Não tem likes nem filtros e não quer ser como o Instagram
por Abílio dos Reis (Texto) | 22 de Março, 2022
Lançada em 2020, a BeReal é uma rede social que prefere autenticidade em detrimento de curadoria. Não há filtros, não há gostos, não há grande espaço para atividade clamorosa, não há grande chamariz para os influenciadores e estrelato. Há apenas pessoas que partilham momentos banais da sua vida real — por mais enfadonhos ou loucos que sejam. Se a foto sai distorcida, se a lente da câmara está suja ou se respeita a regra dos terços, o que conta é o momento captado. Aqui, é tudo aleatório pelo casual posting. Para amigo (verdadeiro) ver.
Antes de se descarregar a aplicação numa App Store ou Google Play perto de si, a descrição da BeReal avisa logo ao que se vai: “a BeReal não te vai tornar famoso, se quiseres tornar-te num influenciador podes ficar no TikTok ou no Instagram”. A missão desta app é outra: dar a oportunidade ao utilizador de “mostrar quem realmente és” aos amigos. Sem filtros, porque na vida real também não os há.
Criada por Alexis Barreyat em França e lançada em 2020, a aplicação nasce depois de o fundador ter estado na GoPro (empresa) e lidado com influenciadores. Enquanto produtor de vídeo, trabalhava com as pessoas, lidava com elas, mas não se identificava. Sempre que abria o Instagram, deparava-se com todo esplendor destas figuras que se pavoneavam numa aparente vida perfeita — quando a dele era tudo menos isso. Foi esse sentimento que o levou a criar algo diferente. Sem floreados, sem adornos, só a vida como ela é. Segundo o Mashable, o “BeReal é o que o ‘Casual Instagram’ quer ser”.
É um pouco por isso que a plataforma tem a sua campanha digital assente numa pergunta: “E se as redes sociais pudessem ser diferentes?”. E por diferentes, entendam-se mais genuínas e com menos folclore à la Fyre Festival, sem projetar apenas aquilo que achamos que os outros vão gostar mais de nós. Seja no Instagram ou Snapchat, o mais provável é que só partilhemos algo que espelhe a nossa melhor versão. Claro que existem exceções e nem todos frequentam ou exploram a rede social da mesma forma. Mas em todo o caso… e se existisse uma alternativa?
BeReal: como é que funciona?
É uma aplicação que assenta verdadeiramente no termo “em tempo real”. Todos os dias, a uma hora diferente, os utilizadores recebem uma notificação no telemóvel (de forma simultânea, consoante a sua localização). Recebido o alerta, dispõem de dois minutos para publicar uma fotografia — que não é uma mera selfie e que anos de Instagramajudam a “não ficar muito mal”. É que a app tira uma fotografia com ambas as câmaras: a da selfie para a careta e a outra(s) para o que está em redor. Ou seja, não adianta estar a meter a carinha bonita se depois estamos num sítio embaraçoso. Os amigos vão saber que a foto foi tirada no autocarro, no quarto enquanto se faz binge na Netflix ou na farmácia a comprar Imodium.
No entanto, apesar de a premissa ser simples, está tudo feito e desenhado para que o produto final (foto) seja o mais genuíno possível. O esquema dos dois minutos e a notificação aleatória leva a que os utilizadores sejam eles próprios e não tenham grande escolha quanto aos cenários em seu redor. Esta é, pelo menos, a teoria: não havendo tempo para encontrar a pose ou fundo perfeito, o conteúdo que sai da lente do telemóvel assenta num reboliço autêntico de criatividade aleatória. E, não. Não há spam de notificações. É só uma por dia.
A experiência de utilização é, portanto, uma mescla entre o Snapchat e o Instagram — isto porque a foto do utilizador só fica no feed durante 24 horas. A diferença, segundo consta no vídeo de promoção desta nova rede social, está em tudo o resto: “Sem filtros. Sem likes. Sem seguidores. Sem besteira [bullsh*t]. Sem ads”, segundo se lê. É que desta maneira, a BeReal acredita que oferece “uma nova e única maneira de descobrir como realmente são os teus amigos no seu dia-a-dia”.
Mas para ver aquilo que os nossos amigos andam a tramar existem umas regras. Aliás, essencialmente é uma: o utilizador tem de publicar primeiro uma foto dele para ter acesso ao seu feed. No fundo, é um mecanismo anti-bisbilhoteiro que quer travar aquelas almas que só gostam de ver a desgraça alheia mas que não estão dispostas a partilhar a sua. Se o intuito é só ver e não fazer nada, a experiência tende a ficar mais complicada. Ou inexistente.
