Da ‘Internet of Things’ à ‘Internet of Trees’. Como a tecnologia pode tornar as florestas mais resilientes
Com informação mais precisa sobre as ignições, o combate pode ser agilizado; com a ajuda da inteligência artificial, as consequências podem ser calculadas. É a tecnologia ao serviço de florestas mais inteligentes e resilientes.
A ‘Internet of Things’ (IoT, Internet das Coisas) é a ligação de objetos e equipamentos do dia-a-dia à rede. A ‘Internet of Trees’ (Internet das Árvores) é a solução da Smart Forest, uma 'start-up' portuguesa, para florestas melhor preparadas para o combate a incêndios.
Simplificando, podemos dizer que o sistema funciona ligando as árvores à Internet. Várias caixas (agentes) são colocadas estrategicamente nas árvores de um terreno. Dentro destes agentes, há vários sensores que estão constantemente a monitorizar uma série de parâmetros ambientais.
Estes agentes recolhem informação e falam uns com os outros, passando ciclicamente a informação recolhida até chegar a um concentrador. É esse concentrador que está ligado, atualmente por uma ligação 2G, aos servidores centrais da Smart Forest. A informação depositada é depois processada e mostrada aos utilizadores, através de um painel disponível na Internet, programada em HTML5, para poder funcionar em todos os dispositivos.
Nesse painel, podem ver-se os agentes, identificados através de um código de cores que alerta para o estado de cada uma das caixas. As situações de alerta podem ser a deteção de fumo, aumento súbito da temperatura, aumento súbito da humidade relativa do ar, mau funcionamento do equipamento, entre outros parâmetros.
Quando o sistema deteta uma situação grave, isto é, um alarme que indique suspeita de incêndio, os utilizadores recebem não apenas uma informação visível no painel de controlo, mas também uma SMS, um e-mail ou mesmo uma chamada telefónica automática.
A informação recolhida pode ser disponibilizada de várias formas. "A nossa ideia é construir algoritmos de 'machine learning' [aprendizagem automática] e de inteligência artificial para dar outro valor à informação que é recolhida". Essas capacidades de analisar a informação a vários níveis podem ser úteis para produtores florestais, que terão uma ferramenta para controlar a produção ou fazer estimativas, explica Eduardo Henriques.
Esta solução "tem impacto de várias maneiras. Para as pessoas que vivem da floresta, protege os seus bens; para as pessoas que vivem junto da floresta, protege o meio ambiente e protege a floresta e os benefícios que a floresta lhes traz", conta Eduardo Henriques, um dos quatro membros da Smart Forest.
"Para todos nós, podemos ver isto de uma maneira mais abrangente e falar das alterações climáticas. Acho que um dos grandes fatores disso acaba por ser a diminuição cada vez maior das florestas e é um problema."
Onde há fumo, é muito provável que haja fogo. Espoletar o alerta
O fumo é o elemento que os sensores dos agentes conseguem analisar com maior assertividade. É possível saber se há fumo ou não, bem como como a quantidade de fumo. Os parâmetros estão definidos pela Smart Forest, para diminuir eventuais falsos alarmes.
Quando deteta fumo, o alarme não é imediatamente desencadeado. "Vai validar durante algum tempo se aqueles valores se mantêm ou diminuem. Se realmente se mantiverem, ele envia uma mensagem prioritária que não fica à espera de ciclo nenhum de tempo para chegar ao servidor" e espoletar o alerta.
"Não podemos ter a certeza absoluta [de que se trata de um incêndio]"; porém, o sistema é capaz de perceber se um equipamento falhar de repente, a que se juntam outros, sucessivamente, há uma probabilidade de se tratar de um incêndio.
Atualmente, o sistema está implementado, com cinco equipamentos, na Quinta do Pisão, em pleno Parque Natural Sintra-Cascais, e com um piloto na serra de Monchique, com 17 equipamentos espalhados por uma área de 15 hectares. Esta última instalação aconteceu já em abril deste ano.
Por isso, o sistema ainda não passou por uma situação real de incêndio, tendo os testes sido feito em laboratório. "É um bocadinho difícil convencer as pessoas a fazermos uma fogueira, especialmente depois do que se passou no ano passado", diz Eduardo. Antevendo, porém, a possibilidade de o equipamento ser posto à prova num fogo controlado numa zona confinada da quinta de Cascais.
"Uma coisa é fazer testes em laboratório, outra é fazer testes no meio ambiente, temos muitas variáveis que influenciam os valores que estamos a recolher", explica Eduardo Fernandes em entrevista.
