“Parece que estou numa poltrona, em casa, só que no meio do canal”
por The Next Big Idea | 14 de Fevereiro, 2022
Nos próximos dois anos, os 27 moliceiros que diariamente circulam na ria de Aveiro passarão a ser movidos a energia elétrica.
Os 10 cais da Ria de Aveiro foram nos últimos dois anos apetrechados com pontos de carregamento que permitem aos 27 moliceiros em circulação nos canais da cidade mover-se a energia elétrica em vez de combustível fóssil. A transição não será nem imediata nem global, mas Aveiro adiciona assim um novo cartão-de-visita a um dos ícones da cidade que são precisamente os característicos barcos.
“Trata-se de uma iniciativa que tem como objetivo final que todos os 27 barcos moliceiros a operar nos canais urbanos possam abandonar a motorização a combustão e utilizar a combustão elétrica, com baterias. O que a Câmara fez foi instalar uma infraestrutura de conexão com vários pontos”, explica Simão Vieira, responsável por este projeto na autarquia.
Antes da pandemia, em 2019, foi realizado um teste piloto com apenas um moliceiro. Durante quatro dias, foi possível circular num veículo com carregamento elétrico e tirar partido das duas valências mais óbvias: o impacto ambiental e a ausência do ruído do motor. “A experiência foi positiva, as pessoas gostaram imenso. Algumas diziam ‘parece que estou numa poltrona, em casa, só que no meio do canal’ e elogiavam o silêncio e a paz”, relata Simão Vieira.
Podem parecer todos iguais, mas, na ria, circulam dois tipos de barcos: o mercantel e o moliceiro. O primeiro, de maiores dimensões, demorará mais tempo a carregar – estima-se que de 6 a 8 horas -, o segundo, mais pequeno, deverá ficar com carregamento ao fim de 5 a 6 horas. “A expectativa é que este carregamento dure para o dia inteiro. Será um carregamento efetuado durante a noite para que de manhã possa operar, com um eventual reforço de carga ao almoço. A energia absorvida no carregamento das baterias durante a noite deve ser suficiente para as 10 horas de operação, durante o dia”.
Dos testes já realizados há dois indicadores que se destacam: o da eficiência da energia consumida versus a energia nas hélices e o impacto ambiental. “Há um ganho de cerca de 30% de energia, para além do facto de a força colocada na hélice, num motor elétrico ser muito mais eficaz do que num a combustão. Tal como nos veículos automóveis, é o mesmo efeito”.
Sobre as potências, o carregamento para uma embarcação com uma duração até 8 horas, exige uma potência, por tomada, na ordem dos 30 amperes de corrente ou uma potência até 7 Kilowatts. “Este é o desenho dos sistemas de referência que estão a ser equacionados pelos operadores e os carregadores que a Câmara instalou estão capacitados para disponibilizar uma potência até 7.4 KW, ao dia de hoje. Mas os ramais de energia elétrica, que estão conectados à EDP, têm capacidade superior, isto é, se for necessário fazer uma atualização nas potências dos pontos de carregamento, os cabos que foram passados na via pública já suportam o dobro da potência que está atualmente instalada”.
Quanto ao impacto ambiental, num cenário em que todas as embarcações estão convertidas ao motor elétrico, a poupança estimada é na ordem das 400 toneladas de CO2, por ano, que não se emitem na atmosfera.
A estes dois indicadores, soma-se um terceiro que é o conforto para quem faz a viagem. “Passa a ser uma viagem muito menos ruidosa. Depende da posição em que uma pessoa está no barco, mas quem está do meio do barco para o lado do motor, praticamente não ouve nada”.
A infraestrutura passou pela fase final de testes em janeiro. “Os ramais estão concluídos e, neste mês de Janeiro, foram feitos testes finais aos equipamentos de carregamento e também fechada a solução de encaminhamento de cabos para os decks, para as paredes, para os muros”.
A partir daqui, os operadores terão dois anos para fazer a conversão das embarcações para elétricas, segundo o que ficou definido no regulamento dos operadores marítimo-turísticos que têm as concessões atribuídas. “A certeza que temos neste momento é que há pelo menos um operador que tem o projeto europeu aprovado e tem o financiamento para fazer a conversão de pelo menos uma embarcação, já neste semestre”.
O investimento é significativo pelo que a expectativa é que o processo seja gradual.
Para a autarquia, o projeto tem, além dos impactos reais, um significado também na forma como Aveiro se quer posicionar, nomeadamente como destino turístico. “É uma aposta no turismo mais sustentável, este é o primeiro passo ao nível do transporte turístico. Agora é perceber como podemos descarbonizar em outras atividades”.