Nas cerca de 4000 startups que existem em Portugal, o salário médio é de 1700 euros, 63% acima da média do país. E se queremos discutir como qualificar a economia e criar condições para viver melhor em Portugal, este é um bom ponto de partida.
A Web Summit estreou-se em Portugal em 2016, mas a mudança cultural no que respeita à forma como passámos a olhar para as novas empresas aconteceu antes, entre 2012 e 2014, em plena crise financeira e intervenção da troika. Com honrosas exceções, num país maioritariamente de pequenas e médias empresas, estas nunca tiveram a atenção que verdadeiramente deveriam ter tido e quando estavam na ribalta era porque algo tinha corrido muito bem ou muito mal.
Até que surgiu um tipo de empresas, também de pequena dimensão, mas com a particularidade de serem fundadas, em regra, por pessoas com competências e conhecimento em áreas de futuro, como a tecnologia ou as ciências da vida. As startups tornaram a ideia de fazer uma empresa uma coisa sexy e não maçadora e sem perspetivas de evolução – que era basicamente a razão pela qual a maior parte dos jovens, antes de 2010, sonhava com o emprego numa grande empresa ou no Estado e não numa PME. Além do salário, claro.
os Estados Unidos são a pátria de Google, Apple ou Tesla, mas a Europa tem um campeão chamado Ozempic que nasceu de uma inovação quase por acaso e que empurrou o crescimento de 2% do PIB da Dinamarca no último trimestre de 2023
Nestes 10 ou 12 anos, aquilo que se convencionou chamar de ecossistema de inovação mudou muito em Portugal. Passámos de um país avesso ao risco para um outro em que a ideia de criar uma empresa ou de começar a vida profissional numa empresa recente passou a ser um cenário para muitos dos nossos estudantes do ensino superior.
Os números ilustram e mostram a racionalidade das decisões que conduziram a esta mudança. Segundo o relatório de 2023 da Startup Portugal, “Portugal Role in The Global Startup Scene”, existiam no final do ano passado 4073 startups que davam emprego a 25 mil pessoas e que faturaram no seu conjunto 2,2 mil milhões de euros (cerca de metade em exportações).
Apesar de ser mais comum chegarem aos media notícias sobre as maiores tecnológicas, que contratam (e também despedem) às dezenas ou às centenas, a maior parte das startups são, lá está, pequenas empresas. O número médio de empregados é seis, o que compara com o não muito maior número média das empresas em geral em Portugal que é oito.
Mas estas 4073 startups, em média pequenas empresas, têm uma particularidade: o salário médio é de 1700 euros, o que significa que estão 63% acima da realidade das empresas portuguesas.
Falamos muitas vezes nas startups como incubadoras de soluções de futuro, mas esta é uma dimensão que falamos menos: são também incubadoras de modelos de trabalho, profissões e competências futuras com salários que correspondam de forma mais adequada às expectativas não só de mais jovens, mas de todos os que de alguma maneira podem com o seu trabalho acrescentar valor à economia e à sociedade.
A maior parte das startups operam, como é comum na maior parte dos países, na área genericamente designada por tecnologias de informação e de comunicação (3278 empresas em 4073). No relatório da Startup Portugal não está especificado um segmento que é conhecido por ciências da vida e que agrupa os projetos que decorrem tipicamente de investigação e que têm em regra uma base universitária ou de parceria com universidades. É possível que na lista de setores contemplada no estudo estejam diluídos por várias áreas de acordo com o produto final, mas este é um setor em que Portugal tem mostrado ser especialmente capaz e com potencial para fazer melhor.
Temos hoje mais estudantes estrangeiros e mais cooperação com universidades internacionais, o que aumenta a nossa exposição e converge com a avaliação global positiva que Portugal tem no que respeita a qualidade de vida, bem-estar e segurança.
É, curiosamente, um setor que quase se pode dizer silencioso, apesar do trabalho e das vitórias já alcançadas. É também um setor muito alinhado com as competências que podem diferenciar a Europa no mapa-mundo da inovação. A saúde representa 8% da força de trabalho na EU e 10% do PIB. Se quisermos ilustrar essa diferenciação com os nomes mais populares podemos dizer que os Estados Unidos são a pátria de Google, Apple ou Tesla, mas a Europa tem um campeão chamado Ozempic que nasceu de uma inovação quase por acaso e que empurrou o crescimento de 2% do PIB da Dinamarca no último trimestre de 2023.
