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Portuguesa Hephaesnus criou um vaso inteligente para revolucionar o combate aos incêndios

por Gabriel Lagoa | 2 de Outubro, 2024

O vaso autónomo é capaz de detetar e combater incêndios sem intervenção humana. Espanha e França já estão na mira da startup portuguesa.

Todos os anos, Portugal é fustigado por incêndios florestais. Segundo dados do sistema Copernicus, o sistema europeu de observação da Terra, a área ardida em Portugal continental em 2024 (até setembro) é de quase 140 mil hectares consumidos por 168 incêndios significativos (com 30 hectares ou mais de área ardida). Olhando para a frente, o cenário também não se avizinha animador: as alterações climáticas estão a tornar os incêndios mais frequentes e mais intensos. Além disso, a gestão florestal considerada inadequada continua a representar um dos principais constrangimentos à redução do número de ignições. 

Assim, seja pelos verões quentes e secos, pelos terrenos de difícil acesso, ou pela predominância de espécies altamente inflamáveis como o eucalipto, a verdade é que Portugal é particularmente vulnerável a incêndios de grande escala, potencialmente causadores de vítimas e de elevados prejuízos (ambientais, económicos e sociais). 

Corria o ano de 2020 quando Amaro Martins e Henrique Bastos estavam sentados à mesa de um café, a falar sobre as notícias que davam conta desta realidade e a falta de inovação no setor do combate aos incêndios. “Percebemos que ainda combatemos as chamas da mesma forma que em 1980, e decidimos mudar isso”, conta Amaro. O resultado dessa conversa foi um desafio: criar uma solução que pudesse ajudar “as pessoas, como os proprietários e os bombeiros, a contribuir positivamente para a mudança no combate aos incêndios florestais”. 

Com esta ideia em mente, criaram a Hephaesnus, uma startup portuguesa de I&D tecnológico, e o Sallus, a solução considerada inovadora para o combate aos fogos. Na prática, o Sallus é um vaso inteligente, capaz de detetar e extinguir incêndios de forma totalmente autónoma, sem necessidade de intervenção humana. O projeto evoluiu rapidamente, e em 2022 já era uma empresa estabelecida. Um ano depois, em 2023, receberam investimento de um fundo de capital de risco. 

Oportunidade num mercado segmentado

O diferencial do Sallus está na sua abordagem integrada. “O mercado está demasiado segmentado. Se alguém quer proteger uma casa contra incêndios, tem de lidar com pelo menos três empresas diferentes: uma para deteção, outra para combate e mais uma para fornecer a carga extintora”, explica Amaro Martins, CEO da Hephaesnus, que acrescenta que o Sallus integra todas essas funções num único dispositivo. 

O dispositivo possui sensores de deteção de chamas com um alcance de 10 metros. Ao detetar um incêndio nas proximidades, o Sallus emite um alarme sonoro e, simultaneamente, ativa um sistema pressurizado que liberta uma carga extintora, como nos sistemas de rega, por exemplo. 

“A nossa carga extintora é uma inovação própria, atualmente em processo de patenteamento”, revela o executivo. “É não tóxica, podendo entrar em contacto com a pele ou ser inalada sem efeitos prejudiciais para a saúde humana ou animal”. Além disso, a carga possui propriedades retardantes e gelificantes, mudando de forma com o aumento da temperatura. 

Cada unidade do Sallus tem uma cobertura de 30 metros quadrados, e o CEO sugere que uma empresa pode criar uma barreira protetora eficaz com três ou quatro vasos em linha. Para proteger uma área do tamanho de um campo de futebol, por exemplo, seriam necessários cerca de oito dispositivos.

Uma das vantagens desta solução diz respeito à autonomia. “O Sallus não precisa de qualquer ligação externa”, reforça Amaro Martins. “Muitas vezes, durante os incêndios, a eletricidade é cortada, deixando as pessoas sem meios para proteger as suas propriedades. O nosso sistema pressurizado está permanentemente ativo”. Com uma bateria, o dispositivo pode funcionar por cerca de dois anos. No entanto, quando equipado com um painel solar, a vida útil pode chegar a 8-10 anos antes que a bateria se degrade completamente. Quanto ao preço, cada vaso custa 990 euros, incluindo a personalização. 


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Perigo aumenta procura

A startup está focada em propriedades em áreas florestais e empresas com ativos em zonas de risco. “Temos tido bastante tração em espaços de exploração económica, ou seja, pequenas empresas em meio florestal e, sobretudo, em parques de campismo e glampings“, diz Amaro Martins. “Estes locais estão frequentemente inseridos na natureza, perto da floresta, e têm um ativo económico muito forte para proteger, incluindo os clientes que frequentam o espaço”. 

Apesar do potencial, a Hephaesnus enfrenta desafios na implementação da sua tecnologia. O CEO admite que há uma certa resistência inicial devido ao fator de inovação. “As pessoas ainda estão muito presas aos sensores convencionais de fumo e de deteção de chama que ainda estão no mercado e são muito mais baratos. Mas esses sensores não contribuem em nada para o combate, são apenas um elemento de deteção que depois vai depender dos bombeiros e da disponibilidade dos mesmos para atacar as chamas”. 

No entanto, o aumento dos incêndios tem gerado cada vez mais interesse nesta tecnologia com ADN 100% português. Os fogos que fustigaram Portugal nas últimas semanas resultaram num aumento significativo na procura, especialmente de parques de campismo e empreendimentos de glamping. “Dada a sensação de perigo, as pessoas sentem que têm que apostar mais neste tipo de tecnologias”, acrescenta o executivo. 

Espanha e França na mira

A Hephaesnus não pretende limitar-se ao mercado português. Já há interesse internacional na tecnologia, principalmente de Espanha, com foco nas regiões da Galiza e da Catalunha. A médio prazo, a empresa planeia expandir-se para França, e a longo prazo, visa entrar em mercados como Canadá, Austrália e Estados Unidos, onde Amaro Martins acredita que o interesse e a capacidade de investimento em tecnologias deste tipo são ainda maiores.

Além da proteção de propriedades privadas, a Hephaesnus vê potencial para colaborações com as autoridades locais e as corporações de bombeiros. “Estamos sempre disponíveis para colaborar, seja com municípios, juntas de freguesia ou com vários proprietários de empresas que se juntem para adquirir o vaso em conjunto”, afirma o CEO. A empresa também está a considerar o uso da sua carga extintora como aditivo em aviões e helicópteros de combate a incêndios.

A curto prazo, a empresa está a focar-se em alavancar o processo de vendas, tendo recentemente iniciado um sistema de pré-reservas. A médio prazo, o objetivo é a internacionalização e a criação de uma rede de distribuidores internacionais, começando por Espanha e França.

A longo prazo, a Hephaesnus ambiciona uma expansão global, com planos para a distribuição e cedência de direitos comerciais, especialmente para países onde o interesse e a capacidade de investimento em tecnologias de combate a incêndios são significativamente maiores.