Quatro amigos, uns copos e uma inevitabilidade
A ideia surgiu no final de 2016, numa conversa de quatro colegas de faculdade. "Estávamos a beber copos ao fim do dia, juntámo-nos para conversar e às tantas estávamos a falar que o tema dos incêndios se estava a tornar numa coisa banal, corriqueira; já fazia parte da vida das pessoas em Portugal, já não chocava ninguém, era um dado adquirido: 'vamos gastar não sei quantos milhões em combate e vão arder não sei quantos mil hectares, mas não há nada a fazer'", conta.
Mas os quatro amigos acharam que, apesar das dificuldades, tinha de haver uma alternativa. "É difícil, sabemos que há interesses instalados muito grandes, mas nós tínhamos formação, éramos dois engenheiros de software, um geógrafo e um engenheiro de eletrónica", explica. Acreditaram que eram capazes de fazer "qualquer coisa barata, fiável e autónoma, que se meta no terreno e que fique lá a trabalhar sozinha e que pelo menos dê alguma ajuda. Não conseguimos dizer que vamos evitar os incêndios florestais, mas pelo menos pode tornar a deteção mais rápida e o combate mais eficaz".
Já no princípio de 2017, inscreveram-se no concurso de empreendedorismo Acredita Portugal, que venceram na categoria de Serviços. A seguir, inscreveram-se no concurso Big Smart Cities, ganhando o segundo lugar.
Já conseguiram mostrar a fiabilidade da recolha e transmissão dos dados, são capazes de analisar os dados e disponibilizar a informação ao utilizador. "A única coisa que ainda não conseguimos garantir a 100% é a questão da deteção do incêndio no terreno devido às contingências", situação que será ultrapassada caso a Quinta do Pisão avance com o fogo controlado.
Neste momento, estão a tentar uma campanha de 'crowdfunding' (financiamento comunitário), para permitir que pelo menos dois elementos da equipa se possam dedicar a tempo inteiro ao projeto. É que, por agora, nenhum dos quatro tem capacidade financeira para abandonar o emprego atual, "o que atrasa o andamento do projeto", afirma Eduardo Henriques.
"Ao nível do financiamento, as pessoas acham a ideia muito interessante, muito interessante, mas financiamento, não. Então, estamos a tentar desenhar uma campanha de 'crowdfunding' para aproveitar também esta onda em que se fala novamente de incêndios" e tentar acelerar o projeto, que tem sido financiado pela equipa e pelos 2.500 euros do prémio, "que desaparecem num instante".
Garantir que é infalível
No ano passado, as falhas de comunicação do sistema de emergência do Estado, o SIRESP, levantaram várias questões. Assim, sendo, como é que a Smart Forest garante que a comunicação entre agentes, concentradores e servidores não é quebrada?
A única forma de garantir que as comunicações são 99% fiáveis será com um satélite, explica Eduardo Henriques. Todavia, essa solução será muito mais cara. Agora, o sistema está assente numa rede de tecnologia móvel 2G/3G, estando em perspetiva, com o apoio da Vodafone, a evolução para o NB-IoT, uma rede de banda estreita concebida especificamente para a utilização em equipamentos da família "Internet das Coisas".
Essa ligação 2G serve para os concentradores, que comunicam com os servidores. Os agentes, por outro lado, são autónomos, não precisando de estar ligados a redes externas. Cada agente comunica com outros dois, até a informação de todos chegar ao concentrador. O algoritmo, desenvolvido pela Smart Forest, trava a repetição das mensagens, ou seja, cada agente recebe a mensagem uma única vez, isto para evitar a sobrecarga da rede.
Desenvolvimento constante
O desenvolvimento do produto pode passar pela adição de mais funcionalidades. Mas Eduardo não pensa em ter alguma vez a versão final do sistema. Pelo contrário, estará sempre em evolução.
Nesta primeira fase dedicam-se apenas à alarmística, no entanto, numa segunda fase podem, através da recolha de dados, conseguir simulações da progressão do incêndio. "Tendo por base os dados que são recolhidos da direção e velocidade do vento", conjugados com o tipo de vegetação e a orografia do local, e recorrendo a modelos matemáticos, é possível procurar fazer simulações da progressão do incêndio, permitindo delimitar as zonas de risco e a velocidade de propagação com maior precisão, o que pode facilitar evacuações e a alocação dos meios.
A matemática pode ajudar também com o uso de algoritmos de predição de incêndios. A recolha dos dados ambientais pode ajudar a fazer uma previsão da probabilidade de haver uma ignição numa determinada zona.
Outra funcionalidade possível é a captação de imagens de satélite para acompanhar a progressão do incêndio. O satélite não será útil na deteção (devido à distância entre passagens), mas ajudará no acompanhamento das chamas.
Para já, estas são as ideias a implementar no futuro. "Mas amanhã posso lembrar-me de outra coisa qualquer e dizer 'agora vamos pôr isto também'. Isto é um processo", afirma Eduardo. São ideias para fazer "passo a passo".