Roberto Antunes: “O turismo é quase um pote onde encontramos tudo e mais alguma coisa”
A 9ª temporada do The Next Big Idea arrancou na Covilhã, cidade escolhida para sede do Nest – Centro de Inovação do Turismo, uma associação que reune entidades públicas e privadas e que é liderada por Roberto Antunes. Coincidência ou não, esta organização já estava sediada na Covilhã mesmo antes de a pandemia fazer os portugueses procurarem os destinos mais recatados do interior. Com a missão de ajudar as empresas do turismo nos processos de inovação, Roberto Antunes conta como foi atravessar os primeiros meses da Covid-19 e de que forma um ano de dificuldades que ninguém esperava poderá ser também o ano em que o setor se reinventou.
Uma das boas ideias que o turismo teve este ano foi a capacidade de estar fora dos circuitos mais óbvios e com mais gente. Como é que encaram esta espécie de premonição?
Costuma-se dizer que há males que vêm por bem. Obviamente este mal não é de todo desejado, mas na estratégia do turismo já se falava e estava muito bem preconizada a descentralização, até das próprias organizações. Fez-se a implementação do Centro de Inovação aqui na Covilhã e olhem só como nós estamos agora, na Covilhã e em todo o interior. É extremamente apetecido por parte dos residentes, dos nacionais, dos estrangeiros. E de facto faz parte do nosso futuro. Aqui nós encontramos todos aqueles valores da riqueza patrimonial, das montanhas, das planícies, das florestas. É isso que o interior hoje em dia oferece e cada vez mais é procurado.
Um ano depois de terem avançado com o Nest, acontece a pandemia. De repente pensaram “nós estamos na Covilhã e a Covilhã é daqueles sítios que as pessoas vão achar que é uma boa ideia para estar …”
Vivemos num país relativamente pequeno e com uma acessibilidade muito boa e num momento em que as tecnologias nos permitem estar mais próximos do que nunca. A localização geográfica de todo é uma barreira. Pelo contrário, utilizando todas as possibilidades de ligações digitais, permite-nos estar próximos mais do que nunca. O interior serve-nos de inspiração para aquele Portugal que tem um enorme potencial de se desenvolver por conta do turismo.
Quando pensaram na ideia de inovação no turismo quale era o vosso principal o objetivo?
O princípio, na verdade, é o sonho [risos] e sonhar pode ser esse verbo. Foi pensar como podíamos fazer o desenvolvimento do turismo, pensando que o futuro será muito diferente e de como é que poderemos estar sempre no dia a dia atentos a essas transformações, que cada vez acontecem mais rapidamente.
Independentemente de em 2020 se ter tornado uma urgência repensar o turismo, há um ano já era uma urgência repensar o turismo. Porque é que decidiram criar uma entidade que se dedicasse especificamente a pensar em inovação no turismo?
Para trabalharmos o turismo precisamos de ter quase um pensamento da economia aberta e da economia do futuro, da economia digital, pensando que as mudanças acontecem mais rapidamente. E o turismo, por ser feito por pessoas para pessoas, precisa de entender mais do que ninguém todas essas questões sociais, ambientais e económicas. Entender como é que se deve orientar para o futuro é quase uma responsabilidade e para isso era preciso criar um grupo que junto pudesse aliar todas estas oportunidades. Por isso é o que o Nest é composto por sócios fundadores de outros setores que não necessariamente só do turismo. Na verdade o turismo é quase um pote onde lá encontramos tudo e mais alguma coisa, todos os setores se encontram no turismo.
__De que maneira é que o Nest pode ajudar a fazer essa ponte entre o que já temos de base com essa nova geração?
Com um olhar muito atento para essas tendências. Um exemplo são os digital nomads. Temos agora uma boa parte da população trabalhadora, 40% na União Europeia e nos Estados Unidos também, que nem sequer está sediada ou fechada no escritório e que tem esta possibilidade e na verdade até anseia fazer uma descoberta do mundo e viajar enquanto trabalha.
Ainda durante a pandemia temos imensas pessoas, no interior e nas grandes cidades, a escolheram Portugal como um destino seguro e que lhes propicia toda uma série de oportunidades desde as ligações à internet, as ligações aéreas ao resto da Europa, um ambiente super limpo, uma população muito acolhedora e simpática. Portanto até mesmo neste momento em que existem algumas limitações preferem estar em Portugal e não noutro país para conseguirem fazer o seu trabalho e ainda assim viverem uma experiência de turismo.
De que maneira é que a tecnologia que já temos como garantida ajudou a que um ano difícil como 2020, nomeadamente para o turismo, fosse menos mau?
