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Valia 6 mil milhões dólares e agora não chega aos 200 milhões. A história da queda da 23andMe

por Gabriel Lagoa | 25 de Setembro, 2024

A 23andMe tem enfrentado desafios com a saída de administradores, queda no valor das ações e questões de segurança de dados. Conseguirá a empresa de testes genéticos redefinir o seu futuro no mercado?

Os últimos tempos não têm sido fáceis para a 23andMe. A empresa, conhecida pelos seus kits de teste de ADN por correio que oferecem informações genéticas personalizadas, tem enfrentado uma série de desafios que colocam o seu futuro em causa.

A 23andMe, fundada em 2006, ganhou popularidade ao oferecer aos consumidores a possibilidade de descobrir as suas origens genéticas e potenciais riscos de saúde através de uma amostra de saliva. Pioneira neste tipo de testes de ADN, rapidamente se tornou um símbolo da democratização da informação genética, uma missão que desde cedo assumiu

Estes testes levaram a que a 23andMe também se tornasse numa empresa de dados, tendo acumulado amostras de ADN de milhões de pessoas que consentiram em partilhar a sua informação genética para fins de investigação. Também é uma empresa farmacêutica, já que desenvolveu medicamentos com base em descobertas obtidas a partir de informação genética que recebeu. “Somos uma empresa invulgar”, disse a CEO, Anne Wojcicki, citada pela WIRED.

Modelo de negócio não deu frutos

Como conta a CNN, a 23andMe entrou na bolsa em 2021, juntando-se à tendência das SPAC (Special Purpose Acquisition Company) da altura. As SPAC não têm operações comerciais e entram em bolsa apenas com o objetivo de comprarem ou se fundirem com uma empresa privada existente. Na prática, o processo faz com que a empresa adquirida ou fundida fique cotada em bolsa, sem passar pelo habitual processo de entrada em bolsa, que é considerado exigente. 

Certo é que as ações da 23andMe dispararam e a empresa chegou a ser avaliada em 6 mil milhões de dólares e a CEO, que detém 49% da empresa, tornou-se milionária. O futuro parecia risonho, mas havia um problema que se agudizou anos depois: nunca encontrou um modelo de negócio sustentável. Mais: na semana passada, sete membros independentes do conselho de administração da 23andMe apresentaram demissão, o que deixou Anne Wojcicki isolada. 

A demissão coletiva surge após meses de negociações entre a também cofundadora e o conselho de administração sobre o futuro da empresa. Em cima da mesa está o desejo de Wojcicki de retirar a 23andMe da bolsa e torná-la novamente uma empresa privada. 

Na sua carta de demissão, segundo a Associated Press, os administradores afirmam que, após meses de esforços, não receberam de Wojcicki “uma proposta totalmente financiada, devidamente analisada e viável que estivesse no melhor interesse dos acionistas”. Além disso, os membros do conselho de administração também falam em diferenças na “direção estratégica” da 23andMe.

Em resposta, a CEO da empresa afirma estar  “surpreendida e dececionada com a decisão dos administradores de se demitirem”. Na mensagem, Anne Wojcicki acrescenta “continuo a acreditar que estaremos melhor posicionados para alcançar a nossa missão e objetivos fora das pressões de curto prazo dos mercados públicos e que tornar a 23andMe privada será a melhor oportunidade para o sucesso a longo prazo”. 

Desde 2021, o valor de mercado da empresa caiu vertiginosamente. No dia da sua IPO, as ações da 23andMe valiam 10 dólares. À data de escrita deste artigo, as ações da 23andMe estão cotadas a 35 cêntimos e o valor de mercado da empresa desceu para menos de 180 milhões de dólares. Esta queda acentuada, de uma empresa que outrora chegou a valer 6 mil milhões de dólares, coloca a 23andMe em risco de ser retirada da bolsa de valores Nasdaq, por não cumprir o requisito de manter o preço das ações igual ou superior a um dólar por ação. Se a empresa não cumprir os requisitos até 4 de novembro o cenário tornar-se-á realidade. 

Depois do boom inicial dos testes genéticos, a empresa atribui a perda de receitas à diminuição das vendas de kits e à redução das receitas relacionadas com a investigação, após o fim de uma parceria com a gigante farmacêutica GlaxoSmithKline, em julho do ano passado. 


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Ataques informáticos

Os problemas financeiros não são a única pedra no caminho da 23andMe. Recentemente, a empresa concordou em pagar 30 milhões de dólares para resolver uma ação coletiva relacionada com uma violação de dados em 2023 que expôs informações pessoais de quase 7 milhões de clientes. Deste montante, espera-se que 25 milhões de dólares sejam cobertos pelo seguro da empresa, de acordo com a Associated Press. 

Embora a empresa garanta que o acesso direto a dados pessoais tenha ocorrido em apenas 0,1% dos clientes (cerca de 14 mil pessoas), os hackers responsáveis pelo incidente tiveram acesso a um número significativo de ficheiros em que estavam informações de perfil sobre os antepassados de outros utilizadores, segundo um relatório da 23andMe. Em 1,4 milhões de casos, os hackers acederam a informações das árvores genealógicas, incluindo nomes, datas de nascimento e localizações. A empresa atribuiu o ataque à reutilização de palavras-passe por parte dos clientes.

Por onde passa o futuro da 23andMe?

Em resposta aos desafios, a 23andMe tem tomado medidas para tentar inverter a trajetória recente. No mês passado, por exemplo, a empresa encerrou o seu grupo de pesquisa de medicamentos. Além disso anunciou também que a sua plataforma de telemedicina, a Lemonaid, ia começar a disponibilizar injeções de semaglutido, a substância ativa em medicamentos populares para perda de peso como Wegovy e Ozempic, através de uma assinatura.

Apesar da crise instaurada, Anne Wojcicki mantém-se otimista quanto ao futuro da empresa. Numa entrevista à CNN, em fevereiro deste ano, a CEO assegurou que “a visão e o rumo que estamos a seguir são sólidos, mas o caminho para lá chegar é mais turbulento”.