Um golpe de sorte? Inteligência artificial está a levar milhões a esta ilha nas Caraíbas
por Miguel Magalhães (Texto) | 2 de Setembro, 2025
A ilha de Anguila tem sido uma das principais beneficiárias da vaga de popularidade das tecnologias de inteligência artificial. Mas as razões para tal não estão relacionadas com qualquer tipo de infraestrutura ou vantagem competitiva.
Há algumas semanas, Sam Altman, CEO da OpenAI, concordou que podemos estar a viver numa bolha no que diz respeito a inteligência artificial, com o subito aparecimento de várias empresas, a atingir valorizações de mercado que não correspondem ao real valor que os seus serviços estão a entregar.
É um momento perigoso, numa altura em que vários países estão a investir fortemente em data centers para dar a estes negócios a infraestrutura necessária para poderem ser bem sucedidos. A ilha de Anguila não é um destes territórios, mas por razões em tudo alheias, tem sido um dos principais vencedores da crescente procura por poder computacional que potencie modelos de IA.
Nos anos 80, quando estavam a ser dados os primeiros passos para a construção do que viria a ser a Internet, começaram a ser registados os domínios online referentes a cada país: Portugal com “.pt”, Espanha com “.es”, Brasil com “.br”, e por aí em diante.
Estes endereços também foram criados para territórios como Anguila que, há quatro décadas, estava longe de imaginar que o domínio “.ai” que lhe foi atribuído, se viria a tornar uma das principais fontes de receita da ilha.
Historicamente, a região caribenha teve sempre uma economia precária, muito dependente dos turistas que era capaz de atrair e da “rede britânica” da qual faz parte, que apoia cada vez que é atraiçoada pelas temporadas de furacões tradicionais naquela área do globo. No entanto, nos últimos anos, a tendência tem vindo a mudar significativamente graças à inteligência artificial.
Passamos a explicar: entre 2020 e 2024, o número de domínios na Internet com “.ai” passou de 50 mil para mais de 850 mil e, para serem criados, cada um destes novos espaços online teve de pagar uma quantia a Anguila.
Como funciona esta transação?
Para todos os efeitos, a ilha de Anguila é dona do domínio “.ai”, portanto qualquer entidade que o queira ter num endereço de site ou e-mail tem de pagar pelo direito de utilização. A lógica é parecida com a utilização de uma música na banda sonora de um filme. Para o fazer, os produtores têm de licenciá-la ao artista original ou a quem deter os direitos da obra em determinando momento.
Para gerir todo este processo, Anguila assinou uma acordo com a empresa Identity Digital com quem faz uma partilha das receitas geradas (que não têm sido poucas). De acordo com a BBC, que analisou a proposta de orçamento do Governo de Anguilla para 2025, em 2024, a ilha gerou cerca de 40 milhões de dólares só com a venda de domínios “.ai”. Para se perceber a importância deste valor, o mesmo já representa quase um quarto do PIB da ilha.
O caso de Tuvalu
Desde o final do anos 90, no início da era das dotcom, algo semelhante acontece com o território situado na Polinésia, entre o Havai e a Austrália. O domínio online atribuído a Tuvalu foi “.tv” e cada nova plataforma de media a querer utilizá-lo no seu registo tem de pagar uma quantia à ilha. Ao contrário de Anguila, durante muito tempo, a ilha limitou-se a receber “apenas” um valor anual de 5 milhões de dólares, que eram pagos pela plataforma que geria todo o processo. Um modelo que o ministro das finanças local considerou “não ser um bom negócio”, tendo sido alterado nos últimos anos.
Existem domínios mais simples a custar cerca de 150 a 200 dólares, mais outros atingem valores exurbitantes superiores a 500 mil dólares. Os melhores exemplos são plataformas como a you.ai ou a cloud.ai, cujos donos foram obrigados a um investimento significativo para registarem as suas empresas neste formato. Além dos rendimentos imediatos da venda destes domínios, Anguila irá receber ainda uma nova parcela quando eles tiverem de ser renovados de dois em dois ou de três em três anos.
Com cerca de 16 mil habitantes, o desafio para o território britânico é perceber como tirar proveito de tudo isto para encontrar maior estabilidade. O turismo representa cerca de 37% da sua economia e 2024 foi um ano recorde com mais de 111 mil visitantes a escolherem a ilha como destino de férias. A estimativa para 2025 é que as receitas com “.ai” cheguem aos 50 milhões de dólares e que representem uma percentagem ainda maior do valor gerado pela ilha. Um valor que Anguila não quer que desapareça, caso uma bolha, de facto, rebente.