Relive. Proptech portuguesa à procura do sonho americano
por Miguel Magalhães (Texto) | 28 de Março, 2022
A startup desenvolveu uma solução para facilitar o trabalho do consultor imobiliário e de quem quer comprar e vender casa. Agora, coloca as fichas do seu futuro no mercado americano, onde estão 15 dos 17 fundos que investem no seu setor.
Há umas semanas tive a oportunidade de falar com o José Costa Rodrigues, jovem empreendedor português, que, depois do sucesso da cadeia de smartphones Forall Phones (entretanto vendida), tem agora uma nova startup em mãos. Diante de uma câmara de computador e com a bandeira portuguesa pendurada na prateleira do quarto em Austin, no Texas, fala-me da Relive, uma ideia que surgiu quando José estava a tratar da expansão de lojas da “Forall”.
“Eu dava por mim a passar a maioria do tempo a visitar espaços, rever contratos, falar com consultores imobiliários e pensei que arrendar uma casa ou uma loja devia ser dos processos mais chatos do mundo”, confessa. Foi este sentimento que levou José a interessar-se pelo setor do imobiliário e a comprar um franchise da Remax em Marvila, antes sequer de fundar a Relive.
A cadeia-líder em Portugal era o lugar ideal para compreender melhor o setor e descobrir os obstáculos e desafios que precisavam de uma solução. Passados alguns meses, duas coisas eram óbvias para o jovem empreendedor: primeiro, mesmo sendo “a Remax”, havia uma falta de ferramentas tecnológicas que pudessem facilitar o processo de compra e venda de casas; segundo, o consultor imobiliário é o centro de qualquer negócio, na medida em que a sua experiência influencia em grande parte o sucesso e suavidade da operação; terceiro, os padrões de procurava estavam a mudar rapidamente e, agora, para encontrar casa, as pessoas já não se deslocam às lojas das imobiliárias, mas sim a plataformas como ‘a idealista’, onde os imóveis são promovidos por diversas marcas em simultâneo e o fator diferenciação de serviço já não sobressai tão facilmente.
Para José Costa Rodrigues continuava tudo a girar à volta do consultor imobiliário, que ainda não tinha à sua mercê uma boa plataforma tecnológica. Então, depois de deixar Marvila para trás, o jovem fundador e a sua equipa começaram a desenhar a Relive como “uma mobile app para ajudar os consultores imobiliários a tornarem o seu dia-a-dia mais eficiente, a gerirem o seu negócio”, descreve.
Contudo, além de se focar nos consultores imobiliários já no mercado, a plataforma também queria ser o destino para pessoas à procura de uma oportunidade de trabalharem para si próprias e que vissem nesta carreira a possibilidade de ter um negócio rentável.
Um modelo bom para todas as partes
O que é então a Relive? Depende da pessoa que pergunta.
- Para consultores imobiliários é uma aplicação onde podem gerir todo o processo de venda dos seus clientes. Para José, “é uma espécie de CRM (Customer Relationship Manager)” onde estes podem gerir contabilidade, advogados, marketing e ter um assistente virtual. Adicionalmente, antes de se tornar um consultor da empresa, o indivíduo recebe uma formação extensiva, para garantir que aprende a utilizar as ferramentas e fornece o melhor serviço possível.
- Para quem quer vender casa é uma plataforma onde pode ter um acompanhamento personalizado sobre a melhor avaliação a dar ao seu imóvel e vendê-lo.
- Para quem quer comprar casa é mais uma plataforma onde pode encontrar uma oferta de mais de 100 imóveis.
Para gerar receitas, a Relive tem um modelo de subscrição para o serviço que disponibiliza a consultores, que pagam um valor mensal de 29 euros. Além disso, a plataforma ganha uma percentagem cada vez que um dos seus consultores vende um imóvel.
“A Relive só ganha dinheiro se os consultores forem bem-sucedidos”, afirma o CEO da plataforma, partilhando inclusive que fazer parte da Relive não tem de ser visto como uma aposta ou negócio de risco, dado que “se correr bem, podes fazer bastante dinheiro (…). Se correr mal, investiste 29 euros por mês e podes rapidamente seguir para outro projeto”, acrescenta.
No entanto, a indústria do imobiliário em Portugal ainda é muito conservadora e há muitos desafios que vão ser colocados à Relive para ser bem-sucedida:
- “Em teoria, as grandes [imobiliárias] têm mais probabilidade de vender”. A Relive enfrenta um desafio de reputação, na medida em que vai enfrentar empresas que estão há muito tempo no mercado e que têm mais presença na mente do consumidor na altura de comprar casa ou pedir ajuda para a vender.
