Onde estão os nossos turistas e o que querem? A análise de dados já permite saber isso — e muito mais
por António Moura dos Santos (Texto), Paulo Rascão (Fotografia e vídeo) e Pedro M. Santos (Fotografia e vídeo) | 17 de Março, 2022
Recolher dados para tomar decisões é importante, mas saber o que fazer com eles é ainda mais. O mundo empresarial está cada vez mais focado em saber exactamente o que é que os seus clientes querem, e o turismo não é exceção. Porém, há todo um processo a seguir para saber que informação interessa e como aplicá-la da melhor maneira. O foco, como em tudo, são as pessoas e como se comportam. Porque “por mais informação que tenhamos das nossas operações, se não fizermos essa ligação às pessoas, morremos na praia”.
“Se soubéssemos o que vem a seguir, nunca nos preocuparíamos”. Esta frase, da autoria do escritor Mitch Albom, pode ter várias aplicações e outras tantas interpretações. Neste primeiro dia da Bolsa de Turismo de Lisboa, foi usada mais do que uma vez no palco do NEST – Centro de Inovação do Turismo. O sentido que lhe deu José Maria Garrett, porém, conferiu-lhe uma dimensão ambivalente e, por isso, ainda mais interessante.
“Há muito aquele clichê, que já se ouve há mais de cinco anos, de que os dados são o novo petróleo. É verdade que têm muito valor, mas por si só não nos dizem nada”. Foi com este mote que o Líder de Negócios de Análise da NOS, iniciou a sua talk, intitulada “O Poder do Analytics nas Cidades”, no palco BTL Lab.
Há uns bons anos que os termos “análise de dados” e “Big Data” se tornaram parte do léxico comum — especialmente junto da realidade empresarial. Mas, como Garrett frisou logo desde cedo, os “dados” em si não são uma panaceia por si só e a sua análise pode prever o que vêm a seguir, mas nem por isso deve haver menos preocupações.
“É altamente importante trabalhá-los, tratá-los, traduzir tudo o que nos dizem em informação e depois pegar nessa informação e direcioná-la a perguntas concretas”, pois “são o que nos vão dar as respostas”, explica.
Tratando-se de uma apresentação organizada num fórum de turismo e do seu futuro, o responsável da NOS frisou que o poder da análise de dados não se cinge à forma como as cidades são geridas, ajudando também a compreender como melhor receber os viajantes que para elas se dirigem. Mas, para isso, é necessário compreender o que fazer com estes dados e como captá-los. “Há todo um caminho que devemos percorrer para tirar partido do Analytics”, alerta.
Sublinhando que a pandemia da covid-19 alterou completamente os diferentes setores de atividade, é preciso, mais do que nunca, compreender quais os perfis das pessoas que se quer atrair. “É relevante perceber quem é que são estas pessoas, como é que elas se movem, como é que conseguimos perceber se um cliente vai a um sítio e se vai a outros também. Temos de saber se entraram em Portugal via aeroporto ou de comboio ou de carro — e se foram para os Açores, por exemplo”, explica. “Olhando aqui para a componente das pessoas, por mais informação que tenhamos das nossas operações, se não fizermos essa ligação às pessoas, morremos na praia”, adverte.
Com base nesta premissa, Garrett traçou um modelo de como fazer o melhor uso possível dos dados. Para tal, o primeiro passo é “compreender as fontes de informação”. “É importante escolher as que são prioritárias e que dados nos dão. Queremos olhar para demografias? Para comportamentos? Para aquilo que é a logística dos nossos espaços? Como é que, aplicando sensores, conseguimos obter eficiência? Olhar para o nosso ecossistema e perceber onde estão os nossos parceiros? Como está o desempenho deles e como é que isso está relacionado com a atividade que fazemos? Todas estas perguntas servem para direcionar o olhar para “todos os pontos de informação que nos são relevantes, compreender quais são os mais prioritários e começar o caminho por aí”.
A partir daí, há que explorar esta informação adquirida. Para tal, pode-se:
- Compilá-la em ficheiros — sejam tabelas, sejam relatórios — e “perceber o que é que nos consegue dizer”;
- Começar a criar “sistemas que estão interligados e conseguem fazer a ingestão destes dados automaticamente”. Aqui entram em cena os chamados APIs, as Interfaces de Programação de Aplicações, que permitem partilhar dados em tempo real — por exemplo, saber “qual é que é o número de pessoas que, a sair do aeroporto de Lisboa, vão para o Chiado”;
- Olhar para os sensores, procurando saber “que informação estes recolhem e como é que podemos ter isto interligado nos nossos sistemas para termos as resposta que procuramos”.
Com a informação recolhida, há que separar o trigo do joio. É por isso que torna-se fulcral “considerar a sua relevância”, continua Garrett. “Estamos a olhar para um bairro, para uma freguesia, para o país todo? Se for o país todo, será que conseguimos ter informação fidedigna desse país todo? No que toca a perfis demográficos, estamos a olhar apenas para faixas etárias ou para o poder de compra ou a literacia digital?”, exemplifica.
Além disso, a granularidade da informação — ou seja, o grau de minúcia com que é trabalhada — e a representatividade da amostra adquirida são outros fatores a ter em conta, assim como a verificação das fontes que nos fornecem, se são fidedignas.
O verdadeiro trabalho começa então a partir desta recolha, já que é preciso agir com base no que já se sabe. Fazendo uso de plataformas especializadas, impõe-se “fazer a ligação desses dados com aqueles que as cidades e as empresas já trabalham” para “criar ligações de causa-efeito”. Um exemplo dado por Garrett que ajuda a explicar este processo é o seguinte: “Como está relacionada a oferta de pontos de interesse de restauração com a presença de turistas entre as 12:00 e as 14:00? Será que temos aqui uma oferta que está ajustada à procura? Será que tem de ser reforçada noutro sítio? Vale a pena incentivar a procura num local específico?”
Com um amadurecimento destes processos, passa a ser possível ter “uma capacidade de fazer correlações e de prever”. “Hoje em dia, dado o histórico de informação que temos, já conseguimos criar modelos de avaliação de cenários com graus de confiança mais altos ou mais baixos, mediante a incerteza de fatores externos, e conseguir prever cenários das medidas que tomamos e das decisões que fazemos e o impacto que vão ter”, declarou Garrett.
Em suma, para tirar partido da análise de dados, “é importante entender o que aconteceu no passado, começar a criar a capacidade de monitorização do presente e evoluir para a capacidade de prever cenários”. Mas se isto parece uma ideia longínqua, o representante da NOS dissipou logo as dúvidas: “Este caminho não é futurologia, é algo que já fazemos”.
Regressando à frase inicial, tal como não nos serve de nada ter uma dispensa cheia de lenha se não a usarmos para acender a lareira, pouca utilidade terá também acumular dados sem saber o que fazer com eles. Cada vez mais sabemos “o que vem a seguir” — e por isso é que temos de nos manter não preocupados, mas atentos.