É também no setor que une a investigação científica às empresas que opera a Asgard Therapeutics, empresa pioneira em reprogramação celular direta in vivo para o tratamento do cancro. O nome pode ser menos “pop” que Ozempic (certamente menos pop), mas foi a protagonista de uma ronda de investimento de 30 milhões de euros em março deste ano. Particularidade: a Asgard Therapeutics foi fundada em 2018 por três cientistas portugueses na Universidade de Lund, na Suécia, sendo que todos os fundadores começaram o seu trabalho de investigação na Universidade de Coimbra.
Fazendo uma breve síntese: temos hoje mais empresas de base tecnológica ou científica (é essa a base das startups), temos mais pessoas a trabalhar em empresas que nasceram ontem e não em incumbentes de décadas, temos uma capacidade, enquanto país, para atrair projetos e equipas que se sentem bem a viver e a trabalhar em Portugal.
Regressando à pergunta que dá título a este artigo, e agora que chegámos aqui, vamos para onde?
Há muito para fazer, como sempre há, mas alguns desafios surgem à cabeça. Um dos passos deve ser a aposta em termos universidades que sejam referência ao nível mundial. Temos hoje mais estudantes estrangeiros e mais cooperação com universidades internacionais, o que aumenta a nossa exposição e converge com a avaliação global positiva que Portugal tem no que respeita a qualidade de vida, bem-estar e segurança. Mas podemos fazer melhor.
Olhando para os rankings que servem de referência, temos 15 instituições portuguesas no Times Higher Education (mas nenhuma acima da 400.ª posição) e temos seis universidades no Shangai Ranking (mas nenhuma acima da 200.ª posição). Olhando para o talento ao nível de investigação e inclusive ao nível das capacidade de criar novas empresas de base tecnológica – o número de startups com fundadores portugueses que valorizaram acima dos 1000 milhões de euros (os famosos unicórnios) é claramente superior à dimensão da nossa economia –, concluímos facilmente que podemos fazer melhor. Mas isso significa mais investimento e também a promoção de uma cultura de investimento que não descarte projetos de maior duração, como são tipicamente aqueles que envolvem ensaios clínicos.
É preciso aproximar mais dois mundos que persistem bastante distantes: o das universidades e o das startups
Ao nível do país, podemos e precisamos de fazer melhor se quisermos integrar a linha da frente da inovação na Europa. A média de investimento em Investigação & Desenvolvimento na EU foi de 2,24% do PIB. Em Portugal, esse valor ficou nos 1,7%, na Dinamarca está nos 2,89% e na Eslovénia nos 2,18%. Alemanha, Suécia, Bélgica e Áustria têm estado consistentemente acima dos 3%. Sim, Espanha não foi além dos 1,44% – temos todos que fazer melhor, Europa como um todo incluída. Os Estados Unidos investiram, em 2022, 3,46%. A Coreia do Sul investiu, no mesmo ano, 4,9%.
Tão importante quanto criar futuro é melhorar o presente e esse é muitas vezes um dos ângulos mortos da inovação. Inovação também olhar para algo que já existe e procurar fazê-lo melhor. Temos hoje mais pessoas com formação superior e com conhecimento em vários domínios com impacto nas empresas tradicionais. Podemos ter melhores PME em quase tudo, senão em tudo, da construção à restauração. Para isso é preciso aproximar mais dois mundos que persistem bastante distantes: o das universidades e das startups com o das empresas que asseguram 99% da nossa economia. Os casos de sucesso têm de deixar de acontecer por acaso ou por carolice e passar a ser uma intenção assumida.
Uma última nota sobre a distribuição das startups em Portugal. Sem surpresa, 45% estão sediadas em Lisboa (1863 empresas), segue-se o Porto com 643 startups, depois Braga, Setúbal, Aveiro e Coimbra. O eixo universitário é comum a todos, o que só reforça a necessidade de aprofundar e apoiar estas estruturas que, por sua vez, precisam também de abrir portas a novos protagonistas. O Startup Capital Summit que teve lugar a 10 de maio em Coimbra é um bom exemplo das possibilidades que nascem quando uma universidade (Universidade de Coimbra), uma incubadora (Instituto Pedro Nunes, uma das melhores da Europa) e uma cidade unem esforços para abrir portas ao mundo. Juntar quem tem conhecimento e ideias a quem tem forma de financiar e poder para decidir é, como se dizia no famoso Casablanca, o princípio de uma bela amizade.
Subscreva a nossa newsletter NEXT, onde todas as segundas-feiras pode ler as melhores histórias do mundo da inovação e das empresas em Portugal e lá fora.