Non-Fungible Conference. Há modelo de negócio para os NFTs?
por Miguel Magalhães (Texto) | 3 de Junho, 2024
A conferência ligada aos criptoativos decorreu esta semana em Lisboa, no Pavilhão Carlos Lopes, com diferentes empresas e criadores a mostrar como é que estão a aplicar a tecnologia para rentabilizar uma audiência ou um conjunto de clientes.
Os últimos dois anos não foram fáceis para a indústria web 3.0 de uma forma geral. Uma sucessão de casos que culminaram na queda da plataforma de transação de criptomoedas FTX fizeram com que o valor de muitos criptoativos caísse significativamente e que se decretasse oficialmente o rebentamento da “bolha” que o setor viveu durante a pandemia.
Isto foi verdade para stakeholders que acompanham esta área, mas para empresas e profissionais tratou-se apenas do início de um ciclo mais negativo, como, aliás, já tinha acontecido em períodos anteriores. A tendência oscilante do valor criptomoedas, das mais conhecidas Bitcoin e Ether às memecoins, faz com este fenómeno aconteça com alguma regularidade e nem a maior adoção institucional por parte de bancos, marcas e tecnológicas impediu que tal acontecesse.
Contudo, os últimos meses mostraram sinais de uma recuperação do setor. O anúncio de que uma ETF de Bitcoin ia ser aprovada pelo regulador financeiro dos EUA devolveu o entusiasmo a investidores e utilizadores e fez com o valor da moeda digital chegasse a um valor recorde acima dos 70 mil dólares. E a restante indústria foi atrás dessa caminhada.
A Non-Fungible Conference (NFC), evento Web3 co-organizado pela Wemix e pela The Sandbox, foi uma oportunidade para observar em que ponto estava esta recuperação na perspetiva da economia criativa. Sendo a aplicação de NFTs numa série de áreas o tema principal, fomos procurar compreender o que tinha mudado nos últimos anos e como é que indústrias como a televisão, os media, a música e a arte estavam agora a operar na blockchain.
O evento, que decorreu ao longo dos dias 28 e 30 de maio entre o Pavilhão Carlos Lopes em Lisboa e a Costa da Caparica, combinava um conjunto de palcos com conversas sobre criptomoedas, NFTs e indústria e uma área de exposição onde se podiam encontrar atores de toda a indústria: artistas a expor as suas obras como o Beeple, empresas de gaming a demonstrar os seus jogos desenvolvidos em Web3 como a The Sandbox e a Ubinsoft, plataformas de trading de criptomoedas como Bitget, criptomoedas como a ApeCoin (ligada à popular coleção de NFT Bored Ape Yatch Club) e ainda carteiras digitais como a Ledger. Só para dar alguns dos nomes mais populares.
Séries de TV na blockchain
O palco Lightning Stage foi o local para a palestra “Lights, Camera, Blockchain”, a cargo de Sandra Lehner, uma executiva alemã com experiência em várias produtoras de televisão e plataformas nos EUA, que trouxe vários exemplos do que é que já estava a ser feito neste espaço. A ideia-chave que procurou passar foi como é que a Web3 pode oferecer mecanismos para que séries e filmes possam criar melhores experiências para os fãs do mesmo ou mesmo criar canais de financiamento que permitem a própria viabilização da sua produção.
Benefícios como merchandise exclusivo, “meet & greet” ou tours pelos bastidores podem ser integrados numa coleção de NFTs e serem uma recompensa para os fãs mais acérrimos de uma determinada série ou filme. Ao estarem na blockchain, as produtoras teriam não só menos intermediários entre elas e o consumidor final, como teriam um trackrecord do que foi feito com os NFTs que criaram e gerar receitas mesmo que estes fossem vendidos em mercado secundário. Um dos casos mais sonantes em Hollywood foi o de Quentin Tarantino, que procurou rentabilizar alguns dos elementos dos seus filmes numa coleção de NFTs que tiveram bastante procura, mas acabou envolvido com uma disputa por propriedade intelectual com a Miramax, a produtora por detrás de alguns dos seus projetos.
Outros exemplos conhecidos são os de séries como o “The Walking Dead” e “South Park”. A primeira associou produtos colecionáveis exclusivos a uma coleção de NFTs e a segunda criou mesmo episódios exclusivos só para detentores de determinados NFTs. Outro case study é o da série “Krapopolis”, a primeira série animada 100% desenvolvida e disponibilizada na blockchain.
Os desafios para o futuro na indústria do entretenimento estão mais ligados à regulação tanto no que diz respeito a propriedade intelectual e como é que um determinado projeto pode ser explorado comercialmente, como na própria classificação de NFTs como ativos financeiros em algumas situações, alvos de especulação.
A aposta dos media na Web3
Também no primeiro dia do NFC, houve ocasiões para falar de media e de criadores de conteúdo. Na sessão “The Future of Media – Now Media, Sovereignty and Now Network”, este em destaque Matt Medved, o fundador da NFT Now, uma plataforma de media ligada (como o nome indica) a NFTs cobrindo as diferentes áreas em que a sua implementação tem uma importância crescente. Um dos desenvolvimentos recentes desta plataforma foi a introdução de um protocolo na blockchain no qual planeia a médio prazo integrar todos os seus conteúdos – os escritos, os podcasts e os vídeos.
Na visão de Medved, na era de desinformação e dos perigos associados à inteligência artificial com os deepfakes, um registo público descentralizado, a blockchain, onde é possivel traçar todos os passos de um determinado ativo, pode ser uma forma de criar incentivos para que a informação seja desenvolvida da melhor forma e que se saiba exatamente o que foi feito com ela (criação, edição, distribuição) em cada momento.
Ligar o mundo Web3
James Toledano vive em Lisboa há dois anos e meio e os principais objetivos que tinha para o evento de Web3 eram networking e conquistar utilizadores para a sua carteira digital – a Savl. Tal como as suas principais concorrentes a plataforma permite a custódia de ativos digitais na blockchain, bem como a compra e venda de criptomoedas, mas conta como uma funcionalidade importante ligada à comunidade. “Muitos dos nossos concorrentes preocupam-se em lançar features que nem funcionam, nós levamos tempo a integrar coisas e para nós a partilha de conhecimento, a partilha de estratégia e a garantia de que todos os utilizadores têm as ferramentas para fazer transações de forma fácil, segura e ética é o mais importante”, afirma o COO da Savl.
A ligação de Toledano ao mundo da Web3 tem dois episódios fundamentais. O primeiro aconteceu há quase duas décadas, quando o Bit Torrent rompeu por completo a indústria a indústria da música com a distribuição ilegal e descentralizada de músicas de artista. Nessa altura, era responsável de antipirataria no empresa no setor e foi aí que começou a explorar como é que estes sistemas funcionavam. O segundo momento-chave foi quando descobriu a Bitcoin em 2010 e decidiu investir, numa altura em que vivia em Wall Street em plena crise financeira. “Pareceu-me uma ideia mesmo muito boa”, afirma.
Apesar de a sua área de expertise ser a vertente mais crypto, James acredita que os NFTs têm o poder para transformar por completo a indústria musical e que será “uma evolução tecnológica natural”. A aplicação deste mecanismo poderá, por um lado, limitar o número de intermediários com que um artista tem de lidar até que possa gerar receitas com o seu trabalho (editoras, publishers) e, por outro, permitir que no ciclo de receitas que a sua música gera, possa haver um mecanismo em que ele ou ela garantem a maior fatia do bolo, não tendo que estar sempre em tour para viverem do seu talento.
O The Next Big Idea foi parceiro de media da edição de 2024 da Non Fungible Conference.
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