualquer parte do mundo e usar o seu cartão em lojas físicas. Hoje em dia, a nossa missão ampliou-se para sem que eu saia do sítio onde estou posso usar a minha credencial, que agora pode ser só um cartão digital em qualquer parte do mundo e podemos ligar economias, podemos usar também as credenciais Visa para transferir dinheiro entre pessoas em qualquer parte do mundo. O fundador da Visa, Dee Hock [que faleceu no ano passado], teve esta visão de que um dia todos os pagamentos seriam eletrónicos e acho que estamos a cumprir tudo aquilo que imaginou e ainda mais. A missão da Visa mantém-se muito atual e isso tem sido um dos nosso segredos, temos procurado sempre inovar para garantir a nossa missão de ligar as pessoas, de ligar as instituições financeiras, naquela que é a nossa missão, que é ser a melhor forma de efetuar e receber pagamentos.
Para o consumidor comum, a Visa é aquele logo que vemos nos nossos cartões de débito ou de crédito, ou numa determinada plataforma online quando queremos efetuar uma compra. Mas a verdade é que a empresa tem feito um investimento cada vez maior no segmento B2B e numa oferta de soluções mais alargada para as empresas. Como olha para a ligação da Visa a este segmento?
A Visa tem alargado o seu espectro de atuação e inicialmente focava-se muito apenas nos consumidores e em ligar os consumidores a comerciantes. Hoje em dia, o nosso objetivo já não é só fazer pagamentos, é a movimentação de dinheiro. Uma das coisas que podemos pensar é que podemos enviar dinheiro daqui [Portugal] para qualquer parte do mundo recorrendo à rede Visa, seja um particular, ou seja, uma empresa. Eu posso fazê-lo com rapidez, de forma instantânea e com segurança, com as garantias que a Visa me oferece. Isso nos dias de hoje, de facto, é uma grande evolução e é nesse sentido que temos vindo a construir soluções globais não só para movimentação de dinheiro entre consumidores, entre pessoas, mas também permitir que eu possa transferir dinheiro de uma credencial Visa para uma conta bancária ou de uma conta bancária para um credencial Visa. Esse é o aspeto fundamental. Na parte B2B, sem dúvida que temos o mesmo problema que é a movimentação de dinheiro a nível internacional. É um processo bastante, bastante burocrático, que nós tentamos simplificar e torná-lo mais acessível a todos.
Uma coisa que nós aprendemos desde a formação da Visa é que a inovação é feita de forma colaborativa, ou seja, não é a Visa que decreta que há uma inovação.
Gonçalo Santos Lopes
Em relação a exemplos de iniciativas da Visa, concretamente em Portugal e a coisas que tenhamos feito nos últimos anos, além de, obviamente, continuarmos a trabalhar com aqueles que são os clientes da Visa, que são os bancos, as instituições financeiras e aqueles que têm a relação com os consumidores e com os comerciantes, trazendo novas tecnologias, como é, por exemplo, o contactless, ou como foram as wallets digitais, que vieram transformar completamente o setor dos meios de pagamento em Portugal, fazendo com que haja uma digitalização dos pagamentos, uma digitalização da economia com todos os benefícios que isso traz para o consumidor em termos de segurança e de rapidez. Por outro lado, além dessa criatividade core da Visa, temos tido a preocupação de inovar. Um bom exemplo é o que fizemos com o Metro de Lisboa e também no Porto, com os transportes intermodais do Porto, em que conseguimos fazer com que qualquer cartão Visa a nível global, os nacionais e os que são emitidos lá fora, possam funcionar no Metro, simplificando o processo da viagem, evitando que eu tenha de comprar bilhetes, tornando a mobilidade mais acessível a todos, mais confortável e contribuindo para que tenhamos uma sociedade um pouco mais equilibrada.
Isto também se aplica, por exemplo, às fintechs?
Em relação às fintechs, a Visa tem-se mantido uma empresa de topo mundial pela sua característica de querer inovar constantemente. E uma coisa que nós aprendemos desde a formação da Visa é que a inovação é feita de forma colaborativa, ou seja, não é a Visa que decreta que há uma inovação. As coisas são feitas sempre em conjunto com as instituições financeiras, com os comerciantes e com todos os que acedem à rede Visa.
