Robinhood, de herói a vilão dos mercados. Ou como tirar aos ricos para dar aos pobres nunca é tão simples quanto parece
Era uma vez uma fintech inovadora que prometia “tirar aos ricos para dar aos pobres”. A pandemia deu-lhe a oportunidade de ser tornar a marca financeira de eleição para as gerações mais jovens de investidores. Um grupo no Reddit pode ter estragado os planos quando decidiu ir atrás dos grandes fundos de investimento de Wall Street.
O direito a investir
A Robinhood foi criada em 2013 por dois antigos “wallstreetianos”, Vladimir Tenev e Baiju Bhatt, que tinham como objetivo permitir um acesso mais democrático à negociação em mercados financeiros. Não era necessariamente tirar aos ricos para dar aos mais pobres, mas o objetivo passava por criar uma plataforma que retirasse ao comum investidor alguns obstáculos na transação de ativos, nomeadamente, as comissões elevadas que eram cobradas por muitas corretoras e os montantes de depósito iniciais que eram exigidos.
- O que tinha a app de diferente? Permitia a negociação de acções de empresas e de ETFs (Exchange Traded Funds, ativos que permitem através de um único ativo financeiro investir num conjunto de acções em simultâneo) livre de comissões e com mecanismos de depósitos mais suaves, não só exigindo valores mais baixos, como sendo mais rápida nas transferências de fundos das contas bancárias para as contas de trading na sua plataforma.
- Qual o modelo de negócio? Além de um forte investimento privado que permitiu subsidiar a filosofia da plataforma (onde, por coincidência, se incluem alguns dos grandes bancos de Wall Street), a Robinhood também tem as receitas habituais associadas a serviços financeiros: o juro dos empréstimos feitos pela plataforma e as receitas dos serviços de subscrição como o Robinhood Gold (acesso a depósitos instantâneos mais rápidos, negociação fora de horas e analytics de mercado). Contudo, a principal fonte de rendimentos chama-se payment for order flow, em português, pagamento por reencaminhamento de ordem, que está associado ao facto de a plataforma não ter a estrutura necessária para processar uma grande quantidade de transações e de por isso reencaminhar muitos pedidos para outras plataformas, serviço pelo qual cobra um valor.
Um acaso chamado pandemia e uma Teoria chamada Robinhood
2020 foi um ano maldito, mas a Robinhood não tem grande razão de queixa, tanto que até teve uma teoria financeira associada ao seu nome. As principais bolsas de valores (Nasdaq, S&P500, Dow Jones) atingiram valores recorde e para isso contribuiu a Teoria Robinhood, que descreve o aumento significativo de investidores individuais amadores verificado durante a pandemia e principalmente em períodos de confinamento devido à inexistência de apostas em desportos – ou se quisermos ser politicamente corretos, devido ao aborrecimento. A Robinhood tornou-se a plataforma de eleição para estes investidores (americanos na maior parte) e em 2020 apresentou resultados animadores:
- 13 milhões de utilizadores no final de 2020, mais três milhões que no ano anterior.
- A idade média do utilizador da plataforma é 31 anos, um valor mais baixo que a concorrência, o que indica que a app é a predileta dos millennials e gerações mais novas.
- No segundo trimestre de 2020, a Robinhood teve receitas de 150 milhões de euros, o dobro do primeiro trimestre. A sua valorização nesta altura ultrapassou os 10 mil milhões de euros no final de 2020.
- Teve também uma sempre importante vitória moral ao levar muitas plataformas concorrentes a seguir as pisadas do seu modelo e baixar as comissões que cobravam.
A GameStop e um desastre de marketing
Muito se escreveu nos últimos dias sobre o caso da cadeia de lojas de videojogos americana em declínio (saiba mais neste artigo do SAPO24). Desde o verão de 2020, o valor das acções da GameStop passou de 4 dólares para 493 dólares a determinada altura na semana passada (um crescimento de 12.500%). Tudo poderia fazer algum sentido se a empresa tivesse feito uma viragem épica no seu negócio. Mas não foi isso que aconteceu. Tudo não passou de uma guerra declarada de um grupo de investidores no Reddit, WallStreetBets, aos grandes grupos financeiros de Wall Street, onde a Robinhood era o arco e a GameStop a flecha.
Resumidamente, uma série de movimentos de mercado levou a que o preço da ação disparasse e que se tornasse altamente volátil com milhões de utilizadores a comprarem e a venderem em simultâneo (tanto que as acções da GameStop foram as mais transacionadas na semana passada). Isto levou a que a Robinhood e outras plataformas decidissem bloquear ou limitar as transações da GameStop – e de outras acções que estavam a apresentar padrões semelhantes (como AMC, Nokia e Blackberry) – classificando-as com um risco de mercado muito elevado.
Duas narrativas foram criadas para justificar esta decisão:
- A plataforma anti-sistema protegeu o status-quo: devido aos seus investidores e a pressões de Wall Street, a Robinhood decidiu impedir os seus utilizadores de negociar determinadas acções e dessa forma proteger os interesses de grandes grupos financeiros como a Melvin Capital, que estavam a perder muito dinheiro com a evolução positiva do preço. Como resultado disso diversos utilizadores, que durante meses elogiaram a plataforma, colocaram processos em tribunal contra a mesma por os ter lesado.
- Teve de ser assim: qualquer serviço financeiro, como acontece com os bancos, tem de ter, por lei, um certo nível de liquidez para garantir que, se grande parte dos seus utilizadores/clientes quisesse levantar o dinheiro que tinha disponível, o poderia fazer. Com o volume registado de transações na GameStop e noutras acções, a Robinhood já não conseguia garantir isso e por isso decidiu limitar as operações feitas nesses ativos. Não será uma surpresa as notícias de mais rondas de investimento levantadas pela empresa nos últimos dias.
Em suma: o caso levou a que se esteja a repensar cada vez mais o futuro dos mercados financeiros (já não há ciência nenhuma?) e qual o papel que plataformas como a Robinhood e grupos de investimento vão desempenhar neles, no controlo de potenciais manipulações. As respostas não vão ser encontradas nos próximos dias, mas se a plataforma de trading quiser recuperar a imagem que tinha construído vai ter de fazer um grande esforço.
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