Nvidia: o novo bebé dos biliões?
por Abílio dos Reis (Texto) | 30 de Maio, 2023
Será a Nvidia a próxima “trillion-dollar baby”?
A Apple mostrou o caminho até à casa dos biliões no verão de 2018. Desde então, apenas outras quatro conseguiram acompanhar o feito e juntar-se ao muito restrito grupo de empresas avaliadas com doze zeros nos EUA: além da já citada Apple, as outras são as congéneres Microsoft, Alphabet, Amazon e a petrolífera Saudi Aramco. No entanto, há uma empresa que está na iminência de juntar-se a este clube de titãs: a Nvidia. E a fazer jus à crença dos analistas, não faltará muito até que a fabricante de semicondutores se torne a próxima “trillion-dollar baby”.
E se nos últimos meses a Inteligência Artificial (IA) tem dominado a euforia do espetro noticioso, nos últimos dias o foco tem recaído na notícia de que a Nvidia, fabricante de processadores, está prestes a atingir um valor de mercado na casa dos biliões de dólares. Ainda não chegou lá, mas parece ser um daqueles casos em que é só uma questão de tempo. E assim que chegar à fasquia, poderá gabar-se de fazer parte de um lote muito restrito de empresas a alcançar a valorização nos Estados Unidos de um milhão de milhões, ou seja, um bilião (o trillion americano).
Impulsionada pela procura de processadores e pelo boom da IA generativa, a tecnológica começou a fazer manchetes a meio da semana passada (quarta-feira, 24) depois de anunciar a previsão de receitas na ordem dos 10 mil milhões de dólares no segundo trimestre fiscal de 2024 — mais 50% do que os analistas previam, segundo a Forbes. Como consequência, o mercado reagiu e as ações da empresa dispararam mais de 24% no dia seguinte (quinta-feira, dia 25).
- Depois da divulgação do relatório de contas, a sua valorização de mercado passou a ser de 939 mil milhões de dólares. Nota: 24 horas antes, estava avaliada em 755 milhões.
- De acordo com a Reuters, as ações da empresa subiram mais de 160% este ano, tornando a Nvidia na quinta empresa mais valiosa dos EUA.
Do gaming à IA
Fundada em 1993, a Nvidia é conhecida pelas suas placas gráficas para os computadores dos gamers e por ter desenvolvido uma tecnologia (os GPUs, na sigla inglesa, ou Unidades de Processamento Gráfico, que são processadores que lidam com os dados gráficos) que permitiu dar um maior realismo às imagens dos videojogos e de animação. O sucesso da Nvidia agora é grande e de biliões, mas nem sempre foi assim. Numa palestra na Universidade do Tapai, Huang recordou um período negro da empresa em que o caminho escolhido “não foi o melhor e o correto”.
Em 95, através de investimentos externos, a Nvidia conseguiu os recursos necessários para lançar e apresentar o seu primeiro produto comercial: a placa gráfica NV1. Trata-se de uma proposta que oferecia gráficos 2D e 3D, som integrado e até compatibilidade com jogos de consolas. No entanto, o sucesso comercial esteve longe de ser o esperado.
De resto, nessa altura, o balanço financeiro da Nvidia começava a apresentar números no vermelho. Mas um contrato celebrado com a japonesa SEGA revelou-se a bóia de salvação que precisava — a empresa americana ficou responsável pelo desenvolvimento do sistema gráfico da consola da próxima geração da empresa japonesa (uma consola que acabaria por se chamar SEGA Saturn).
Todavia, ao fim de um ano de desenvolvimento, a Nvidia apercebeu-se que a Microsoft estava prestes a anunciar o Windows 95 Direct 3D, que utilizava uma tecnologia completamente diferente da sua. E se não mudassem de estratégia, iam acabar por colocar no mercado uma solução incompatível com o sistema operativo dominante e, possivelmente, com o resto da indústria.
Ou seja: se a Nvidia não mudasse a génese do seu produto, a empresa não estava em condições de continuar a sua parceria com a SEGA. O problema? Também não podia dar-se ao luxo de simplesmente rasgar o contrato. É que sem o dinheiro de um possível acordo, a Nvidia enfrentava um abismo económico.
“Contactámos o CEO da SEGA e explicámos-lhe que a nossa abordagem era errada, que ele devia encontrar outro parceiro. E não podíamos honrar o contrato. Tínhamos de o terminar, mas precisávamos de ser pagos ou a Nvidia acabaria por ir à falência”, acrescentou Jensen Huang durante a palestra na Tapei.
No entanto, apesar das circunstâncias, a SEGA decidiu apoiá-los. “Deu-nos seis meses de vida”, recordou Huang. Durante esse período, a Nvidia canalizou os seus recursos para redesenhar a sua estratégia em tempo recorde e conseguiu desenvolver uma nova GPU, a RIVA 128, que incluía a compatibilidade com Direct3D — e que acabou por ser um sucesso.
