Voltar | Indústrias Criativas

Netflix. Vamos “Continuar a ver”?

por | 28 de Abril, 2021

Netflix. Vamos "Continuar a ver"?

Ontem à noite decorreu a cerimónia dos Óscares, na qual a Netflix contou com 36 nomeações por filmes como “Mank”, “The Trial of Chicago 7” e “Ma Rainey Black Bottom”. Num ano em que a maior parte das pessoas viu filmes em streaming, a empresa acabou por levar sete estatuetas douradas para casa, apesar de nenhuma delas pertencer às categorias principais.

Contudo, esta não será uma rubrica de análise à popular “celebração de Hollywood”. Para isso, poderá ler e subscrever a nossa newsletter-irmã “Acho Que Vais Gostar Disto”. Na semana passada, a Netflix andou na boca do mundo dos negócios quando apresentou os seus resultados para o primeiro trimestre de 2021 e destacou um “indicador terrível”: tinha registado apenas 4 milhões de novos subscritores entre janeiro e março, dois milhões abaixo das expectativas de Wall Street. De pouco valeram os 208 milhões de subscritores globais, as receitas recorde no trimestre (superiores a 7 mil milhões de dólares) e ainda os 50.2% na market share de procura por conteúdos online, de acordo com a Parrot Analytics. Muitos preconizaram o início do fim do domínio da empresa e, no dia seguinte, o preço das ações da Netflix já tinha desvalorizado 10%. Será razão para tanto?

A culpa é da concorrência… e da Covid

A Netflix é considerada uma das poucas vencedoras da pandemia que enfrentamos há mais de um ano. Os confinamentos, os isolamentos sociais obrigatórios e o fecho das principais atividades outdoor tornaram o streaming e, por conseguinte, a Netflix na principal forma de entretenimento quando não estávamos a estudar, a trabalhar, a tratar das crianças ou a fazer pão. Só no primeiro semestre de 2020, a Netflix ganhou 26 milhões de subscritores, um valor bastante diferente daquele que será observado em 2021, dado que o serviço espera apenas 1 milhão de novos utilizadores no próximo trimestre. Que fatores contribuíram para esta mudança de tendência?

  • Enquanto em 2020, a Netflix beneficiou do facto de ter uma série de conteúdos prontos a serem lançados semana após semana, em 2021 a situação é bastante diferente. A pandemia atrasou muitas das produções que eram para ser finalizadas em 2020 e lançadas este ano, o que faz com que a capacidade da plataforma de lançar hits de forma regular seja bastante inferior. Os principais sucessos foram as séries “Lupin” e “Bridgerton” e nenhum dos filmes nomeados para Óscar conseguiu ganhar buzz suficiente, embora fossem dos poucos disponíveis para visualização legal.
  • A segunda metade de 2020 e o início de 2021 trouxeram uma competição bem mais acesa. A Disney+ ultrapassou os 100 milhões de subscritores e teve as duas séries que mais destaque ganharam online: “The Mandalorian” e “WandaVision”, de acordo com a Parrott Analytics. A WarnerMedia, responsável pela HBO, decidiu lançar todos os seus blockbusters (i.e “Liga da Justiça de Zack Snyder) em simultâneo no cinema e no streaming e, neste trimestre, superou o crescimento da Netflix, em subscritores, nos EUA. Por outro lado, estas e outras plataformas começaram a recuperar conteúdo que tinham licenciado à Netflix, retirando um “pouquinho” o appeal da plataforma. De relembrar que, durante a pandemia, “Friends” e “The Office” foram dos conteúdos mais vistos na Netflix (nos EUA) e ambos deixaram de estar disponíveis.
  • Por último, muitos países começaram a abrir (mais lentamente no caso português) e várias atividades que estiveram indisponíveis, durante algum tempo, passaram a fazer parte da agenda das famílias e dos consumidores. À medida que as primeiras vacinas foram sendo distribuídas pelas populações, cafés, bares, museus, salas de espetáculo, instalações desportivas e parques de diversão foram progressivamente abrindo e o streaming deixou de ser a única opção viável para muitas pessoas.

Para já, não são necessários grandes alarmismos

Mesmo assim, de uma forma geral, a Netflix continua numa posição muito favorável, quando comparada com a dos seus mais diretos rivais.

  • O serviço de streaming default. Um estudo nos EUA revelou que 92% dos consumidores que tinham subscrito um novo serviço de streaming já tinham Netflix. Ninguém usa a funcionalidade “Ver qualquer coisa”, mas a verdade é que a plataforma é a primeira nas nossas mentes quando vamos à procura de algo para nos entreter antes de irmos dormir.
  • Mais subscritores não é tudo. Um dos indicadores mais importantes no setor do streaming é o ARPU (receita média por utilizador). A Disney+ tornou-se numa ameaça grande ao ultrapassar os 100 milhões de subscritores, mas o seu ARPU é cerca de 4 dólares. O da Netflix é de 11 dólares, quase o triplo. No final do ano passado, a Netflix aumentou ligeiramente os seus preços e mesmo assim conseguiu continuar a aumentar a sua base de clientes. São boas notícias.
  • A mais adaptada aos mercados internacionais. Os mercados fora dos Estados Unidos estão no centro da estratégia de crescimento da Netflix para o futuro. Ser a plataforma “com tudo, para todos os gostos” implica não só ter filmes, séries e documentários de todos os géneros, mas também histórias com as quais as audiências das diferentes regiões onde está presente se possam conectar. E é isso que a plataforma tem feito nos últimos anos, contando com quase 140 milhões de subscritores fora dos EUA e Canadá. Os seus rivais mais diretos ainda têm um longo caminho a percorrer nesse sentido.
  • 17 mil milhões de dólares. É quanto a Netflix vai investir em conteúdo em 2021, um valor superior ao da concorrência e ao PIB de países lusófonos como Moçambique e Guiné-Bissau. Adicionalmente, a plataforma também assinou um acordo com a Sony para licenciar os conteúdos da produtora e pagou 450 milhões de dólares por duas sequelas de “Knives Out”. Daqui a 1 ano, apostamos que vamos estar a escrever algo bem diferente sobre o primeiro trimestre de 2022.

No futuro… não é expectável que a Netflix consiga manter uma posição monopolista no mundo do streaming como aquela de que gozou durante alguns anos. Haverá mais plataformas e mais conteúdos para roubar a atenção das audiências, que são as consequências de um mercado a atingir um nível maior de maturidade. É por isso normal que a Netflix tenha anos melhores e anos menos bons como o toda a gente, dependendo da performance dos filmes e séries que lança.
Faz parte da vida.