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UPTEC. O Porto está no “olho do furacão” do empreendedorismo

por | 6 de Dezembro, 2017

UPTEC. O Porto está no "olho do furacão" do empreendedorismo

Clara Gonçalves é engenheira agrónoma. Trabalhou na sua área de formação, na indústria, em grandes empresas. Mas houve um momento em que sentiu que precisava de mais. “Acho que todos nós nos cansamos um bocadinho, às vezes, do sítio onde estamos e eu gosto sempre de desafios novos. Tenho um amigo que estava na Columbia University, em Nova Iorque, um grande amigo de família, que numa das vindas a Portugal, olhou para mim e disse ‘epa, tu tens jeito para fazer transferência de tecnologia'. Ele tinha acabado de fazer uma patente, estava a ser apoiado por uma estrutura incrível, a receber investimento, e começou a explicar-me. 'Tu vais para lá dois meses e aprendes com o pessoal com quem eu estou a trabalhar'. Mas eu não gosto de saber pouco das coisas. Não ia para o outro lado do mundo sem saber nada e comecei a procurar coisas. Encontrei um mestrado em Inovação e Empreendedorismo na Universidade de Aveiro, não havia em mais lado nenhum”, conta.

Já a fazer o mestrado – estava no final do primeiro ano, o ano curricular -, Clara viu uma nova oportunidade nas páginas de um jornal. “Curiosamente estava na casa dos meus pais a almoçar e eu, que nunca leio o Jornal de Notícias – o meu pai tem o JN todos os dias, é um senhor do Porto -, vi-o lá no seu puff, que faz ligação ao sofá e onde está todos os dias, e comecei a folheá-lo. Havia um anúncio que pedia duas pessoas para a Universidade, para o gabinete de apoio à propriedade intelectual, uma na área de apoio à transferência de tecnologia, ligação à Universidade e à Indústria, e outra na área de projetos. E eu mandei o meu currículo. Ligaram-me, fui a uma série de entrevistas na Universidade e não fiquei no gabinete de transferência de tecnologia. Não fiquei, mas foi espetacular na mesma, porque fui a terceira – eles selecionaram duas pessoas".

A história de Clara não ficou por aqui: depois do 'não' veio uma proposta diferente e inesperada. “Uma semana depois estavam a ligar-me a dizer que queriam que eu fosse falar com o antigo reitor. Estava a montar um projeto novo dentro da Universidade, que era o parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto. Fui falar com ele e fiquei, assim”.

Foi aqui que Clara Gonçalves entrou na UPTEC, em 2007. Ou que a UPTEC entrou na vida da engenheira agrónoma que se virou para as tecnologias para não mais largar. Se foi fácil? Não. Mas esses são os bons desafios.

“Vi-me com uma série de pavilhões pré-fabricados, um deles reabilitado, os outros quatro cheios de tralha, cadeiras, tudo e mais alguma coisa. E ele [o antigo reitor] disse-me ‘Pronto, vai ser aqui o parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto e nós vamos ter de reabilitar estes pavilhões todos. Vamos ver se, de facto, a Universidade tem dinâmica e potencial para trabalharmos estas áreas'. Deu-me uma série de documentação que tinha vindo a preparar ao longo destes anos, deste 1992: o que foi feito, o que não foi, com Governo, sem Governo, com isto e com aquilo. E avançámos! Eu comecei pela parte das obras, curiosamente. Fui altamente empreendedora, não percebia nada de obras. Tivemos de pintar, de dividir paredes…”, recorda entre risos.

Pavilhões arrumados, começaram a chegar projetos. “Foi inacreditável, isto foi no início de 2007 e no final de 2008 tínhamos os pavilhões pré-fabricados cheios de startups e pensámos que a Universidade tinha aqui um potencial grande e naturalmente que avançámos com um conjunto de candidaturas – na altura houve essa possibilidade – para construir infraestruturas e reabilitar outras para receber de uma forma diferente estes projetos. Hoje em dia temos este mega parque, são quase 30 mil metros quadrados de área, metade dela ocupada por empresas, a outra metade não é área útil, infelizmente. Acho que se fosse também estava cheia”, explica Clara.

