O pior business case da história do cinema
por Miguel Magalhães (Texto) | 20 de Dezembro, 2022
13 anos depois, James Cameron e o mundo de “Avatar” estão de volta e são o tema de conversa um pouco por toda a indústria do entretenimento. Do lado dos fãs, é a antecipação por uma sequela que, durante vários anos, não sabiam se ia acontecer. Do lado dos estúdios e restantes partes interessadas, é a expectativa de se o filme pode salvar um ano que, apesar de alguns hits, ainda está longe dos níveis pré-pandemia.
James Cameron, responsável por filmes como o “Titanic”, “Avatar”, “Exterminador Implacável” e “Alien”, habitou-se ao longo da sua carreira a lidar com a pressão de fazer filmes com grandes orçamentos que tinham “obrigatoriamente” de correr bem para não serem um completo fiasco. Fez isto, sem se basear em histórias que já tinham uma base nos livros ou nos comic books (como a Marvel), optando por aquilo a que chama o “melhor serviço de streaming privado do mundo” — o seu cérebro ou os seus sonhos. Modéstia à parte, os projetos onde Cameron esteve envolvido seja como produtor, guionista ou realizador já tiveram receitas de 8 mil milhões de dólares, sendo que dois deles — “Titanic” e “Avatar” são dois dos três filmes mais lucrativos de sempre.
Com toda esta boa bagagem, Cameron não deixou de ter as suas dúvidas quando apresentou o orçamento para “Avatar: The Way of the Water” ao estúdio 20th Century Fox. Citando-o como “worst business case in movie history”, o realizador canadiano estimou que o filme teria de ocupar, pelo menos, o lugar 3 ou 4 no historial de bilheteira para fazer sentido, em termos financeiros.
Mas com Cameron nunca é só sobre o dinheiro.
É sobre como é que a tecnologia pode funcionar a favor de um filme e como é que pode tornar personagens, ideias ou cenários o mais realistas possíveis, especialmente quando se está constantemente a criar mundo novos. É talvez por isso que o realizador foi um dos consultores da NASA para o desenvolvimento das câmaras 3D nos robôs Rover enviados para Marte. E a ambição era maior do que nunca em “Way of the Water”, que estreou nos cinemas na semana passada, 13 anos depois de ter batido todos os recordes com o original “Avatar”.
- 350 milhões de dólares: a Disney (dona da 20th Century Fox desde 2019) não anunciou números oficiais, mas este é o orçamento estimado para o filme, de acordo com a Variety, sem contar com as despesas de marketing e promoção que costumam representar, no mínimo, um terço do custo de produção.
- 435 milhões de dólares: é quanto a sequela faturou no primeiro fim-de-semana em exibição, tornando-se a 3ª melhor estreia desde a pandemia, apenas atrás de “Spider-Man: No Way Home” ($600 milhões) e “Doctor Strange in the Multiverse of Madness” ($442 milhões).
As perspetivas são boas, mas se considerarmos os custos de produção, de marketing e de distribuição (as receitas que ficam nas salas de cinema), “Avatar 2” ainda tem um caminho a percorrer para dar um lucro significativo à Disney/20th Century Fox. Vamos olhar para os fatores a seu favor e contra.
O que está a favor do sucesso do filme?
- O historial de James Cameron: não só tem uma legião de fãs, como tem no seu CV o bom hábito de dar lucro aos estúdios de cinema que apostam em si.
- A nostalgia: Uma sequela do filme mais rentável de sempre, 13 anos depois da sua estreia, pode ser o fenómeno ideal para trazer várias gerações às salas de cinema para regressar ao mundo de Pandora.
- As boas reviews: nem sempre acontece com blockbusters deste género, mas quem está a ir ver o filme está a gostar da experiência e a recomendá-la. Foi o que fizemos no episódio mais recente do Acho Que Vais Gostar Disto (Spotify | Apple Podcasts), podcast de cultura pop também produzido pela MadreMedia, sobre o filme (em que também participo).
- O calendário de Hollywood: até fevereiro de 2023, altura em que estreia o próximo filme da Marvel – Ant-Man 3 – não vai estrear mais nenhum filme de grande escala, o que pode permitir que Avatar seja a principal atração dos cinemas nos próximos dois meses e que seja capaz de atrair audiências por um período mais alargado do que a média.
O que pode colocar o filme abaixo das expectativas?
- O estado da economia global: a maior parte dos fãs de cinema está a preparar-se para um 2023 que se antevê díficil e isso pode significar esperar que Avatar 2 saia numa plataforma de streaming, mesmo que isso justifique perder a experiência 3D numa sala IMAX.
- O estado da indústria: há menos pessoas a ir ao cinema e os bilhetes estão cada vez mais caros. Estima-se que em 2022 o mercado cinematográfico represente cerca de 7.5 mil milhões de dólares, um valor ainda longe do panorama pré-pandemia de 2019 com receitas de 11 mil milhões de dólares (com menos inflação).
- A China: as restrições COVID e o levantamento recente das mesmas tornou aquele que é o segundo maior mercado no mundo inteiro (e que muito contribuiu para o sucesso de “Avatar”) numa incógnita em termos de performance.
- A duração do filme: um dos fatores de sucesso de “Avatar” foi o número de pessoas que foi rever o filme, pela experiência inovadora que representava. Mas “Way of the Water” com 3 horas e 10 minutos de duração, aliado ao já mencionado preço elevado dos bilhetes, pode levar a que este fenómeno não se repita.
Leitura extra: a entrevista de James Cameron, na edição de dezembro da GQ.