O que é uma stealth startup?
por Gabriel Lagoa | 13 de Setembro, 2024
As startups em modo stealth operam em segredo para proteger as suas ideias, mas também enfrentam desafios na validação de mercado. Falámos com Ricardo Marvão, um dos fundadores da Beta-i, para analisar os prós e contras desta estratégia.
No mundo das startups, há quem prefira operar nas sombras, longe dos holofotes, das capas dos jornais… e do olhar da concorrência. A premissa é simples: quanto menos o público souber sobre o que se está a fazer, menor é a probabilidade de alguém copiar ou antecipar a ideia. Quando uma startup adota esta postura, entra em modo stealth. Mas será esta abordagem realmente eficaz? Será que, ao evitar atenções, uma startup não perde, por exemplo, oportunidades de investimento? Estivemos à conversa com Ricardo Marvão, cofundador da Beta-i, que defende que não é bem assim, mas já lá vamos.
O conceito de stealth não é novo. Diz o empreendedor que o termo vem dos Estados Unidos, em particular do setor da Defesa do país. “Já existe [o modo stealth] há muitas décadas. Então, se olharmos para a Defesa, há muita coisa de stealth que se faz. Fala-se da Área 51 ou dos stealth planes dos Estados Unidos”.
Enquanto isso, no mundo empresarial, e particularmente no ecossistema das startups, o termo popularizou-se como uma estratégia para proteger ideias consideradas inovadoras e manter uma vantagem competitiva. Mas o que leva uma startup a optar por esta abordagem coberta de secretismo? “Normalmente, os empreendedores que o fazem é porque se trata de uma área em que eles ainda não querem que se saiba o seu produto, ou seja, é porque sabem que, a partir do momento em que o produto sai para o mercado, é facilmente copiado”, esclarece o cofundador da Beta-i.
Esta estratégia permite-lhes ganhar tração e estabelecer uma posição sólida antes de enfrentarem a concorrência direta. “Eles têm de ganhar alguma tração para poderem ter alguma parte do mercado, ou uma parte substancial”, acrescenta o responsável. A abordagem é relevante em setores altamente competitivos ou em rápida evolução, onde ser o primeiro a entrar no mercado pode fazer a diferença. Marvão dá o exemplo da Timeleft, uma aplicação que promove jantares com desconhecidos, que em nove meses expandiu-se para mais de 50 países.
Como é que se identifica uma stealth startup?
Cobertas por um manto de secretismo, as stealth startups tornam difícil a sua deteção. Ainda assim, os seus movimentos acabam por deixar um rasto que pode servir de pista para quem as quer encontrar. Ricardo Marvão destaca que uma das formas de detetar estas empresas é estar atento às movimentações no mercado. “Ou conheces os empreendedores e sabes que eles estão a preparar alguma coisa, ou, se saiu de um unicórnio um grupo experiente de quatro ou cinco pessoas e de repente não ouves falar mais nada delas, devem estar a cozinhar qualquer coisa”, observa.
Até gigantes tecnológicos como a Amazon desenvolveram métodos para detetar estas startups em modo stealth. O cofundador conta que “a Amazon tem uma forma muito engraçada de analisar, ou de ver onde é que estão essas stealth companies: através da Amazon Web Services”. Com uma quota de mercado de 31%, a plataforma de cloud conta com muitas empresas na nuvem. A Amazon, afirma Ricardo Marvão, apercebeu-se disto e a dada altura analisou “o espaço que era usado pelas empresas e tinha um algoritmo que detetava o momento em que uma startup estava a usar mais espaço do que o normal e não se falava nada dela. Ou seja, porque é que eles estão a precisar de tanta cloud? Porque é que eles estão a armazenar tantos dados?”, questiona o responsável.
Menos financiamento?
Contrariamente ao que se possa pensar, o financiamento não é necessariamente um obstáculo para as stealth startups. Ricardo Marvão explica que muitas destas empresas já asseguraram fundos suficientes para operar em segredo durante meses ou até anos antes de se revelarem ao mercado. Esta capacidade de obter financiamento sem revelar publicamente os detalhes do projeto é prova da confiança que alguns investidores depositam em empreendedores experientes ou em ideias consideradas promissoras.
Marvão sublinha que, especialmente nas fases iniciais, os investidores chegam a valorizar mais os founders do que a própria ideia. “Quanto mais avanças com o projeto, mais os investidores investem na ideia do que na equipa”, explica. “A equipa é importante, mas nunca é mais importante do que no momento inicial. Se os founders forem bons, os investidores investem naquele founder”.
Problemas de validação
No entanto, este modo stealth não está isento de desafios. A validação de mercado torna-se difícil quando se opera em sigilo. O cofundador da Beta-i alerta para o risco de desenvolver um produto que pode não refletir com precisão as necessidades reais do mercado devido à falta de feedback aberto. “Como é que tu validas o mercado? Se só 10 pessoas sabem o que tu estás a fazer, a probabilidade de não estar suficientemente afinada a forma como tu vais entrar no mercado, ou a forma como tu te vais apresentar, é grande”, afirma.
O isolamento excessivo pode, por isso, resultar num produto menos afinado às necessidades do mercado, uma vez que limita as oportunidades de diálogo com potenciais clientes e parceiros. “Quando estás em stealth mode, estás muito fechado da tua bolha, isso pode ser prejudicial”, avisa Marvão.
Outro risco apontado pelo empreendedor é a possibilidade de mudanças externas inesperadas. Uma alteração legislativa ou uma mudança repentina nas condições de mercado podem forçar uma stealth startup a repensar completamente a sua estratégia, mesmo após meses ou anos de desenvolvimento secreto.
Sair do modo stealth
O momento de sair do modo stealth é frequentemente estratégico. O cofundador explica que, normalmente, são os fundadores que anunciam o fim deste período de sigilo, muitas vezes coincidindo com o lançamento oficial do produto. O timing deste anúncio é planeado para maximizar o impacto mediático e de mercado.
O responsável também menciona o caso da OpenAI, dona do ChatGPT, como um exemplo de uma stealth startup bem-sucedida. Embora o projeto tenha sido anunciado antecipadamente, o conceito permaneceu abstrato para muitos até ao seu lançamento oficial, conclui Ricardo Marvão.
Outro exemplo de uma startup que saiu recentemente do modo stealth é a World Labs, fundada por Fei-Fei Li, uma professora da Universidade de Stanford que também é conhecida como a “madrinha da IA”. A empresa levantou 230 milhões de dólares com o apoio da Andreessen Horowitz, NEA e Radical Ventures. De acordo com o TechCrunch, a World Labs está avaliada em mais de mil milhões de dólares, tendo o valor sido angariado em duas rondas separadas.
A empresa de Fei-Fei Li, que planeia ter o seu primeiro produto pronto em 2025, quer desenvolver modelos de IA capazes de compreender e interagir com o mundo 3D. A World Labs está a criar o que chama de large world models, destinados a profissionais como artistas, designers, e engenheiros. Os clientes da startup poderão incluir, por exemplo, empresas de jogos ou estúdios de cinema.
Artigo atualizado na manhã de segunda-feira, 16 de setembro, com a informação sobre a World Labs.
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