As fintechs têm-nos permitido, por um lado, desenvolver ofertas mais interessantes para os consumidores, até para as empresas e, por outro, simplificar imenso tudo o que seja a parte dos pagamentos. Eu diria quase torná-la mais simples e até invisível. É o que nós chamamos de embedded finance, isto é, já não é a parte do pagamento que importa, mas a vertente de autenticação e de segurança para os consumidores.
E existem outras áreas nas quais a Visa também faz esse trabalho invisível?
Em Portugal, também temos uma outra área que não é tão tecnológica e é mais de capacitação do comércio tradicional e do comércio local através da digitalização. Uma vez que Portugal é um destino turístico, temos tido uma grande preocupação de fazer chegar a aceitação de cartões Visa a todos os comerciantes nacionais, de forma a que eles possam rentabilizar os cartões dos clientes estrangeiros para Portugal e possam aumentar as suas vendas. Ao mesmo tempo, Portugal é um país que produz coisas de excelência. Lembro-me sempre do azeite, dos vinhos, da roupa e porque é que as PMEs portuguesas muitas vezes pensam em vender só para a sua cidade ou para o seu país, quando nós temos produtos que podem ser vendidos a nível global? E aí nós temos desenvolvido ferramentas, trabalhando em conjunto com as instituições financeiras, e temos criado conteúdos, por exemplo, no site da Visa, que explicam como é que se efetua e recebe pagamentos, permitindo que essas PME possam digitalizar os seus negócios e vender e comprar lá para fora, recorrendo aos cartões da Visa.
Com a natural evolução do negócio, é expectável que a Visa seja obrigada cada vez mais a adaptar-se às novas atividades que movimentam dinheiro (como as fintechs) e a deixar de ser apenas um ligação entre as instituições financeiras e pessoas. Como é que isso impacta a abordagem da empresa aos serviços que disponibiliza?
As fintechs são uma grande oportunidade também para a Visa se poder desenvolver e reinventar constantemente. A forma como se movimentam é muito mais rápida. Eles pensam e executam, até pela sua estrutura, de uma forma bastante mais rápida. E isso traz-nos desafios para nos adaptarmos à velocidade deles. Tem sido um excelente desafio. Hoje, quando pensamos na Visa, pensamos numa rede aberta a todos aqueles que se conseguem ligar e beneficiar de uma escala global. Por exemplo, em Portugal, a Coverflex começou connosco no mercado português e lançou a sua oferta de benefícios com base no cartão VISA e está agora a expandir-se para outros mercados. Portanto, é um exemplo de como nós conseguimos ajudar uma fintech a construir uma proposta de valor, a construir um negócio, a desenvolver-se e expandir-se com escala já em três mercados. O objetivo fundamental em trazer inovação e beneficiar consumidores, empresas e todos na economia.
E que contributo pode ter um programa como o Visa Innovation Programme Europe?
É um programa em que, no fundo, estamos a trabalhar com as fintechs no sentido de as ajudar a desenvolver as suas propostas de valor, a capacitá-las, de modo a poderem ter contacto com os nossos clientes tradicionais e haver uma colaboração. Esse é um dos objetivos. Por outro lado, pô-los em contacto com potenciais investidores aos quais a Visa tem acesso e, por outro, ajudá-los a melhorar as suas propostas de valor e a conhecer todo o nosso portfólio de soluções e produtos. E, com isso, tivemos oito finalistas em Portugal e Espanha, três deles empresas portuguesas. Vamos ter uma segunda edição já no próximo e contamos continuar a acelerar o ecossistema de fintechs em Portugal que não estão necessariamente ligadas a pagamentos. Estão, por exemplo, ligadas à parte de crédito de risco e os modelos de scoring que são interessantes para os nossos clientes. É uma grande aposta da Visa que vai ser para continuar.
Avançando para o tema da Inteligência Artificial (IA), como vê o impacto que as diferentes tecnologias podem ter no setor dos pagamentos, não só da perspetiva dos consumidores, mas dos próprios negócios que ainda procuram posicionar-se?