“Começámos desde início a quebrar um bocadinho o paradigma. A Universidade do Porto tem aqui um potencial grande a nível de produção de conhecimento e o que nós queremos fazer é perceber se este conhecimento pode ser transferido para o mercado e gerar valor, económico e social”.

E é isto que se faz na UPTEC: ouvem-se projetos, apoiam-se ideias. Dão-se condições a quem quer avançar. “Quem somos nós para dizer se o negócio vai ter sucesso, se a ideia é espetacular, se não é, quando estes senhores na maior parte são investigadores e andam há mil anos focados nisto? Eu não lhes posso dizer uma coisa dessas, eu só tenho depois que os encaminhar”, ressalta.

Assim, a UPTEC nasceu com o objetivo de completar a Universidade do Porto. “A universidade é grande, tem muita gente, tem muitos alunos, muitos investigadores, tem muita gente a aprender, muita gente a produzir. Mas não tinha nenhuma estrutura que apoiasse quem está a produzir conhecimento, os que quisessem vir para o mercado através da criação de startups, através da ligação à indústria. É um bocadinho isto que nós fazemos do ponto de vista da nossa missão: estamos muito focados no apoio ao empreendedorismo e na criação de novas startups nacionais e internacionais”.

Em 2007, a Universidade do Porto era a maior do país. Depois da fusão do Instituto Superior Técnico com a Universidade Nova, perdeu esse posto mas continuou “a ser aquela que mais resultados de investigação e desenvolvimento tem, a maior produtora de conhecimento a nível nacional”, diz Clara. E foi sempre isso que fez as empresas irem até à UPTEC.

Chegavam “pelo conhecimento, pela qualidade dos recursos humanos”, refere Clara Gonçalves. “A produção de conhecimento da Universidade era altamente reconhecida a nível mundial e começaram a dizer ‘deixa ver o que se passa aqui, o que estes senhores estão a fazer’. O primeiro projeto que nós recebemos, diferente de uma startup, foi um centro de inovação de uma farmacêutica belga que veio para cá e já cooperava com o Instituto de Ciências, com o Instituto de Biologia Celular e Molecular da Universidade do Porto. Instalou-se e nós dissemos que ficava aqui. Reconvertemos infraestruturas geridas por nós de forma a termos estas grandes empresas aqui. O grande objetivo delas é fazer desenvolvimento de produto para o mercado com incorporação de conhecimento da Universidade. E este conhecimento incorpora-se com as pessoas. Só.”.

Mas como? “É ir buscar os alunos de doutoramento, é ir buscar os pós-doc, metê-los neste limbo que não é a indústria mas também não é o departamento de investigação, não é dentro da universidade, é num sítio que faz esta ponte – e nós achamos que a fazemos cada vez melhor – entre o meio académico (ainda temos aqui alguma coisa de academia, de gente nova, de gente a fervilhar e de muitas nacionalidades a passarem) e esta componente de desenvolvimento industrial, com prazos, objetivos e uma estratégia muito bem definida. Isto só pode vir enriquecer quer as nossas startups, quer a abertura da universidade ao mercado”, afirma.

De olhos postos no futuro, a UPTEC quer ter uma estrutura, ligada à indústria, que “permita alimentar a investigação fundamental que é feita dentro da Universidade”. Contudo, há muita coisa a gerir, considerando que se trabalha com timings diferentes: a velocidade de uma startup, que habitualmente cresce rápido, e a de uma Universidade, que sabe que uma investigação demora tempo. É, segundo Clara, “uma questão de ginástica”. “Ligamo-nos cada vez mais a uma Universidade que é monstruosa, que tem 32 mil alunos, quase 50 mil pessoas a girar à volta, que tem os seus timings – que não são os nossos e que não são os das startups ou das empresas que estão aqui a fazer desenvolvimento de produto. Este é o grande segredo de trabalhar aqui dentro, é um segredo com muita diplomacia”.

