Um guia para a “Lei das Startups”
por Miguel Magalhães (Texto) | 29 de Abril, 2024
Duas consultoras, um CEO e um investidor dão a sua visão sobre a Lei das Startups para o ecossistema português, em vigor desde novembro de 2023. Em destaque, está o impacto ao nível da tributação, da retenção de talento e da manutenção das sedes das empresas em Portugal.
A “Lei das Startups” é uma das legislações mais importantes para o ecossistema de startups português, na medida em que se trata de um esforço coletivo para que este se aproxime dos principais estados-membros da União Europeia. Dentro da nova lei, há duas medidas que ganharam maior destaque:
- O reconhecimento como startup ou scaleup. Para a primeira categoria, entre outros requisitos, as empresas terão de ter menos 10 anos de atividade, menos de 250 colaboradores e faturação inferior a 50 milhões de euros. Para reconhecimento como scaleup, (caso não cumpram um dos critérios antes enumerados), as empresas têm de estar habilitadas a receber trabalhadores ao abrigo do Programa Tech Visa.
- Um novo regime fiscal para Stock Options. Este é um dos principais mecanismos que startups no mundo inteiro utilizam para premiar colaboradores e criar algum tipo de fidelização com a empresa. Até 2023, a detenção destes títulos que prometem uma participação no capital da empresa era tributada pelo Estado Português fossem ou não ativados. Com a nova lei, passam a ser tributados com uma taxa única de 14% em IRC apenas no momento em que são liquidados.
Para compreender melhor as implicações destas duas medidas e outras que compõem a nova “Lei das Startups”, o The Next Big Idea esteve à conversa com a AGPC (um serviço de assessoria para projetos de investimento em Portugal), a startup portuguesa Avenidas e com o fundo de capital de risco Bynd Venture Capital.
Reconhecimento Startup/scaleup
Todas os passos e documentação necessária no site da Startup Portugal
Uma perspetiva mais global sobre a “Lei”
A AGPC tem como fundadoras Catarina Almeida Garrett e Filipa Pinto de Carvalho, que utilizaram a sua experiência internacional na área legal e fiscal, para desenvolverem um serviço que ajuda empreendedores e investidores nos seus projetos de investimento em Portugal. Por essa razão, a Lei das Startups já está a ter um impacto direto no dia-a-dia da sua empresa.
Em termos de processo, qual é a expectativa de tempo para uma empresa ser certificada como startup ou scaleup?
Embora já se conhecesse a proposta de lei desde finais de 2022, a verdade é que a Lei das Startups e Scaleups foi publicada em maio de 2023 e a portaria que regula o processo de reconhecimento entrou em vigor apenas em novembro de 2023, pelo que ainda poderá ser prematuro haver um tempo médio para a certificação. O que podemos adiantar é que a lei prevê a emissão do certificado digital no prazo de 5 dias úteis após a submissão dos formulários. Desde janeiro até à data encontram-se cerca de 60 empresas que já obtiveram o estatuto.
Estamos convencidas que o desafio maior é prévio à submissão da candidatura, ou seja, assegurar que os requisitos se encontram preenchidos e possuem a documentação necessária para o efeito. Um dos requisitos é que se verifique uma das três condições: ser uma empresa inovadora e reconhecida pela Agência Nacional de Inovação (ANI); ter concluído uma ronda de investimento sujeita a determinadas condições; ou ter recebido investimento do Banco Português de Fomento. Estes processos e negociações podem demorar algumas semanas ou meses para serem concluídos e fechados. Para os casos em que as startups não reúnem uma destas condições, é possível que a Startup Portugal emita uma declaração que supra essa falta de requisitos desde que a startup em questão tenha um “modelo de negócio, produtos ou serviços inovadores” ou que possa ser rapidamente escalável. Neste caso, a declaração é emitida no prazo de 30 dias úteis. No caso específico das scaleups, o desafio maior será obter a certificação de Tech Visa.
Quais são os principais benefícios para uma empresa que seja certificada como startup ou scaleup?
