Agora tudo é “premium” (e isso pode ser uma má notícia)
por Miguel Magalhães (Texto) | 7 de Março, 2023
Costuma dizer-se que o produto mais caro não é necessariamente o melhor. Contudo, a recessão económica que vivemos tem levado empresas a repensar o seu modelo de negócio, nomeadamente no preço dos seus produtos e serviços. O impacto é incerto, mas poderá levar a uma transformação económica desafiante para quem tem um baixo poder de compra.
No último ano, a inflação não tem sido amiga do consumo. A subida generalizada dos preços e o acesso mais complicado a crédito devido ao aumento das taxas de juro levaram a que as pessoas passassem a ser mais cuidadosas com o seu orçamento e mais rigorosas nos produtos que escolhem incluir na sua rotina.
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Face a esta mudança no panorama da economia, muitas empresas que se habituaram a margens consideráveis no seu negócio estão agora a pensar como se podem posicionar para manter essa tendência. Uma das soluções encontradas por empresas nas mais diversas categorias tem sido o foco em segmentos com maior poder de compra, através de uma “premiumization” da sua oferta.
- O que é? Refere-se à prática de aumentar o valor de um produto ou serviço, melhorando a sua qualidade, funcionalidades ou perceção e cobrando um preço mais elevado por isso. Neste sentido, envolve também um ajuste às necessidades e preferências de um segmento de clientes mais sofisticado que está disposto a pagar mais pela qualidade extra ou pela exclusividade da experiência. Na teoria, esta prática não só ajuda a aumentar as vendas e lucros, como também ajuda a criar uma imagem de prestigio e de diferenciação na mente dos consumidores.
- Onde é que já vimos isto? Em marcas como a Louis Vuitton e a Channel com as suas coleções exclusivas; no Starbucks com o valor mais alto que é cobrado pelo seu café “premium”; na Apple na forma como comunica, posiciona e valoriza os seus dispositivos; nas companhias aéreas com categorias de preço distintas dependendo da experiência de viagem desejada, e em muitos outros exemplos.
O problema atual prende-se com o facto de muitas empresas estarem a apostar nesta prática numa altura em que vivemos o período económico mais difícil da última década em produtos não necessariamente supérfluos. Um artigo recente do The New York Timesalertou para uma possível gentrificação da economia: um contexto no qual produtos e serviços ficam cada vez mais exclusivos e caros, aumentando a possibilidade de segmentos de consumidores mais pobres ficarem com uma oferta mais fraca à sua disposição.
Em tempos de recessão, seria mais comum empresas apostarem no volume e em campanhas de desconto, ajustando a sua oferta a um poder de compra que, em média, será mais baixo. Este padrão momentâneo prejudicava a sua margem, mas garantia que continuava a vender a mesma quantidade ao mesmo número de pessoas ou talvez até um montante superior.
No entanto, num contexto em que os próprios custos de produção estão mais altos, muitas empresas parecem preferir reduzir o seu volume e continuar a praticar preços mais altos, do que prosseguir com um modelo de negócio que não lhes vai dar muito retorno. Isto é preocupante, primeiro, porque é uma resolução de curto-prazo que se pode manter no futuro e, segundo, porque pode ser aplicada a bens essenciais: o que aumentaria o risco de consumidores com baixo poder de compra não terem acesso a produtos de boa qualidade.
Contudo, ainda é cedo para tirar conclusões deste período e, como tantos outros, pode tratar-se de apenas um ajuste que depois regressa à normalidade. Mas vale a pena continuar a analisar o seu impacto não só no consumo e na economia, mas no próprio dia a dia das empresas.
- Maior custo de produção: Produzir produtos premium normalmente requer o uso de recursos de alta qualidade, o que pode aumentar os custos de produção e, por fim, elevar o preço do produto.
- Base limitada de clientes: Produtos premium são geralmente comercializados para consumidores com poder de compra alto, o que limita a base de clientes potencial e pode tornar mais difícil para as empresas expandirem além de um mercado de nicho.
- Aumento da concorrência: À medida que mais empresas adotam a estratégia de premiumization, a concorrência no segmento de mercado premium torna-se mais intensa, tornando mais difícil para as empresas diferenciarem-se.
- Gestão das expectativas dos clientes: Quando os consumidores pagam um preço premium por um produto, esperam uma experiência excecional, e até pequenos problemas podem levar a insatisfação.
- Equilíbrio entre qualidade e acessibilidade: Pode ser um desafio manter a qualidade de um produto premium enquanto é acessível o suficiente para atrair um público mais amplo.