Reciclar para subscrever a Netflix? A Trash4Goods criou um novo incentivo para portugueses separarem o lixo
por Gabriel Lagoa | 18 de Novembro, 2024
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A startup desenvolveu uma app que recompensa quem recicla. Com dois meses de existência e 500 utilizadores, a empresa já tem 40 mil ecopontos registados em Portugal.
A reciclagem em Portugal continua aquém das metas. O alerta é deixado num relatório da Agência Portuguesa do Ambiente divulgado em maio deste ano. A entidade afirma que embora haja melhorias na recolha seletiva, que tem aumentado na última década, a taxa de recolha indiferenciada “mantém-se elevada” e que “é crucial inverter” o panorama.
“Motivar para gerar ainda mais ação é fundamental. São os cidadãos que depositam as suas embalagens nos ecopontos e, por isso, a par de terem ao dispor um serviço de qualidade e conveniente, há que investir em campanhas de proximidade e diferenciadoras, ensinando o impacto positivo que este gesto tem no planeta”, afirma Ana Trigo Morais, diretora executiva da Sociedade Ponto Verde, citada pela Lusa.
Com esta realidade em mente, a Trash4Goods quer mudar a forma como os portugueses olham para a reciclagem. Para isso, criou uma aplicação que atribui pontos aos utilizadores quando estes reciclam, os quais podem depois ser trocados por produtos e serviços. A startup, que nasceu no Instituto Superior Técnico, tem como objetivo combater as baixas taxas de reciclagem em Portugal e reduzir a contaminação dos resíduos.
“O nosso objetivo foi sempre combater as taxas de contaminação e melhorar as taxas de reciclagem que havia em Portugal”, explica Afonso Ravasco, CEO da Trash4Goods. A ideia surgiu após uma análise aos métodos utilizados nos países nórdicos. “Tentámos ir buscar as mentalidades que se veem na Finlândia, Suécia ou Alemanha, onde existe uma capacidade de atribuir valor aos resíduos. Uma garrafa de plástico é vista como matéria-prima, com valor associado, em vez de ser apenas lixo”, refere.
A aplicação, lançada há cerca de dois meses, conta já com 500 utilizadores e está presente em quase todo o território continental português. “Só nos faltam algumas regiões na zona de Viseu, Porto e Braga”, adianta o CEO. A plataforma inclui mais de 40 mil ecopontos registados na app e opera através de um sistema de geolocalização.
Como funciona?
Na prática, os utilizadores deslocam-se até um ecoponto, depositam os resíduos e indicam na aplicação que reciclaram. Por enquanto, trata-se de um sistema baseado na confiança, com algumas limitações implementadas. “Limitamos a reciclagem a uma vez por dia para as pessoas não ficarem o dia todo só a clicar e a fazerem batota”, conta o responsável.
A startup pretende evoluir para um sistema mais tecnológico nos próximos tempos, com a instalação de ecopontos inteligentes. “Queremos ter uma forma mais justa para dar pontos às pessoas por cada resíduo que colocam e ter uma recompensa mais pela reciclagem em si e não só pelo sistema de confiança que temos atualmente”.
Os utilizadores podem reciclar vários tipos de resíduos como embalagens, cartão, vidro e resíduos elétricos e eletrónicos. Num projeto-piloto realizado com a Worten, a Trash4Goods recolheu duas toneladas de resíduos elétricos em três meses. Noutra iniciativa, foram recolhidas 800 garrafas em oito horas num evento desportivo.
Reciclar para ver Netflix?
Os pontos acumulados podem ser trocados por diversos produtos e serviços. “Temos prémios mais mediáticos como Spotify Premium e Netflix, mas também apostamos em marcas sustentáveis como a Mind the Trash e a 8000 Kicks, que faz uns sapatos sustentáveis muito engraçados. Também estamos focados na comunidade gamer, por exemplo, com descontos em jogos na loja online Steam”, refere o CEO. A empresa está em negociações com outras marcas, incluindo supermercados e ginásios.
O processo para obter as recompensas é relativamente rápido. “Tentamos dar um prémio no máximo em uma semana a 15 dias. O objetivo é que, se fores consistente a reciclar durante 15 dias, consigas ter acesso a um determinado tipo de prémio”, explica Afonso Ravasco. Alguns benefícios são descontos, outros são ofertas como um bónus de investimento na GoParity para novos utilizadores.
Novos projetos com municípios à vista
A Trash4Goods prepara-se para iniciar um projeto-piloto com a Nova School of Business and Economics. A instituição já dispõe de máquinas de reciclagem no campus, onde os utilizadores poderão entregar garrafas e receber pontos de forma automatizada.
Para 2025, os planos incluem a expansão para os municípios. “Os municípios têm grande interesse em aumentar as suas metas de reciclagem”, refere o executivo. A startup quer também alargar a tipologia de resíduos aceites e estabelecer novas parcerias, incluindo com o Humana para a recolha de roupa em segunda mão.
Embora Portugal seja a prioridade do momento, a expansão internacional está nos horizontes da empresa, com especial interesse nos mercados alemão e escandinavo. “Eles já são campeões da reciclagem. Queremos lançar algumas funcionalidades mais digitais dentro da aplicação que possam apelar a esse público”. A estratégia passa por começar pela Espanha antes de avançar para outros mercados europeus.
Afonso Ravasco reconhece que o estado da reciclagem em Portugal é preocupante, com taxas abaixo da média europeia. “É triste ter de pensar assim, mas precisas quase desta cenoura à frente dos olhos para muitas pessoas realizarem a reciclagem”, lamenta.
Para além dos incentivos, a falta de conhecimento continua a ser um obstáculo significativo. “Sou questionado sobre onde colocar uma escova de plástico ou uma tampa de caneta. Por falta de conhecimento, as pessoas acabam por, inconscientemente, não reciclar corretamente”, conclui.
A startup participou recentemente no Clean Future, um programa de aceleração, promovido pela Unicorn Factory Lisboa destinado a soluções inovadoras no âmbito da sustentabilidade, e está atualmente a preparar uma ronda de investimento para financiar os seus planos de expansão e o desenvolvimento de novos projetos com municípios, uma área que consideram estratégica para o crescimento em 2025.