A tributação de qualquer um dos estatutos tem essencialmente impacto em dois níveis: nos benefícios fiscais e na retenção de talento ou atração de mão-de-obra altamente qualificada. Para além disso, passando todo o processo de certificação por entidades reguladoras e oficiais, confere à empresa uma maior credibilidade, não só por ter estado já sujeita a rondas de investimento, mas também pelo reconhecimento como empresa inovadora e com potencial de crescimento e de escala, quer a nível europeu, quer a nível internacional. A título de benefícios fiscais, existem benefícios quer na perspetiva da startup, quer na perspetiva do investidor.
Em termos muito gerais e simplistas temos o IFICI (Incentivo Fiscal à Investigação Científica e Inovação), que, à semelhança do anterior NHR [regime fiscal para residentes não-habituais], confere à mão de obra qualificada das startups uma tributação fiscal de taxa fixa de 20% sobre rendimentos profissionais durante 10 anos; os Planos de Stock Options, que consistem na tributação em 50% dos ganhos resultantes da venda ou liquidação dos planos de opções ou direitos, ou seja, a 14%, sem prejuízo de poderem ser englobados quando se trate de residentes fiscais, o que significa que já não são tributados em sede de categoria A e deixam de ser tributados duas vezes; e, finalmente, o CFI (Código Fiscal do Investimento), que consiste na majoração em 120% das despesas que respeitem a atividades de investigação e desenvolvimento, com determinados requisitos e limites. Estes são alguns dos apoios disponíveis, sem prejuízo de outros que as empresas podem candidatar-se, se elegíveis, em termos de emprego e segurança social.
Como se compara esta nova Lei das Startups com outras na Europa?
Embora esta nova Lei das Startups tenha sido um avanço relevante no ecossistema do empreendedorismo e esteja mais alinhada com os restantes Estados-membros, designadamente no que toca a benefícios dos trabalhadores e atratividade para os investidores nacionais e internacionais, ainda se encontra afastada de outros sistemas europeus no que toca, por exemplo, à inclusão dos órgãos sociais na maioria, senão totalidade, dos benefícios fiscais a nível da tributação em sede de IRS.
De qualquer forma, é um ótimo avanço e contributo para a promoção dos empreendedores, das empresas e do ecossistema, essencialmente, no mercado internacional.
A certificação é importante, mas a análise de negócio continua a ter de feita
A Bynd Venture Capital é um dos principais fundos de capital de risco em Portugal, muito focado em empresas na fase early-stage. Francisco Ferreira Pinto, partner no fundo, acredita que a medida é um fator de desenvolvimento para o ecossistema português, mas que o papel do investidor mantém-se relativamente igual.
A clara certificação como startup ou scaleup torna o processo de uma ronda de investimento mais transparente, na medida em que VC e empresas sabem com o que contar?
Não nos parece que haja uma relação direta entre o processo de uma ronda de investimento e a certificação das startups ou scaleups, muito menos a nível da transparência. A certificação é útil na medida em que define uma tipologia de empresa e lhe dá acesso a um conjunto de benefícios e instrumentos aos quais de outra forma não conseguiria aceder. Porém, do lado do investimento, o trabalho de análise dos projetos continua a ter de ser realizado pelos investidores com o mesmo rigor e profissionalismo.
Como é que a nova lei pode impactar o mercado português em termos de investimento?
Um dos objetivos da Lei é trazer um enquadramento legal para o ecossistema empreendedor de base tecnológica, comparável com o que de melhor se faz noutros ecossistemas mais desenvolvidos, e, assim, ser um facilitador do desenvolvimento das startups e scaleups. Pode também vir a ter um efeito de atratividade para o mercado português, tanto de empreendedores que escolham Portugal para lançar os seus projetos, como na atração e fixação de talento nacional e internacional para este setor.
Esta lei já é suficiente para garantir que mais startups mantêm a sua sede em Portugal?
O novo quadro legal pode contribuir para a manutenção da sede em Portugal ou, pelo menos, prolongar a sua permanência no país, especialmente se a regulamentação da lei for feita de modo a que os processos sejam rápidos e pouco burocráticos. Esta abordagem pode tornar o país mais atrativo para a fixação de projetos inovadores, dinamizando o ecossistema. No entanto, a mudança de sede para outras geografias depende de muitos outros fatores como a estratégia da empresa a nível comercial, o acesso a talento e a financiamento ou a exigência de investidores internacionais.
