Vasco Pedro: “Quando uma empresa começar a ser agnóstica à língua, é quando vamos começar a cumprir a missão da Unbabel”
por Miguel Magalhães (Texto) | 28 de Março, 2024
É uma das empresas com potencial para ser o próximo unicórnio português. Em entrevista ao The Next Big Idea, o CEO da Unbabel, Vasco Pedro, falou sobre a evolução da empresa nos últimos dez anos e os desafios que lhe são colocados para o futuro.
Há 10 anos, havia dois fenómenos que se apresentavam como desafios ao modelo de negócio e, consequentemente, ao próprio sucesso da Unbabel enquanto empresa. Por um lado, a empresa estava a entrar no setor da tradução que, com a amplificação do Google Tradutor, aliado ao motor de pesquisa dominante na Internet, parecia não dar espaço de manobra para muitas outras plataformas. Ainda havia um longo caminho a percorrer na capacidade de empresas e marcas comunicarem na língua original dos mercados em que estavam presentes, mas esse também não parecia ser um problema que as empresas e marcas tivessem urgência em resolver. Por outro lado, havia o tema da inteligência artificial, que já fazia parte da génese da tecnologia da Unbabel, mas que até há relativamente pouco tempo parecia algo ainda muito longe de concretizar o seu potencial.
Em 2024, o cenário já não é esse.
Segundo Vasco Pedro, CEO da Unbabel, “o que mudou foi a perceção”. Do ponto de vista de negócio, a empresa portuguesa começou por focar-se na área do serviço ao cliente, área onde obteve maior sucesso. Diversos clientes, de diferentes indústrias, necessitavam de comunicar com clientes de todo o mundo na sua língua materna (de preferência), e uma plataforma como a Unbabel permitia-o. No entanto, hoje em dia, a expectativa é de hiperlocalidade. As empresas pretendem garantir o mesmo tom em todos os seus canais, nos idiomas predominantes dos mercados em que operam. Isso significa adaptar a comunicação no website, em conteúdos de marketing, de venda e até mesmo na parte legal.
Como é que isso é feito? Através da inteligência artificial. “Sempre que falamos de tecnologia, existem duas possibilidades: ou resolve uma necessidade que não estava a ser satisfeita e é cada vez mais utilizada – nos EUA, há o exemplo popular dos contabilistas, que aumentaram com o surgimento de plataformas de contabilidade online – ou substitui outra tecnologia, satisfazendo uma necessidade específica de melhor forma, como no clássico exemplo dos cavalos e dos carros”, explica Vasco Pedro, situando a IA no segundo caso. Para o fundador da Unbabel, o sucesso de produtos mais comerciais como o ChatGPT possibilitou que empresas que já trabalhavam com este tipo de tecnologia também
A tecnologia da Unbabel
A empresa portuguesa apresenta-se como uma plataforma de LangOps (Language Operations). É uma evolução do conceito de “Localization”, numa era em que a tradução na era de cloud computing e IA é feita de forma mais automática e integrada e não só na base de um projeto específico.
Antigamente, por exemplo, se uma empresa quisesse ter uma versão do seu website em português e inglês, tinha que desenvolver manualmente ambas as versões e ter um “Localization Manager”, responsável por garantir a consistência das mensagens em ambos os contextos.
Utilizando inteligência artificial, o que a Unbabel permite aos seus clientes é através de integrações com outros serviços como o WordPress ou a Zendesk, criar uma pipeline de conteúdo que é automaticamente traduzido para a língua desejada nas situações em que utilizam a plataforma. Além disto, tem sistemas que permitem um controlo de qualidade a dois níveis: 1) no desenvolvimento de um treshold de qualidade (o que é ou não uma boa tradução); 2) na utilização de um fator humano, com uma comunidade de editores que disponibilizam um serviço de acréscimo de qualidade às traduções que estão a ser desenvolvidas.
Estas duas componentes são especialmente importantes numa altura em que a empresa portuguesa procura expandir para outras áreas de negócio, não apenas na vertente de website e conteúdos, mas também, por exemplo, a própria tradução de faturas.
Garantir que as línguas não desaparecem
Devido ao seu alcance global, a língua default utilizada pela maior parte dos negócios é o inglês. É o idioma que escolhem para comunicar predominantemente ou para ter uma versão da sua comunicação em websites ou redes sociais. No entanto, Vasco Pedro discorda desta ideia. “É uma visão muito ocidental”, reitera, “e é por isso que as empresas do Ocidente muitas vezes demoram a entrar nos mercados asiáticos, africanos ou do Médio Oriente.”
A Unbabel baseia-se na premissa de que os consumidores estão sempre mais confortáveis a consumir conteúdo na sua língua nativa, mesmo que provenha de uma empresa ou marca internacional. Segundo o fundador da startup portuguesa, é por isso que os meios de comunicação social mais populares em cada país são sempre locais e nunca um canal internacional a comunicar em inglês, como a BBC ou a CNN.
Outro fator importante nesta discussão é a língua em que produtos e serviços são desenvolvidos, especialmente no que diz respeito à inteligência artificial. Um dos maiores desafios da IA generativa é que plataformas como o ChatGPT funcionam muito melhor em inglês do que em outras línguas menos utilizadas. Isto é preocupante se considerarmos que existem 5000 línguas no mundo inteiro, que fazem parte da identidade de diversas culturas. Foi por essa razão que a Unbabel desenvolveu nos últimos dois meses o seu próprio LLM (Large Language Model), que ambiciona ser o modelo de referência para tradução.
“Quando as empresas começarem a ser agnósticas à língua, é quando vamos começar a cumprir a missão da Unbabel”, partilha Vasco Pedro.
AI Act: Proteção vs Inovação
A conversa com Vasco Pedro aconteceu precisamente na semana em que houve novidades por parte da União Europeia (UE) relativamente ao AI Act. Resumidamente, foi desenvolvida uma matriz de risco na qual o tipo de tecnologias a serem desenvolvidas e o seu âmbito terão diferentes níveis de escrutínio e de regulação aplicada.
Para o CEO da Unbabel, não existem quaisquer problemas com o AI Act, mas afirma “é difícil criar regulamentação para uma tecnologia tão recente e com tanto impacto que não tenha potencial para desacelerar o seu desenvolvimento. Os EUA não vão desacelerar e a China não vai desacelerar de certeza, por isso é difícil implementar regulamentação que acabe mesmo por atrasar algo. E uma empresa da Europa que queira utilizar produtos de IA americanos ou fazer hosting dos seus serviços a partir dos EUA, pode sempre fazê-lo”.
Atualmente, a Unbabel diz estar perfeitamente “compliant” com os requisitos europeus, algo que também incentiva a todas as empresas portugueses através do seu papel no Center For Responsible AI. Vasco Pedro acrescenta “a regulamentação é uma discussão a nível social. Por isso, é importante termos maturidade e termos capacidade de diálogo sem dogmas, sabendo que isto é algo que vai ter de acontecer ao longo dos próximos anos”.
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