Primeiro os jovens em França, agora nas universidades americanas
Quem parece que está a responder bem ao apelo por autenticidade da BeReal são os jovens. Primeiro, pelos franceses, onde de resto foi criada, que ajudaram a que a app ficasse no top 10 das redes sociais mais populares no país, de acordo com o post do LinkedIn de Alexis Barreyat (o criador) no ano passado — que acrescenta que a app atingiu o feito “sem gastar um único dólar em marketing & aquisição” e que foi tudo “orgânico”.
O crescimento exponencial da BeReal começou a verificar-se na primavera de 2021, particularmente entre os estudantes universitários franceses. De acordo com a Protocol, que falou com a Relações Públicas da empresa, a rede social já arrecadou 30 milhões de dólares em financiamento e tem milhões de utilizadores, sendo a maioria proveniente da Europa.
No entanto, nos últimos tempos, parece que está a galgar o Atlântico — e o número de utilizadores nos Estados Unidos está a crescer. A app começa a espalhar-se à séria pelos campus universitários americanos e está a captar a atenção suficiente para ser matéria de artigos em jornais dos estudantes (como é o caso do The Harvard Crimson) que explicaram como a BeReal está ativamente a recrutar estudantes e a organizar festas para espalhar a palavra.
O que faz todo sentido. O Snapchat, por exemplo, nasceu numa residência universitária de Stanford. Assim como o mais mediático de todos os exemplos, o site “hot or not”, que deu origem ao Facebook e que David Fincher tão bem nos mostrou em “The Social Network”. Tal como frisa a Protocol, os jovens têm a capacidade de tornar algo que está na obscuridade em fenómeno num ápice — basta que não se fartem e que a utilizem o tempo suficiente até que se comece a falar sobre elas.
Insta vs Real
A mudança no algoritmo e o facto de o Instagram se ter tornado numa máquina oleada para fazer dinheiro levaram a que muitos utilizadores mais novos perdessem contacto com os seus amigos. As histórias partilhadas pelos colegas da escola deram lugares a feeds inundados com anúncios, conteúdo pago por influenciadores ou publicações recomendadas. A amizade, que muitos prezam, ficou para segundo plano em detrimento da monetização. A autenticidade, parece que também. Agora tudo é cuidado, tudo é filtrado, tudo é editado.
Talvez tenha sido tudo isto somado que tenha levado ao aparecimento do movimento “tornar o Instagram mais casual” com o ressurgimento das “photo dumps” (basicamente a partilha de várias fotos do dia a dia em carrossel sem todo aquele cuidado nas edições das imagens) ou à criação de um segundo perfil do Instagram só “para amigos”. Ora, se assim é, se assim acontece, é porque parece existir espaço para uma nova tendência. Tendência que o BeReal parece suprir. Se o vai fazer, é muito cedo para o dizer. Para já, é um aplicação que merece destaque entre alunos universitários mas que pode nunca vir a sair desse nicho.
Uma coisa parece ser certa: tem na simplicidade um dos seus trunfos e não deixa que os utilizadores fiquem assoberbados com funcionalidades ou anúncios. Porém, diga-se que a história de ser simples não é assunto virgem nestas andanças. O Snapchat e o Instagram também começaram com uma visão semelhante. Neste parâmetro, a BeReal está longe de ser pioneira. Tanto que um dos primeiros posts no blog de Evan Spiegel, CEO do Snapchat, em 2012, dava conta que a app seria para falar de tudo e não somente do que “parece ser bonito ou perfeito”. Assim como nos primórdios do Instagram se andavam longe dos Reels ou de copiar o sucesso do TikTok.
Por outras palavras, à medida que uma plataforma social cresce e o número de utilizadores aumenta, há a pressão para continuar a evoluir e somar números. Contudo, no imediato, a BeReal diz que está a “trabalhar arduamente para manter a aplicação tão simples quanto possível”. Resta saber se a política se mantém doravante. Ou se os jovens universitários vão continuar a achar piada à aplicação da moda — porque mais importante do que ser mais saudável do que o Instagram é preciso ter o fundamental e que é o fado para a longevidade de todas as aplicações deste género: que os amigos e famílias estejam lá. Sem isso, por muita bem intencionada que seja, cairá no esquecimento.