Voltar | Sustentabilidade

“Podemos posicionar-nos como um caso de sucesso na produção de energia renovável”

por Miguel Magalhães (Texto) | 2 de Julho, 2024

Em entrevista ao The Next Big Idea, Tomás Penaguião, Partner na Bynd Venture Capital, afirma que a sustentabilidade representa uma enorme oportunidade económica para a Península Ibérica.

Começando por uma perspetiva mais macro, sentes que o mercado de VC na primeira metade de 2024 tem estado em recuperação face aos anos anteriores?

2021 e 2022 é que foram outliers e houve uma explosão do investimento e vimos muitos fundos que não são habituais a começar a fazer investimento em startups que mais tarde deixaram de o fazer. Se analisarmos num intervalo de tempo mais passado, a verdade é que tanto 2023 como 2024 são anos de investimento que seguem uma trend positiva comparativamente com a década passada. Olhando para o mercado ibérico, que é onde investimos [a Bynd] em early-stage, não vemos um claro abrandamento do investimento, antes pelo contrário. Acho que continua a haver bastante apetite e capital para startups numa fase inicial de desenvolvimento tanto em Portugal como em Espanha.

Num mundo do venture capital, tem sido díficil escapar às avolumadas rondas que têm sido angariadas por startups de IA. Sentes que há uma ligação entre este boom e um maior investimento em climate tech e outras tecnologias sustentáveis?

Sim, claramente. São duas trends que podem ser vistas em separado, mas que têm uma correlação forte porque o AI vai permitir a mais empreendedores construirem startups tecnológicas, com menor custo inicial de desenvolvimento e de forma mais rápida. Neste momentos, temos “Copilots” que podem acelerar entre 5 e 10 vezes o desenvolvimento de produtos e portanto vemos alguma correlação entre as duas áreas e vemos a aplicação de IA para resolver o desafio grande que temos pela frente na transição energética e para alavancar a tecnologia para um uso mais sustentável. Um exemplo é por exemplo a descoberta de novos materiais sustentáveis com AI, fazendo simulações que aceleram bastante o desenvolvimento de entender quais é que são os materiais que fazem ou não sentido desenvolver. Outro exemplo é com a rede elétrica e com a preocupação de ter uma rede inteligente que permita que os inputs dêem melhores outputs de energia renovável, que é mais inconsistente. Também na área da logística, em que AI pode ajudar a fazer rotas mais eficientes e a fazer um planeamento melhor de entregas ou fazer uma manutenção preditiva.

SUBSCREVA A NEXT

A newsletter com as melhores histórias do mundo da inovação, da tecnologia e das empresas.

Acompanhe o futuro dos negócios e os negócios com futuro!

Quando olhamos para sustentabilidade,  qual é que tem sido a principal mudança em termos de investimento? 

Na última década, a grande transição que existiu foi na dependência que tínhamos de energias fósseis para uma base de renováveis. Se olharmos para o ano passado, mais de 60% de toda a energia consumida na Península Ibérica vem de fontes de energia renováveis, com um peso grande das eólicas e das hídricas. Este ano, em 2024, essa percentagem ainda aumentou, portanto é possível que acabemos este ano com 70-80% de toda a energia consumida ter uma base renovável. Eu diria que na Península Ibérica esta foi a grande aposta que foi feita e que nos posiciona como um país que anteriormente não tinha nenhuma vantagem de produção em termos de energia fósseis e que neste momento, aproveitando a exposição solar que temos, o vento, todo o território costeiro, que nos podemos posicionar como um caso de sucesso na Europa em termos de produção de energia renovável.

Temos estado tradicionalmente atrás dos países do Norte da Europa no que diz respeito à transição energética. Consideras que estamos mais próximos ou ainda há um caminho a fazer?

Eu diria que ainda existe um caminho a fazer. O principal desafio que nós temos pela frente não é a falta de talento. A nível de universidades e de atração de recursos, ou seja, de pessoas a vir para Portugal ou Espanha, estamos bastante bem posicionados. Mas é sobretudo no budget governamental que pode ser alocado a atividades de investigação e desenvolvimento. Acredito que nessa parte ainda temos um percurso a fazer e também na passagem de projetos teóricos de I&D para empresas reais que consigam entrar no mercado e consigam gerar um output positivo para a economia. E muito disto deve-se a fatores mais subjetivos como a falta de uma mentalidade mais empreendedora dentro das universidades, de ainda não existir um grande conhecimento de como trazer tecnologia da academia para o mundo real e todo o papel que os investidores podem ter para ajudar as empresas nestas transições. Diria que é aí que temos o maior gap.

Quando olhas para as empresas que estão no portefólio da Bynd, nomeadamente aquelas com um cariz mais sustentável, o que é que dirias que são as principais aprendizagens que enquanto VC tens recebido delas?

Eu acho que o mercado português tem uma condicionante de para uma startup ser bem sucedida não pode pensar apenas no mercado nacional. O nosso mercado é limitado ao nível da dimensão o que obriga as empresas desde o dia um a olharem para fora e a pensarem como é que se podem internacionalizar e a dominar outros mercados. Isto acaba por ser uma coisa boa nas startups portuguesas e que muitas vezes os investidores internacionais valorizam. A nível dos principais desafios, eu acho que serão resolvidos com os anos, com mais maturidade do ecossistema. Haver mais fundadores a montar startups pela segunda e terceira vez. Já terem essa bagagem, esse track-record da experiência de terem sido fundadores anteriormente. Faltam fundos que tenham vindo a apoiar estas empresas durante mais tempo e que tenham mais experiência a construir startups tecnológicas de raiz. 

Como olhas para a evolução da sustentabilidade e os critérios ESG como métricas para analisar a qualidade de um investimento numa startup?

Nós como base somos investidores financeiros, o nosso objetivo é retornar o máximo de capital aos nossos investidores, mas as condicionantes de mercado levam a que o investimento em sustentabilidade seja um dos nossos pilares. Temos uma enorme oportunidade económica porque os consumidores têm cada vez mais uma consciência de que esta transição tem que existir, porque os próprios investidores em fundo valorizam que exista esse tracking de métricas ESG e na verdade no nosso novo fundo temos como objetivo dedicar 40% do investimento a startups que promovam características de ESG.

Tem-se falado muito das métricas de neutralidade de carbono para 2030 e para 2050. Como alguém que tem visão completa sobre este ecossistema acreditas que enquanto sociedade estamos em posição de conseguir atingir essas metas?

É um desafio enorme que temos pela frente. Eu como investidor, o que acredito é que o papel da tecnologia nessa transição e para atingir essas métricas é fundamental e é umas das principais alavancas. Mas existem outras. Medidas governamentais que apoiem esta transição, teres fundos públicos ou europeus que possam financiar atividades de R&D, darem subsídios a empresas de hard tech num ciclo de desenvolvimento de produto mais longo, mas o papel dos VCs a apoiar este tipo de empresas e ajudá-las a desenvolver tecnologia que possa contribuir para um mundo mais sustentável é enorme. Essas métricas só serão atingidas se houver progressos tecnológicos que assim o permitam. Não nos podemos esquecer que há economias emergentes que não estão no mesmo patamar que nós. Há milhões de pessoas que ainda têm de sair da pobreza e que, neste momento, é essa a prioridade. Elas apenas irão optar por produtos mais sustentáveis de facto existir um incentivo económico para isso.