Contudo, a ideia de que uma startup tem de crescer rapidamente não é levada a peito. Cada coisa tem o seu tempo. “O posicionamento no mercado leva o tempo que tiver de levar e nós temos também de trabalhar isso tendo em consideração esta premissa: o tempo não foge, não vai fugir. Quanto mais vocês pensarem, quanto mais cautelosos forem, quanto mais estratégicos forem, [mais facilmente vão] mostrar onde querem chegar. Mas para chegar demora tempo, para que isto possa crescer”, explica Clara.

Olhando para os números, pode dizer-se que já passaram quase 500 projetos empresariais pela UPTEC. Hoje registam-se 197 empresas: startups ('apenas' 106), centros de inovação, projetos em fase de incubação e projetos âncora. E pessoas? “Estamos com 2300 pessoas nos edifícios todos, 90% são graduados e pós graduados. Um dos nossos indicadores é a qualificação”, diz.

Para suportar tudo isto, uma ajuda: um projeto de investimento de 30 milhões de euros, vindos da União Europeia. “Temos de ter as condições mínimas – neste caso máximas – para as empresas funcionarem. Isto custa muito dinheiro e não temos Orçamento de Estado. É um desafio espetacular e, uma das coisas que me disseram desde início, tem de ser sustentável. Quando acabar este projeto de 30 milhões temos de ter a estrutura sustentável”.

Deste modo, a grande ambição de diretora-executiva para a UPTEC – a próxima grande ideia – é bastante clara. Os sonhos são muitos, mas é por eles que se vive. “Sei que temos muito potencial e sei que se tivermos mais espaço também temos mais projetos. O meu objetivo é alargar o espaço, porque nós de facto precisamos e temos aqui uma série de parceiros, como o i3S, a faculdade de engenharia, alguns laboratórios lá dentro que estão a trabalhar a área da robótica, a parte da ferrovia, da energia, de uma forma lata, que estão a atrair imensas empresas e nós também conseguimos trazer para aqui startups internacionais, que estão a trabalhar baterias, que estão a trabalhar outros compósitos”, explica.

“Conseguimos trazer para aqui uma comunidade incrível e não temos espaço. Se nós tivermos condições de infraestrutura para apoiar estes projetos desde o início, sobretudo aqueles que são da área da biotecnologia e da indústria farmacêutica, que precisam de muito mais investimento, acredito que nós mais uma vez vamos conseguir crescer de forma sustentada noutras áreas estratégicas, quer para o país, quer para a comunidade internacional. Nós temos esse potencial e sabemos que conseguimos. Não é termos mais um edifício para sermos grandes. É porque estamos cheios. E cheios de novos desafios”.

De tecnologia está a cidade do Porto cheia. Mas, afinal, o que marca verdadeiramente a diferença? Clara não hesita. “É uma cidade que tem gente muito boa, gente muito simpática, muito diferente, e gente que acolhe muito bem. Acho que, para mim, esse é o ponto, a base que transforma o Porto numa cidade tão diferente de Berlim, tão diferente de Londres e tão diferente de Lisboa e de Palo Alto. O Porto é uma cidade diferente e tem um posicionamento diferente, mesmo historicamente”.

“Posso estar a ser bairrista, mas ninguém tem esta disponibilidade, esta abertura. E nós começamos daí, por isso é que o Porto está no olho furacão agora. Mas é esse o meu grande receio em relação ao Porto: é que esta genuinidade, de acordo com a qual tem sempre vivido, desapareça. É aí que temos de ter cuidado. As pessoas vêm para cá não é por nós termos salários muito diferentes dos de Lisboa, de Barcelona, de Madrid… Não são! Mas viver aqui é muito engraçado e as pessoas gostam. E nós também gostamos de ter as pessoas cá”, remata.