Depois, como se costuma dizer, o “resto é história”. E como nota a Fortune, a Nvidia não só sobreviveu como se estabeleceu num nome a reter. Primeiro na indústria dos jogos e agora na inteligência artificial.
- Curiosidade: Huang e os seus co-fundadores decidiram criar a empresa durante uma ida ao “Denny’s”, uma popular cadeira de restaurantes dos Estados Unidos.
No entanto, o foco da empresa mudou nos últimos anos. Se é verdade que tudo começou no gaming, a atenção está cada vez menos nos jogadores e mais nos seus data centers. E, claro, nos seus chips — para os quais, até ver, ainda não há rival no mercado.
Porquê? Porque os seus GPUs não servem só para jogar e para dar realismo aos nossos olhos. Em 2006, investigadores de Stanford descobriram que os GPUs tinham outra utilidade – podiam acelerar as operações matemáticas, de uma forma que os chips de processamento normais não conseguiam. É então que Jensen Huang, CEO e um dos fundadores, decidiu apostar noutra direção e quis que os seus GPUs fossem programáveis, permitindo que as suas capacidades de processamento fossem além dos melhores gráficos.
- A Nvidia tem chips de alta performance que alimentam aplicações de inteligência artificial generativa. O modelo A100 e o outro mais recente, o H100, são dois exemplos.
- ChatGPT foi treinado com 10 mil GPUs V100 agrupados num supercomputador (que pertence à Microsoft). O custo de cada um? Segundo consta, perto dos 10 mil dólares. E o custo de energia para treinar este monstro? Tanta energia como 400 restaurantes a operar 24h durante duas semanas.
Como realça a BBC, esta decisão acrescentou pouco ao dia-a-dia dos gamers, mas deu aos investigadores uma nova forma de fazer computação de elevado desempenho sem necessitar de um supercomputador ou de muitos chips. Tanto que atualmente os GPUs da Nvidia são fundamentais para desenvolver, por exemplo, o deep learning (componente da inteligência artificial que ensina os computadores a processar dados de uma forma complexa, inspirada no funcionamento do cérebro humano). Ou seja, hoje encontramos estas “placas” de hardware da Nvidia a dar gás e a servir de motor à maioria dos projetos que tenham por base modelos de inteligência artificial generativa.
Jensen Huang, o CEO
Nascido há 60 anos no Taiwan e criado nos EUA, a história de Huang é uma história de sucesso de um imigrante à procura do sonho americano.
Porque o sucesso da Nvidia e a subida do preço das ações fez com que o património líquido do director executivo aumentasse quase 7 mil milhões de dólares na semana passada, de acordo com o Bloomberg, o que coloca o CEO da empresa de semicondutores na 37.ª posição da lista dos mais ricos do mundo.
Huang nasceu em Taipei em 1963, e passou parte da sua infância entre o Taiwan e a Tailândia, segundo a Bloomberg. Em 1973, os pais de Huang enviaram os filhos para casa de familiares nos EUA, devido à agitação social no país do Sudeste Asiático, antes de se mudarem eles próprios para lá.
Em 1984, licenciou-se na Oregon State University — precisamente no ano em que a Apple lançou o primeiro Macintosh e desencadeou uma revolução interior no que à “computação pessoal” diz respeito. Pegando nas palavras do próprio, 1984 foi um “ano perfeito para se licenciar”, segundo revelou durante uma cerimónia recente no Taiwan, acrescentando que prevê “que 2023 também o será”.
Neste ano, prosseguiu, os licenciados entrarão no mercado de trabalho no momento em que a IA “reinventou a informática a partir do zero. Em todos os sentidos, este é o renascimento da indústria informática”.
Segundo a Reuters, a Nvidia desenvolve cerca de 80% dos GPUs do mercado e gigantes como a Amazon, Google, Meta e Microsoft são alguns dos clientes que utilizam os chips da Nvidia para o processamento de dados. Em abril, foi inclusive notícia que Elon Musk terá comprado milhares de GPUs para começar uma startup de IA para competir com a OpenAI.
No entanto, refira-se que a empresa não tem fábricas. A Nvidia desenha, projeta e faz investigação, mas quem produz efetivamente os chips é a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC). O engraçado? A Nvidia vale agora em bolsa praticamente o dobro da TSMC — sem produzir um único chip.
- À BBC, dois analistas ajudam a explicar o fenómeno ao salientarem que a empresa “é o principal ator tecnológico que permite esta nova coisa chamada inteligência artificial” e que a Nvidia está para a IA como a Intel esteve para os PC’s.
- Na opinião dos analistas do Bank of America, a empresa estabeleceu-se na última semana como um “líder da IA” cuja capitalização de mercado está definida para subir para “1 bilião de dólares e mais além”.
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Artigo atualizado às 22:28, em 5 de julho de 2023.