99% das empresas não o são e isso é completamente normal.
Em Portugal, como em grande parte do mundo, a visibilidade do empreendedor é frequentemente dada por histórias de startups catapultadas para a proeminência global através de enormes rondas de investimento provenientes de fundos de capital de risco (venture capital). Mas é essencial parar e compreender um facto fundamental: menos de 1% das empresas recebem financiamento a partir de fundos de *venture capital (*segundo a Harvard Business Review). Esta estatística não deve ser um obstáculo, mas sim um ponto de partida para uma conversa muito necessária sobre o que alimenta o crescimento dos restantes 99%. O sucesso do empreendedor não passa necessariamente pelos portões dos fundos de venture capital.
Como VC, o meu dia-a-dia com empreendedores vai além do capital investido, focando-se no apoio operacional, e ajudando os fundadores a alinhar as suas visões com as estratégias de financiamento mais adequadas ao seu crescimento. Abaixo estão três perguntas que tipicamente faço a todos os empreendedores, e que acho que podem fazer a diferença para construir um negócio com sucesso.
Primeiramente, perguntem-se se estão preparados para criar um negócio que tem potencial para um crescimento rápido e explosivo, mas que é também inerentemente instável e propenso a implosão. Se sim, o financiamento por um fundo de VC pode ser uma opção para os vossos negócios e o vosso estilo de vida. Os VCs procuram o risco e a recompensa investindo em pessoas e negócios que possam crescer e proporcionar retornos exponenciais. Tipicamente procuram um aumento de três a cinco vezes na avaliação das empresas entre rondas de investimento, espaçadas entre 12 a 18 meses. Correm também o risco de, em muitos casos, investir em negócios que simplesmente desaparecem. Esse é o significado de “venture” em venture capital. Como tal, se querem resolver um problema suficientemente grande e têm um modelo de negócio que pode escalar (ou falhar rapidamente), podem ser exatamente o tipo de empreendedor que os VCs procuram.
Em segundo lugar, considerem o vosso apetite por controlo da vossa própria empresa. Segundo a Carta, os fundadores de startups cedem cerca de 40% do capital social aos investidores antes de chegarem à sua ronda de Série A. Levantar investimento de um venture capital significa partilhar o controlo com investidores que terão uma palavra a dizer nas decisões da vossa empresa. A gestão de agendas e opiniões passa a ser uma parte importante do dia-a-dia. Casos extremos como o Facebook, em que o fundador tem um alto controlo das decisões até ao dia de hoje, são raros. Portanto, devem ter claro quanto controlo estão dispostos a ceder e o tipo de impacto que pode implicar na vossa visão original.
Por último, pensem no vosso timing. 99% das empresas no mundo existem sem ter como objetivo uma saída num prazo claro. A venda ou saída em bolsa são opções mas não um objetivo. As empresas apoiadas por VC tendem a seguir um ciclo particular: constroem, crescem, vendem. O tempo médio de presença em uma empresa por um fundo de VC é cerca de seis anos. Para que a saída dos mesmos se dê, tem de acontecer um evento de liquidez em que uma parte relevante da empresa troca de mãos ou é vendida. É com base nesse modelo que muito do pensamento e tomada de decisão é feito, com o objetivo de possibilitar que esse ciclo se feche com sucesso.
Se a vossa resposta às questões acima não for um hell yeah, é importante explorar vias alternativas de financiamento que possam ser mais adequadas ao vosso modelo de negócio.
Por exemplo, bootstrapping, investidores anjo e crowdfunding são opções viáveis que oferecem diferentes vantagens e níveis de independência e, em geral, podem ser mais adequados para os vossos negócios. De facto, segundo a North American Venture Capital Association, em 2011, os angel investors nos EUA apoiaram 16 vezes mais empresas que os VCs. Subsídios, grants e incentivos estatais podem ser também uma fonte de financiamento não dilutiva para apoiar o crescimento do vosso negócio ao seu próprio ritmo.
No contexto ibérico, podemos aprender com a experiência de Espanha, onde um ecossistema mais maduro já normalizou múltiplos mecanismos de financiamento. Os países do norte da Europa estão ainda mais avançados neste aspeto. Nós, em Portugal, ainda estamos na infância de conhecer esta diversidade, mas alguns empreendedores já estão a navegar estas rotas alternativas.
Mas não é fácil. Esta diversidade exige uma ampla gama de estruturas de financiamento e estas levam tempo a serem aperfeiçoadas. Os empreendedores têm que estar equipados com o conhecimento e visão para tomar decisões informadas sobre qual caminho seguir. Precisam também, por vezes, de resistir aos holofotes do VC.
Construir um negócio sustentável é encontrar o ajuste certo. É criar valor que alinhe com clientes e stakeholders. O sucesso não é apenas medido em rondas de investimento; é também em impacto, longevidade e a capacidade de se adaptar às circunstâncias específicas de cada momento. As únicas empresas que têm impacto são as que estão abertas.
À medida que procuramos cultivar um terreno fértil para negócios em Portugal, devemos abraçar a variedade da nossa paisagem empreendedora. É importante encorajar os empreendedores a pensar profundamente sobre o que o sucesso significa para eles, guiando-os às ferramentas financeiras que os ajudarão a construir a sua visão.
Entender estas nuances pode ser o fator decisivo em se juntarem ao 1% ou liderarem os 99% de uma forma que redefina o sucesso no ecossistema português.