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Nike vive pior dia em bolsa desde 2001

por Abílio dos Reis (Texto) | 1 de Julho, 2024

As ações da Nike caíram 18% na sexta-feira, marcando o maior tombo desde 2001, naquele que foi o segundo pior dia nos seus 44 anos de história como empresa cotada em bolsa. Afinal, o que se passou com a gigante do calçado?

Criada em 1964 por Bill Bowerman, um treinador de atletismo, e Phil Knight, seu antigo aluno, a Nike começou a operar sob o nome Blue Ribbon Sports, tendo aberto o seu primeiro ponto de venda a retalho em 1966. Em 1978, com o lançamento dos ténis Nike, mudou de nome para se transformar numa gigante a nível global, cujo icónico logótipo, conhecido como “swoosh”, é reconhecido em qualquer parte do mundo.

No entanto, não obstante a todo este sucesso e de ser a marca de atletas como Michael Jordan e Cristiano Ronaldo, na passada sexta-feira a marca do não menos icónico slogan “Just do it” virou notícia por outros motivos: registou o seu pior dia na bolsa em 44 anos, tendo as ações afundado 18%, perdendo milhares de milhões em valor de mercado no processo (24 mil milhões, para sermos mais exactos, segundo a Forture).

O que nos leva a perguntar: porquê e como?

O anúncio inesperado

Na quinta-feira, um dia antes das ações caírem a pique, a Nike fez saber numa call com os analistas durante a apresentação das contas do último trimestre não só que espera uma queda de 10% ao nível das vendas no presente trimestre fiscal, como prevê uma queda das vendas de 5% para o ano fiscal de 2025, que para efeitos contabilísticos começou este mês. Como não se estava à espera, os efeitos sentiram-se na bolsa no dia seguinte.

O que dizem os números: as receitas da Nike caíram 1,7% para 12,6 mil milhões de dólares no último trimestre e não atingiram a média das estimativas dos analistas. Ainda assim, há aspetos positivos no relatório de contas, como o crescimento de 6% da Jordan Brand para cerca de 7 mil milhões (+400 milhões em vendas).

  • Quem não ajudou nestas contas foi mesmo a subsidiária Converse, conhecida pelos seus ténis Chuck Taylor, cujas receitas caíram 18%, culpa das vendas ficaram aquém do previsto tanto na América do Norte como na Europa Ocidental.

A Nike justificou os números aquém do esperado com a concorrência da rival Adidas, bem como a ascensão de marcas como a Hoka e a Deckers. Nesta conversa, os executivos da Nike também falaram do estado da economia a nível mundial que afeta o consumidor (que opta por gastar menos em bens não essenciais) e que obriga a organizar campanhas assentes em descontos. Além disso, a procura mais fraca nos mercados internacionais, incluindo na China, conduziu igualmente à redução de receitas.

Por outras palavras, após anos de um domínio claro, a Nike está com dificuldade em produzir calçado bestseller que acompanhe os seus ténis mais populares e campeões de vendas (estamos a olhar para os clássicos Air Force 1 e Dunk, que custam 119,99€ no loja oficial). Segundo o relatório de contas divulgado, o calçado representou 65% das vendas da Nike.

Inovação, precisa-se

Como lembra a Fortune, a Nike mudou de estratégia nos últimos anos e deixou de apostar tanto na inovação e calçado desportivo de ponta e passou a focar-se mais no vestuário e calçado para o quotidiano.

Ora, esta mudança abriu espaço no mercado para a entrada de novas marcas e também deu a hipótese a outras já estabelecidas – como a Brooks, a Hoka e a New Balance – de se imporem no calçado de corrida, outrora dominado pela Nike. A título de exemplo, no ano passado, as receitas da New Balance aumentaram 23%, enquanto as vendas da Hoka aumentaram 14%.

É por isso que John Donahoe, o CEO da Nike, está a tentar promover o espírito de inovação que sempre fez parte da cultura da casa. Numa entrevista ao Wall Street Journal no início deste ano, Donahoe admitiu que a Nike perdeu a sua “vantagem” no calçado desportivo e que teria de restabelecer a “linha de inovação disruptiva”. Porém, segundo o próprio, não é fácil fazê-lo — e a culpa pode ser do trabalho remoto. “É realmente difícil inovar de forma ousada e disruptiva, e desenvolver um sapato ousado e disruptivo, através do Zoom”, lamentou em abril.

Neste âmbito, os analistas também estão emparelhados com esta visão de que falta inovação nos produtos da Nike, criticando a gigante do calçado desportivo por reciclar modelos antigos e por ter deixado de lançar novos modelos com a frequência com que o fazia no passado.

CEO debaixo de fogo?

A Fortune, porém, realça outro aspeto para apresentação dos resultados menos positivos: o próprio CEO e algumas das suas decisões. Donahoe assumiu o cargo em 2020 depois de passar muitos anos a liderar empresas tecnológicas, incluindo a ServiceNow e o eBay. Ou seja, não tem, segundo os seus críticos, a “experiência” e o “instinto” do seu antecessor e respectiva equipa para atacar o mercado do retalho. Alguns analistas explicam-no da seguinte maneira: antigamente, era o consumidor que batalhava para pôr as mãos nuns ténis da Nike; hoje, é a Nike que tem de se esforçar para convencer o consumidor a comprar os seus produtos e não os da concorrência. É uma mudança significativa, mas que espelha o cenário atual.

Depois, durante a sua liderança, Donahoe quis dar prioridade aos canais de venda da própria Nike e focar-se menos nas lojas parceiras como a Foot Locker. O problema é que a estratégia não está a produzir os lucros e crescimento que esperava (a pandemia pode ter contribuído para que o CEO pensasse, como muitos outros, que as vendas online iam continuar sempre em alta) e foi obrigado a repensar a rigidez desta posição.

Esta trajetória contrasta, por exemplo, com a da Adidas, que voltou a abraçar os parceiros retalhistas e reforçou o foco nos produtos de performance desportiva, levando a apresentar melhores resultados do que o esperado no primeiro trimestre de 2024.

Paciência, a receita para o futuro

Como realça a Fortune, Donahoe foi contratado inicialmente para transformar a Nike numa espécie de empresa tecnológica, com as vendas do e-commerce a serem o core da estratégia. Mas, em última análise, a Nike só pode ser bem sucedida, seja online ou nas lojas físicas, se lançar os tais produtos inovadores que entusiasmam o consumidor. Contudo, como lembrou o CFO durante a conversa da Nike com os analistas na quinta-feira, é “preciso tempo” para criar inovação. Ou seja, é preciso esperar antes de tirar os dividendos da nova estratégica.

Por isso, apesar da queda de 10% nas receitas trimestrais, a Nike está confiante para o futuro. Além da campanha de marketing preparada para os próximos Jogos Olímpicos de Paris que devem ajudar a empresa a recuperar o ímpeto junto dos consumidores, a marca do “swoosh” está confiante que vai lançar nos próximos dois anos produtos que vão restaurar a aura de inovação de outros tempos.

Até porque senão o fizer, já sabe o que lhe espera: os consumidores viram-se para as marcas onde está a inovação e os acionistas respondem da mesma moeda.

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