Álvaro Covões: “Ser empresário em Portugal não é fácil. Não se sabe ao acordar se ao deitar as regras ainda vão ser as mesmas”
"Ser empresário em Portugal não é fácil. Não se sabe ao acordar se ao deitar as regras ainda vão ser as mesmas". Esta é uma das razões que leva Álvaro Covões a defender que para ser empresário em Portugal é preciso ser "um g'anda maluco". Saberá o que diz, o percurso que tem vindo a percorrer faz com que lhe devamos esse crédito. Ele, o homem do showbiz que organiza o festival mais apetecível do país – já foi Optimus Alive, hoje é Nos Alive – e que garante que este é o país em que todos os dias quem é ou quer ser empresário ouve "não te metas nisso". As adversidades e também as alegrias de se ser empresário foram o tema da conversa que Álvaro Covões manteve com uma plateia de empresários, a convite da PME Magazine, de cuja capa foi protagonista no mês de outubro.
Qual a alternativa a 'não nos metermos nisso' se acreditamos que podemos fazer bem alguma coisa, ganhar dinheiro com isso e ainda termos a vertigem de ser felizes a trabalhar? A alternativa que a maioria escolhe, responde sem hesitar Álvaro Covões. "Temos um país cheio de pessoas que não gostam do que fazem. Os funcionários públicos são um bom exemplo disso".
Ele decidiu então fazer o que gostava e ganhar dinheiro com isso. Mas não começou assim. Apesar de ser a quarta geração de uma família de negócios, o que ouviu enquanto crescia foi 'ou estudas ou vais para a guerra'. "Podia fazer tudo menos meter-me na má vida". E ele que se tornou adolescente na antecâmara do 25 de Abril, lá estudou. Na universidade, escolheu gestão e num tempo em que não havia tradição de gestores em Portugal, foi fácil encontrar emprego. Já não se tratava de ir para a guerra, aliás só foi à tropa aos 26 anos. Tinham passado 15 anos entretanto e vivia-se os fantásticos anos 90 do quase pleno emprego e da muita procura por pessoas qualificadas. Bancos, distribuição, multinacionais, estava tudo de braços abertos.
Por isso não é de estranhar que tenha num sábado comprado o Expresso, respondido a cinco anúncios e sido chamado a três entrevistas. Escolheu uma empresa de peças automóveis onde iria usar a sua "magia" com o Lotus 123 para informatizar 60 mil referências automóveis. Logo ele que nem percebia grande coisa de carros. Não adorava o que fazia e um dia uma amiga falou-lhe de trabalhar numa sala de mercados. Nem sabia o que era, confessa. Mas lá foi até ao banco que estava a contratar e lá ficou.
Eram os anos 90, o setor financeiro explodia de dinamismo e ele era "dealer" numa sala de mercados. Era isso que fazia questão de dizer quando lhe perguntavam o que fazia. "Sou dealer" – e depois do susto lá desarmava e acrescentava o resto da frase.
Em 1995, organizou o primeiro festival de música contemporâneo em Portugal, o Super Bock, Super Rock numa sociedade, a Música no Coração, que ainda nem era bem uma empresa e que se tornaria, primeiro, a sua casa de partida no mundo dos espectáculos e, depois, a sua rival e concorrente. Porque é que um dealer financeiro se lembraria de organizar um festival? "Porque sempre viajei muito e pensava que se em Barcelona as pessoas gostam de festivais, se em Londres as pessoas gostam de festivais, porque não irão gostar em Lisboa?". Este era o tempo, recorda, em que havia um concerto de dois em dois meses ao longo do ano e que no verão as agências que existiam se debatiam para fazer os três ou quatro concertos do ano.
Aquela primeira edição foi, como as primeiras vezes geralmente são, inesquecível. "Estava a fazer tudo ao mesmo tempo. Trabalhava das 8 às 6 no banco, ia organizar o festival a seguir e nasceu o meu filho, um mês antes do primeiro Super Bock, Super Rock".
Não passou muito tempo até que saísse do banco e que aquilo passasse a ser a sua vida. Correu-lhe bem, na Música no Coração primeiro e depois na Everything is New. Mas, mais de duas décadas depois, não há um ano que não haja alguém que lhe pergunte se acha que vai mesmo conseguir vender os bilhetes todos do Alive. "Temos que ter vontade, senão desistimos", diz encolhendo os ombros. Mas não é tudo esforço – "a estrelinha da sorte conta" – mas também não são tudo rosas. "É o que dizem, que os festivais são todos um grande sucesso, mas é mentira. se somarem os capitais próprios das várias empresas do setor, assustam-se".
E é daqui que deixa um dos conselhos a quem anda no mundo das PME: não confundam caixa com lucro. O outro é que vale mesmo a pena o dinheiro que se gasta em estrutura, seja apoio jurídico, contabilidade ou outro – "por não terem isso, muitos desistem".
A ele preocupa-o que em Portugal o Estado tenha uma estrutura repressiva e não preventiva. Dá o exemplo do Alive: "estamos 'abertos' 39 horas e somos fiscalizados por 100 pessoas diferentes". É aquilo que chama a atitude orientada à multa: "Eu hei-de encontrar um problema para te passar uma multa". Coleciona histórias, desde os pequenos, mínimos, operadores que colaboram com o festival e que são cercados pelas Finanças durante os três dias – porque ali sabem que vão ter dinheiro de caixa – até às multas administrativas que muitos pagam para impedir tornarem-se um alvo para as autoridades de fiscalização. E daqui conclui que em Portugal as empresas são "o xerife de Nottingham a cobrar impostos para entregar ao princípe João".
__"Sejam atrevidos e não tenham medo. Ter uma empresa é nunca ter sossego"
Problema de país com tradição de falta de dinheiro mas onde, ainda assim, vê alternativas. Como por exemplo se todos os portugueses gastassem por dia um euro em algo que não precisam. Corrige e diz que bastaria que gastassem 20 cêntimos por dia. O que custa mesmo 20 cêntimos por dia? – a audiência olha-o intrigada. "Comprem jornais, façam assinaturas digitais, porque precisamos de imprensa livre. No dia em que a imprensa livre desapareça, a nossa voz desaparece".
Tem dois conselhos veementes: sejam atrevidos e não tenham medo. Ter uma empresa é nunca ter sossego, mas é preciso pensar sempre como podemos fazer a diferença e não ter medo de arriscar diz o homem que tem uma das terapias que considera fundamentais para viver o dia a dia moderno. "Temos três terapias possíveis, uma são as igrejas de onde as pessoas saem felizes e achar que a vida vai melhorar e não se importam de pagar para isso, outra é a que a maioria de nós usa e que inclui ir a um concerto, jantar fora, fazer uma viagem, e depois há a dos que não contam o dinheiro e podem pagar 150 euros à hora para um terapeuta lhes dizer que está tudo bem".
Falou o homem que é de direita mas acredita mais que a média que a união faz a força e que é preciso juntar esforços. O homem que percebe que Trump ganhou porque disse aos americanos o que precisavam ouvir – que vão ter empregos porque a América não vai continuar a concorrer com a China em condições desiguais de salários e de direitos. O empresário que se incomoda quando a Primark abre com t-shirts a 50 cêntimos "porque basta fazer as contas e não é preciso dizer mais nada".