Muitas das vezes as tecnologias que não vemos são aquelas que têm o seu propósito muito bem concretizado. Porque por detrás de todas as inovações está uma necessidade humana. Não existe tecnologia por tecnologia. A razão de ser é sempre para conseguir facilitar um desejo, uma ambição, uma vontade humana. Existem muitas tecnologias hoje que, com o advento da pandemia, se proliferaram, os QR codes, que nós vemos em todos os menus. Inclusivamente os biomatrics, que acontecem em todos aqueles hubs e aeroportos. E testes que acontecerem em Portugal e servem de exemplo para o resto do mundo de como se pode abolir muito do que o contacto físico e retirar até muitos do que são processos burocráticos, como o check in ou check out. As aplicações que permitem marcações do nosso lugar em meios de transporte, todas as aplicações que também nos permitem perceber a quantidade de pessoas e se aí reside algum risco da minha presença nesse espaço, nas praias, nos supermercados e noutros locais. A tecnologia, quando entra, entra devagarinho e nem damos conta da sua existência. Existe aqui também uma certa excitação e um pensar criativo em todos nós seres humanos de como é que se pode replicar muitas das experiências doutros setores ou doutras áreas e que de repente se podem aplicar inclusivamente no turismo. A abolição das filas, a compra de bilhetes, quer de transportes ou de atividades, de forma virtual, o usufruto de determinadas experiências em realidade aumentada. Obviamente, também a tecnologia está ao serviço de operações cada vez mais ágeis, flexíveis, que se conseguem coadunar com esta mudança rápida dos tempos. Vemos também muitas alterações no plano económico, nas empresas, novos modelos de negócio.
Uma das vossas prioridades é como é que conseguem fazer chegar essas soluções e essas ideias novas a um conjunto enorme de empresas de pequena dimensão. Qual é o vosso papel nesse processo?
O nosso papel é estimular a inovação e criar aquele conceito que se ouve muito falar do Silicon Valley, da tal aldeia da inovação. Quanto mais nós tomarmos isto como uma oportunidade, mais vamos entusiasmar aqueles ao nosso redor. E quer seja no escritório, no café, no restaurante, isso vai ser uma oportunidade para discussão e de encontrar, na verdade, as conexões. Esta ideia de aldeia precisa de ser criada e para isso é preciso estimular uma cultura virada para a inovação. O momento atual leva-nos muito a pensar de que não existem muitas outras alternativas se não inovar. E inovar não é algo de que se tem de ter receio. Todos aqueles que sempre conseguiram construir uma história de sucesso sempre inovaram, fizeram algo diferente e disruptivo. Só que nos dias de hoje existem muito mais possibilidades de isso acontecer.
Em abril decidiram iniciar um programa para colocar mais pessoas a falar umas com as outras, a aprender umas com as outras. O que é que fizeram?
Num momento tão difícil, foi interessante ver que as pessoas perguntavam e pediam por informações. Sobre como poderiam tirar a oportunidade de naquele momento, sobretudo estando em casa, aprender, conhecer mais sobre inovação, sobre estratégia. Foi muito claro que havia uma grande necessidade de fluir com este género de informações dentro do setor e, portanto, foi muito imediato do nosso lado o espírito de arregaçar as mangas.
Começámos por desenvolver uma série de webinars, desde a componente mais estratégica até à utilização de tecnologias. E construímos 60 destes temas, 60 webinars com a presença de cerca de 10 200 pessoas. Os vídeos eram sempre colocados no Youtube e foram vistos por cerca de 20 500 pessoas. Tínhamos em programa cerca de 30 e acabámos por concretizar 60 sessões webinars ao longo de 2 meses e meio.
Em Portugal, há pelo menos meio milhão de pessoas que trabalha no turismo. É este conjunto de pessoas que fará o produto turístico do futuro. Que produto é que vocês imaginam que Portugal deve ser enquanto destino turístico?
Portugal, independentemente das gerações, é valorizado pelo facto de sermos um país limpo, ter gente simpática, com uma geografia espetacular, uma proximidade do mar, uma gastronomia fantástica. Na essência do produto estão sempre estes valores que vão ser eternos. A razão pela qual o turista vem a Portugal é porque encontra aqui muito daquilo que já se perdeu em muitos outros locais do mundo. Mantivemos as nossas tradições, os nossos hábitos e costumes, e isso é, por si só, algo que faz valer a pena que as pessoas se mobilizem e venham experienciar. O que o turista hoje em dia procura é viver aquilo que os locais vivem. Olhar para o futuro é apostar em grandes pilares que fazem com que a aposta no crescimento do turismo seja feita de uma forma sustentável. Para permanecermos neste estatuto de que somos o melhor destino turístico do mundo. E por isso temos de pensar em como fazemos essa experiência, retirando tudo aquilo que a possa bloquear, seja de um ponto de vista burocrático, nas transações, na mobilidade, no tráfego das nossas estradas, na interação entre os próprios meios de transporte, nas questões de pagamentos, ou até o advento da desmaterialização de toda a moeda. E fazer com que tudo isto seja virtual e fácil e que no final do dia nos permita usufruir daquilo que é o turismo: um produto emocional. O turismo é competitivo. Um turista concebe normalmente mais do que um destino. Portanto estamos sempre, mesmo enquanto ainda está em casa a olhar fotografias no Instagram, em competição com muitos destinos. O nosso papel aqui é fazermos com que sejamos os primeiros na mente das pessoas e precisamos de convencê-los com tudo de melhor que nós temos: a nossa gente, a nossa cultura, o nosso país espetacular. Mas temos depois de ser muito estratégicos na forma como utilizamos os meios de comunicação, as redes sociais, e garantirmos também que aqui têm a experiência mais alinhada com as espectativas do momento, com as experiências que um turista procura. Cada vez vivemos mais num mundo que valoriza a individualidade. É muito importante conseguir trabalhar não para massas mas para microsegmentações.
