Vidros do carro congelados no inverno? Há forma de não voltar a acontecer
Imagine que está a sair de casa num dia de inverno rigoroso. É cedo, ainda não há sol, faz frio. Quando chega ao carro, que ficou estacionado na rua em frente, vê que tem os vidros completamente congelados. Por isso, tem duas hipóteses: correr para trás para ir buscar água quente ou ligar o ar condicionado e esperar.
E se houvesse uma terceira forma de resolver o problema? Algo que, sem ter de se preocupar, desembaciasse o vidro; um composto que já lá estivesse e agisse por si só.
Emanuel Carlos, investigador no CENIMAT-i3N – Centro de Investigação de Materiais, explica ao The Next Big Idea (TNBI) como funciona esta recente tecnologia que pode vir a mudar o dia a dia de muitos condutores — mas também em casa.
Tudo começa com nanofios de prata, invisíveis a olho nu. “Estes materiais são transparentes porque são muito fininhos, ou seja, têm um diâmetro na ordem dos nanómetros, mas depois têm um comprimento na ordem dos micrómetros, ou seja, são bem grandes”.
Por isso, podem ser usados como uma espécie de revestimento do vidro. “Basicamente, é como se utilizássemos uma pistola de spray, como as utilizadas para pintar carros, e neste caso tem lá estes materiais funcionais, esta tinta condutora que é transparente. Assim, são utilizados estes nanofios de prata que depois são dispersos uniformemente”, ao mesmo tempo que é utilizada uma “solução à base de óxido de alumínio”, que permite “encapsular os nanofios de prata” para que não oxidem, explica.
Ao aumentar a quantidade de material, “a condutividade também aumenta”. Na fase da aplicação, ao aplicar uma voltagem, a resistência aumenta localmente. Nessa altura, vai “aumentar a temperatura do vidro”, o que permite que descongele.
Desta forma, é possível aplicar tal tecnologia para criar “vidros inteligentes”, quer para carros, quer para as janelas de casa, já que, ao aquecer o vidro, “também dá um conforto à casa”.
“Se tivermos um bom isolamento na casa e se lá fora estiver mais frio, o facto de aplicar este dispositivo acaba por aumentar a temperatura da nossa casa. Não só faz o efeito de descongelamento, mas também pode melhorar o conforto interno da habitação”, explica Emanuel Carlos.
Na prática, “é como se fosse um aquecedor a óleo ou as vitrocerâmicas na cozinha, que aquecem localmente. Neste caso também é assim, só que o que usamos para aquecer não se consegue ver ao nosso olho”.
O investigador recorda que este projeto “surgiu no âmbito de uma parceria com a LMGP, um centro de investigação em França”. “Como há um projeto financiado pela FCT, o Projeto PESSOA, isso promove a parceria e o intercâmbio entre os investigadores portugueses e os franceses; eles vêm cá e nós, portugueses, vamos lá a Grenoble”.
“Em França já trabalhavam nesta área. A primeira autora deste artigo, a Dorina Papanastasiou, fez o seu doutoramento nesta área, mas estava-se à procura de uma forma de conseguir baixar o custo e, ao mesmo tempo, garantir a estabilidade dos dispositivos”, aponta.
Assim, quando a investigadora veio a Portugal, Emanuel ajudou a encontrar “um método mais simples para estabilizar estes aquecedores transparentes”.
“Eu já tinha experiência neste óxido de alumínio, que é de baixo custo e facilmente escalável, de forma a produzir muitos dispositivos num curto espaço de tempo”, diz, recordando que “o alumínio é um dos elementos mais abundantes na crosta terrestre”, o que garante “sustentabilidade não só a nível do processo, mas também dos materiais”.
Numa equipa de oito investigadores, envolvida no processo esteve também Elvira Fortunato, atual ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
“Na altura, a professora Elvira Fortunato era responsável pelo financiamento do centro de investigação, a par com o professor Rodrigo Martins, que mantém a função na atualidade. Tudo o que temos no CENIMAT e que permitiu chegarmos onde se chegou deve-se a eles”, começa por dizer. “A professora ainda entra no artigo porque foi um trabalho que começou antes sequer de saber que ia para ministra, quando fazia a revisão dos artigos, dos conceitos, para ver se estava tudo ok”.
Agora, falta apenas mais um passo para o projeto se tornar realidade no dia a dia dos portugueses. “Temos de garantir que a indústria dos vidros queira implementar esta tecnologia e que garanta condições para terem um processo estável e investir em larga escala, o que requer um grande investimento”, conclui Emanuel.