- “Em média, os consultores imobiliários têm hoje 54 anos”. Existe um envelhecimento natural da profissão que pode tornar a adoção de uma tecnologia como a da Relive mais lenta e que pode criar uma urgência e esforço maior na atração de um target mais novo (atualmente, a média de idades de consultores da Relive é de 32 anos), que, mais uma vez, pode preferir a segurança de uma imobiliária mais conhecida.
- “Falta tempo”. Há o desafio da oferta, que está muito ligado ao primeiro destes quatro pontos, dado que a utilização da plataforma por um volume maior de pessoas está também dependente da variedade e quantidade de imóveis que a Relive tem disponível. E levar as pessoas a confiar na Relive não vai acontecer da noite para o dia.
- Há o desafio da escala. Por mais que se cresça, o mercado português tem uma dimensão pequena e oferece poucas possibilidades de ganhos a investidores que queiram fazer parte do percurso da Relive.
Para enfrentar alguns destes desafios, José Costa Rodrigues tem tirado proveito das suas redes sociais, nomeadamente o LinkedIn e o Instagram, onde faz muito do recrutamento e da prospeção de imóveis que podem acabar na plataforma. “Até é normal, ter gente a vir ter comigo diretamente e a pedir ajudar para vender a casa”, partilha.
No entanto, para ver a sua empresa crescer, o jovem CEO acreditava que era necessário um passo mais drástico, e é por isso que o capítulo mais recente da história da Relive está a acontecer nos EUA.
À procura do sonho americano
Ir para os EUA sempre foi algo que José Costa Rodrigues ambicionou, já antes sequer de criar a Forall Phones. “Muita da inovação que chega à Europa e a Portugal vem dos EUA – a Netflix, a Uber…”, reflete o CEO. Isso fazia com que quisesse estar na linha da frente do que está a ser feito na indústria das proptech (property + technology) e atravessar o Atlântico à procura desses avanços.
Contudo, para José, não se tratava só de ambição pessoal, mas sim de uma decisão racional para a sua empresa: dos 17 fundos de investimento especializados em proptech, 15 encontram-se nos EUA. Portanto, as pessoas com maior probabilidade de investir na Relive estavam num mercado com o qual tinha zero relação, em termos contactos e de presença. Daí a necessidade de fazer as malas.
A mudança começou a ser preparada com um ano de antecedência, no qual José teve conversas regulares com a Embaixada dos EUA em Portugal para garantir que tinha todos os documentos necessários. De seguida, a Relive decidiu candidatar-se a três programas de aceleração nos EUA, entre eles o da 500 Startups, na Califórnia (por onde passou a Talkdesk), e o da Techstars, que se realizava no Texas.
Depois de ser aceite em ambos, a decisão do CEO da Relive acabou por recair no Texas, por diversas razões:
- Um mercado de 30 milhões de pessoas (3x o português)
- Austin, cidade onde decorre o programa da Techstars, está a tornar-se um dos novos hubs do empreendedorismo americano
- O programa de três meses da Techstars ia permitir que a Relive tivesse uma rápida visão do seu mercado e futuro através de sessões de formação, workshops de desenvolvimento de produto e reuniões com investidores e players do mercado americano.
Desde o fim de janeiro (altura em que falei com o CEO da Relive), que a empresa vive em dois fusos horários: o fuso horário português, no qual os co-fundadores da startup portuguesa, Sérgio e Henrique, coordenam as operações locais e passam feedback regular a José; e o fuso horário americano, seis horas atrás, no qual José tenta criar negócio, passar as principais aprendizagens do programa e integrá-las na plataforma da Relive, de modo a que esteja pronta a ser utilizada em qualquer mercado.
“Não é um processo fácil de gerir”, assume o jovem CEO, mas é algo que tem de ser feito para que a sua empresa possa almejar a algo mais, mesmo não tendo garantias nenhumas de que poderá regressar a Portugal com algo de concreto. A ronda de financiamento de 1 milhão de euros, levantada em janeiro, é um bom sinal do trabalho que está a ser desenvolvido e os objetivos passam por, até ao fim do programa da Techstars, adaptar a tecnologia aos EUA, conseguir licenças para operar no país, descobrir um ponto de diferenciação no mercado e conseguir uma ronda de investimento liderada por investidores locais.