Estando à frente de um organismo ligado ao turismo, o que é que te lembras do primeiro dia após termos a noção de que tinha chegado a pandemia e de que íamos ficar fechados em casa?
Espírito de missão. Momentos em que precisamos que o melhor de nós venha ao de cima.
Tiveste medo?
Não tive medo. Tive a sensação de que teria de retirar muito do que são aqueles pensamentos em que às vezes nos podemos perder e que teríamos de ser muito pragmáticos. Mas pragmáticos com inteligência, pensando como o que estamos a plantar agora nos pode trazer um benefício para depois. Houve uma grande clareza do setor sobre o que estava a precisar. Precisava de garantir que se conseguiam manter os empregos o máximo possível, que as pessoas conseguiam ainda trabalhar, ainda que à distância, garantir que conseguiam entregar tudo aquilo que era necessário cumprir de um ponto de vista de higiene e saúde dentro do setor. E de uma forma muito espetacular e com os meios que existiam todos os restaurantes de repente tinham menus digitais, os hotéis, as atividades turísticas e por aí fora. Toda a gente se mobilizou inclusivamente para responder aos princípios do selo Clean and Save do Turismo de Portugal, com cerca de 90% de cumprimento ao fim de um mês. Em pouquíssimas semanas colocámos programas para apelar aos inovadores, às startups, às tecnológicas para trazerem ideias. Soluções tecnológicas que hoje em dia já estão a ser utilizadas. Nesta caminhada da necessidade, muitas das vezes os momentos difíceis fazem-nos muito fortes. Sebastião Salgado [fotógrafo brasileiro] dizia que a luz só faz sentido pela existia pela existência da sombra. É no jogo dos contrastes, dos polos opostos, e nestes momentos mais difíceis que conseguimos criar coisas muito boas e fundamentais para o turismo se diferenciar e ser competitivo.
Trabalhaste muitos anos fora de Portugal, mais de uma década. Portanto ouviste falar de Portugal fora de Portugal. O que é que te perguntavam mais? Do frango assado ou do marisco?
É verdade! Perguntam sempre muito pela gastronomia. O frango assado, o marisco… Mas uma grande curiosidade é como é que um país tão pequeno pode ser tão diversificado, uma grande curiosidade sobre a história.
De que é que tinhas mais saudades quando estavas fora de Portugal?
Do bacalhau, bacalhau muito bem feito, de açorda, dos doces conventuais, de pão de ló de Alfeizerão com doce de ovos no meio.
E és um português daqueles que consegue ficar a falar de comida enquanto come?
Consigo. Consigo falar de comida enquanto como [risos].
Tu estás à frente de uma entidade que provavelmente junta duas das áreas mais apetecíveis em Portugal, nomeadamente para uma população mais jovem: turismo, e inovação e tecnologia. O que é que ninguém nos conta sobre o que é trabalhar num sítio que aparentemente é o melhor de dois mundos?
Ninguém nos conta que apesar de ser tudo sobre lazer, sobre desfrutar da vida e de momentos bons, para construir isso existem muitas pessoas a trabalhar, um manancial de pessoas que muitas das vezes não são vistas no nosso dia a dia para fazerem as coisas acontecer. Seja no nosso quarto, na rua, na alimentação, enfim, na experiência de que estamos a usufruir. É um setor que tem uma quantidade enorme de trabalhadores que devido à sazonalidade muitas das vezes têm dificuldade de empregabilidade ou até de garantir que o seu emprego de época para época se mantém. Existem muitas profissões também dentro do próprio setor que não são muito valorizadas. E no final do dia são esses pequenos detalhes que fazem com a experiência seja memorável, quando tudo acontece com um sorriso na cara, com pessoas simpáticas. Essas pessoas são fundamentais para fazer com que o turismo seja aquilo que é.
O que é que tu esperas encontrar no turismo de Portugal depois de passar a pandemia? O que é que tu esperas que tenha ficado e o que é tu esperas que tenha desparecido?
Vou começar talvez pelo que terá desaparecido: o receio que nós temos de aplicar novos pensamentos, tecnologia e inovação, porque de facto isso é estratégico. Precisamos de arriscar um pouco, às vezes dar uns saltos de fé para termos um país onde a cultura abraça um pouco mais o empreendedorismo, a experiência, a tentativa, a falha também, e aprender com ela. Isso é aquilo em que faz sentido evoluirmos, para nos vermos livres de algumas amarras que nos inibem do ponto de vista de inovação. Por outro lado aquilo que gostaria que Portugal mantivesse é toda a sua razão de ser. Ter curiosidade com o próprio turista, querer que passe aqui o melhor tempo possível num espaço que se não padronizou e que mantem bem vincada a sua identidade, a sua diferença. Isso é a forma como nós vamos conseguir ser um turismo de excelência no futuro.