A visão das empresas
A Avenidas é uma startup portuguesa liderada por Manuel Reis, que opera no setor da mobilidade e logística. Apesar de estar a enfrentar alguns obstáculos na certificação, o CEO acredita que assim que finalizar o processo a nova lei acabará por ter um impacto positivo no seu negócio e na relação com investidores, clientes e colaboradores.
O que acharam do processo de certificação? Muito complexo ou relativamente intuitivo?
A Avenidas não realizou o processo de certificação, isto porque para obter esta classificação, é necessário cumprir critérios obrigatórios como ter recebido financiamento do banco de fomento, business angels ou o reconhecimento por parte da ANI. Porém, existe ainda uma outra possibilidade para obter esta certificação que é fundamentar diretamente com a Startup Portugal, processo esse que estamos atualmente a explorar.
Ainda assim, tivemos oportunidade de explorar o processo e parece-nos que está bem montado, assente em ferramentas com as quais a maioria dos empresários está familiarizada ou que consegue rapidamente aprender a trabalhar, como é o caso do eportugal.gov.pt.
A certificação pode ter um impacto positivo no negócio e no ecossistema de startups?
Esta certificação oficial para as startups terá, certamente, um impacto bastante positivo tanto no negócio das empresas, como no ecossistema como um todo. Não se trata apenas de um selo, mas sim de dar às startups a legitimidade e reconhecimento perante investidores e potenciais clientes, o que aumenta a nossa credibilidade e, consequentemente, facilita o acesso ao financiamento, muitas vezes necessário, e a oportunidades de negócio. Além disso, o reconhecimento abre-nos imensas portas para programas de apoio e incentivo, a incubadoras e aceleradoras, programas de mentoria e capacitação e a benefícios fiscais. Obviamente, estes são recursos que fazem uma diferença significativa no crescimento das startups, permitindo-nos enfrentar os vários desafios de uma forma mais otimista e aumentar a nossa probabilidade de sucesso. Enquanto atores do ecossistema das startups portuguesas sabemos que esta certificação pode contribuir para uma maior transparência no setor, já que estabelece critérios que definem o ADN de uma startup, promovendo, simultaneamente, um ambiente mais competitivo e sustentável para a inovação e o empreendedorismo. Paralelamente, o reconhecimento do estatuto poderá impulsionar a colaboração entre as empresas, o que contribui para um ecossistema mais colaborativo. Esta é uma clara aposta no que Portugal tem de melhor: a inovação e o empreendedorismo. Considerando que o tecido empresarial do nosso país é maioritariamente composto por startups e scaleups, a certificação é uma medida já há muito necessária que certamente contribuirá para o desenvolvimento de um ecossistema mais robusto.
Como comparam o novo regime de stock options com outros que conhecem e pode ter um impacto positivo na atração e retenção de talento?
O novo regime de stock options oferece algumas vantagens distintas que podem ter um impacto relevante na atração e retenção de talento. Em primeiro lugar, é mais favorável em termos fiscais, já que com a possibilidade de adiamento da tributação, os colaboradores não ficam sobrecarregados com impostos antecipados, o que pode tornar as opções de ações mais atrativas, em comparação com outras formas de compensação. Além disso, o novo regime oferece mais flexibilidade em relação aos critérios de elegibilidade e aos tipos de empresas que podem participar, o que se traduz em programas de stock options mais acessíveis e adaptáveis às necessidades de cada startup. Esta medida não só apoia o ecossistema das startups na captação e retenção de talento, uma vez que oferece pacotes remuneratórios mais atrativos, como coloca o regime português numa posição de vanguarda europeia a longo-prazo. Ao oferecer uma forma de compensação flexível, o regime dá às empresas uma oportunidade de criar um ambiente mais favorável para atrair talentos mais qualificados e incentivá-los a contribuir positivamente para os negócios.
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