A inteligência artificial tem um aspeto crucial que é a prevenção de fraude. A Visa já utiliza tecnologias de inteligência artificial desde 1993. Construiu centenas de modelos e produtos para ajudar a prevenir as fraudes. Eu já tenho muitos anos desta indústria e, de facto, nós podemos ver qual é a probabilidade de uma transação ser fraudulenta e ter uma rede global com modelos a alimentar um scoring que nos permite parar determinadas transações porque elas têm uma alta probabilidade de ser fraude. Com isso, conseguimos, por exemplo, no ano de 2022, através de uma ferramenta que se chama Visa Advanced Authorization, evitar fraudes com um valor estimado de 27 mil milhões de dólares a nível global. Quando olhamos para os meios de pagamento em cartão como a Visa, nós adicionamos um grande valor que é esta questão dos modelos de prevenção de fraude que outras soluções não têm. Oferecerem garantias para os consumidores que nós já conhecemos, como eu comprar uma coisa online, não receber bem, ir ao meu banco, reclamar da transação e o montante ser-me creditado. Isso é uma coisa que muitas vezes nós não temos perceção. Temos também a utilização da inteligência artificial para desenvolver modelos de autenticação em e-commerce, aquilo que nós chamamos o Risk-Based Authentication, para garantir que fazemos autenticações fortes e seguras e que a pessoa que está a fazer uma compra é mesmo a detentora do cartão.
E isso é uma tecnologia já integrada nas aplicações dos bancos com os quais a Visa trabalha?
Exatamente. O objetivo não só nas mensagens de autorização, que não é naturalmente visível para o consumidor porque fica ao nível do banco, mas a nível das transações. No momento da autenticação, existe a possibilidade de ver qual é a probabilidade de haver uma fraude naquela transação e, depois, ainda há um segundo momento, que é o momento de autorização em que, em função de uma série de centenas de dados possíveis, como país do utilizador, IP, entre outros, eu posso fazer um tracing dessas transações e com isso parar a fraude.
O desenvolvimento destes serviços é feito in-house ou a Visa colabora com outras empresas do setor da IA para os desenvolver?
Este tipo de produtos, até pela sua sensibilidade em termos de risco, desenvolvemos in-house, mas fazemo-lo em colaboração com diversas entidades e especialistas. Nós trabalhamos na prevenção de fraude, mas na realidade também temos um ecossistema montado na prevenção de fraude, porque quem contribui para a prevenção não é só a Visa, são todas as instituições financeiras pela troca de informações que fazem entre si. Isto, hoje em dia, com a digitalização, é muito mais fácil do que era há 20 anos, em que, quando havia uma probabilidade de fraude, o banco telefonava a dizer “Não autorizem essas transações, porque o que este cartão está comprometido” e pronto.
E, além da prevenção da fraude, há outras oportunidades na IA?
Nós também estamos a fazer esse caminho. [A descobrir] como é que pode ajudar o nosso negócio e melhorar a nossa proposta de valor. Eu acho que há aqui um aspeto fundamental, que é também pegar na utilização pelos clientes dos seus cartões e perceber como é que os produtos, as soluções, podem ser mais direcionados a cada um. Eu acho que esse é um caminho que a inteligência artificial também pode trazer – uma maior personalização das experiências ao gosto de cada consumidor. Depois, temos aquelas tarefas do dia-a-dia. Por exemplo, ter que ler um manual de processamento de transações de 600 páginas e andar para ir à procura de uma questão como eu muitas vezes tive de fazer. Hoje em dia, eu posso fazer isso com inteligência artificial e, em vez de tirar uma hora para ler o manual, fazê-lo de uma forma muito mais rápida. É um desafio interessante sem dúvida e que contribui para mais inovação nos pagamentos.
Olhando para o futuro, quais são as tendências que vão marcar o setor dos pagamentos em 2024, tendo em conta o atual contexto tecnológico e económico?
Eu tenho uma tendência que não é assim tão tecnológica, mais de negócio, mas que acho que é muito importante e está relacionada com o regresso das viagens. Foi um fenómeno muito forte após a pandemia e mantém-se. Eu acho que é um dado fundamental para a economia europeia e sobretudo para a economia portuguesa. Na Visa temos a expectativa de que nos próximos 12 meses, no setor das viagens, o nível de consumo e gastos em lazer se mantenha. Estima-se que os consumidores ponderam fazer duas viagens de lazer no próximo ano, o que são ótimas notícias, porque sabemos o que Portugal tem beneficiado das exportações via turismo. E nós na Visa também temos assistido a um crescimento muito interessante do turismo nos mercados tradicionais europeus, mas sobretudo de fora da Europa, em que temos recebido muito mais pessoas, o que é uma excelente para a nossa economia.